Dez dias antes de ser internado, o ator e comediante Paulo Gustavo cobrou por vacinas em suas redes sociais: "Cadê a vacina meu deus?", questionou. Na noite desta terça-feira (4), o ator veio a óbito por covid-19 e suas complicações.
Nas redes, os internautas lembraram as 11 vezes que o governo de Jair Bolsonaro recusou onze ofertas formais de empresas farmacêuticas de fornecimento de vacinas contra o novo coronavírus, conforme divulgou a coluna do Octavio Guedes no G1, no final de abril.
Das 11 negativas, seis foram dadas ao Instituto Butantan, referente ao imunizante CoronaVac, produzido em parceria com o laboratório farmacêutico chinês Sinovac.
O diretor do órgão, Dimas Covas, enviou três ofícios ao Ministério da Saúde oferecendo a vacina, datados de 30 de julho, de 18 de agosto e 7 de outubro do ano passado, sendo este último entregue pessoalmente ao então chefe da pasta, o general Eduardo Pazuello.
Mesmo sem resposta aos três ofícios, o Instituto Butantan ainda realizou três videoconferências com funcionários do Ministério a fim de acelerar a oferta. Novamente, nenhum passo foi dado.
::Sete vezes em que Bolsonaro e seus aliados contribuíram para a falta de vacinas::
Em agosto de 2020, foi dada a primeira das três negativas ao laboratório estadunidense Pfizer. Somente nesta ocasião, o Brasil perdeu 70 milhões de doses que seriam entregues já em dezembro do ano passado.
Meses depois, no dia 23 de janeiro, o governo federal divulgou uma nota criticando publicamente o laboratório farmacêutico Pfizer por cláusulas impostas para comercialização do imunizante.
Uma das medidas autorizava o governo brasileiro a assumir responsabilidade sobre possíveis efeitos adversos causados pelo imunizante – as cláusulas que Bolsonaro considera “abusivas” estão previstas em recomendações da Organização Mundial da Saúde (OMS) e se aplicam a imunizantes utilizados no Brasil há décadas.
Além dos EUA, a União Europeia, Japão, Canadá, Israel, Austrália, México, Equador, Chile, Costa Rica, Colômbia, Panamá e todos os demais países que compraram o imunizante aceitaram essas exigências.
“Causaria frustração em todos os brasileiros [comprar as 70 milhões de doses oferecidas pela Pfizer em agosto], pois teríamos (...) que escolher, num país continental com mais de 212 milhões de habitantes, quem seriam os eleitos a receberem a vacina”, argumentou o Ministério da Saúde, em janeiro.
Na época, Bolsonaro afirmou que "na Pfizer, está bem claro no contrato: 'nós não nos responsabilizamos por qualquer efeito colateral'. Se você virar um jacaré, é problema de você. Não vou falar outro bicho aqui para não falar besteira. Se você virar o super-homem, se nascer barba em alguma mulher aí ou um homem começar a falar fino, eles não têm nada a ver com isso".
Em entrevista recente à revista Veja, o ex-secretário de comunicação da Presidência, Fabio Wajngarten, afirmou que “os diretores da Pfizer foram impecáveis. Se comprometeram a antecipar entregas, aumentar os volumes e toparam até mesmo reduzir o preço da unidade, que ficaria abaixo dos 10 dólares. (...) Infelizmente, as coisas travavam no Ministério da Saúde”.
Por fim, segundo o senador Randolfe Rodrigues (Rede-AP), autor do requerimento da CPI, foram duas as vezes que o governo Bolsonaro se recusou a participar do consórcio da Covax Facility, da Organização Mundial da Saúde (OMS) que aglutina mais de 170 países e permite o acesso a uma cartela de imunizantes.
De acordo com o diretor-geral da OMS, Tedros Adhanom, o Brasil só entrou no consórcio a partir do terceiro convite, para a aquisição de 212 milhões de doses.
Vacinação e pandemia no Brasil
Até às 20h desta terça-feira (4), 32.881.298 pessoas receberam a primeira dose de vacina, o que representa 15,53% da população brasileira, de acordo com o último balanço do consórcio de veículos de imprensa. Já a segunda dose foi aplicada em 16.723.761 pessoas (7,90% da população do país).
O ritmo lento de vacinação não tem sido suficiente, no entanto, para evitar a média de 3 mil mortes diárias no Brasil. Até às 18h desta terça, foram contabilizados 2.966 óbitos nas últimas 24 horas, totalizando 411.588 mortes desde o início da pandemia, de acordo com o Conselho Nacional de Secretários de Saúde (Conass). Em relação ao número de novos casos, foram 77.359 registros no mesmo período, totalizando 14.856.888.
Tanto o número de óbitos quanto de casos desta terça está acima das médias móveis, 2.397 e 59.332, respectivamente. O aumento ocorre paralelamente à flexibilização das medidas de combate ao avanço da pandemia, como o distanciamento social, nos estados e municípios.
“De novo, especialistas avisando que, abrindo neste ritmo e no momento em que estamos é a receita para outra onda de casos. Estamos naturalizando 2 a 3 mil mortes por dia. Mas esse teto não existe”, alerta o biólogo e divulgador científico Atila Iamarino.
Edição: Leandro Melito