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Prefeitura de SP fecha contrato sem licitação de R$ 3,5 mi para revisar Plano Diretor

Urbanista Nabil Bonduki considera a contratação “bastante suspeita” e oposição protocola requerimento na Câmara

Brasil de Fato | São Paulo (SP) |

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Bonduki pondera que a FDTE não possui experiência em produção de plano diretor - Foto: Prefeitura de São Paulo

No dia 23 de abril, a Prefeitura de São Paulo publicou no Diário Oficial a contratação, sem licitação, da Fundação Para o Desenvolvimento Tecnológico da Engenharia (FDTE), que ficará responsável, de acordo com o anúncio, pela “prestação de serviços técnicos especializados consistentes em apoio em estudos, avaliações, assessoria e consultoria à revisão participativa do Plano Diretor Estratégico (PDE)” da capital paulista.

O contrato de terceirização custará R$ 3,5 milhões aos cofres públicos do município.

O anúncio chamou a atenção da oposição na Câmara Municipal de São Paulo e na última terça-feira (4), a Bancada Feminista, mandato coletivo do PSOL, protocolou um Requerimento de Informação pedindo que o secretário de Urbanismo e Licenciamento, Cesar Angel Boffa de Azevedo, justifique a contratação da FDTE.

“Salta aos olhos a ausência de licitação. Essa fundação simplesmente foi apresentada como escolhida para o legislativo e para a população. Nós sabemos que existem entidades patronais que estão articulando um Plano Diretor por trás da cortina. Essa parcela dos interessados já sabia dessa contratação”, acusou Dafne Sena, co-vereadora da Bancada Feminista.

Ainda de acordo com a parlamentar, a Prefeitura deverá explicar aos vereadores da Casa “qual o projeto de trabalho da Fundação” e porque uma contratação sem concorrência ou análise de propostas de outras entidades do setor.

“Não há nenhuma informação sobre os serviços prestados, é tudo muito vago.”

Para o urbanista Nabil Bonduki, ex-vereador paulistano e relator do Plano Diretor de São Paulo em 2014, a contratação é “bastante suspeita” e “carece de explicação”.

“Em primeiro lugar, me chama a atenção o valor. É um valor muito alto para um trabalho que não está suficientemente detalhado e é bastante discutível porque a prefeitura dispõe de um banco de dados e estrutura completa', ressalta.

"Nesse tipo trabalho, uma das etapas mais importantes é essa, de busca de informação, que é um trabalho que a prefeitura já tem.”

Bonduki e Sena afirmam não conhecer a FDTE. “Essa fundação, que não tem tradição no estudo de planos urbanos, ter privilégio em um processo sem concorrência, sendo que existem outras fundações e institutos em São Paulo com histórico e que são superiores a essa fundação, é muito estranho”, explicou Bonduki.

Servidores

Um engenheiro de carreira da prefeitura, que presta serviço em uma das subprefeituras da capital paulista, criticou a contratação da FDTE.

“Com absoluta certeza, os servidores fariam a revisão do Plano Diretor. Temos acúmulo para isso e o prefeito poderia guardar esses recursos para aplicar”, explicou o trabalhador, que pediu para não ser identificado.

Hoje, o município de São Paulo possui em seus quadros 991 engenheiros e arquitetos que poderiam trabalhar na revisão do Plano Diretor.

Ao Brasil de Fato, a prefeitura informou que o “estudo será elaborado por uma equipe técnica multidisciplinar coordenada por 27 especialistas (professores universitários, engenheiros, economistas, arquitetos, urbanistas, advogados) e será um complemento às providências técnicas que já vêm sendo adotadas pela Secretaria Municipal de Urbanismo e Licenciamento.”

Bonduki não concorda com a justificativa da prefeitura, interinamente sob comando de Ricardo Nunes (MDB). “Nas duas últimas vezes que o Plano Diretor foi elaborado, tanto em 2002, como em 2013, ele foi elaborado apenas pelos técnicos da própria Prefeitura, eu era vereador e relator na Câmara, me lembro muito bem. Na época, o Executivo usou seu próprio corpo técnico para isso.”

Segundo Sena, “se a prefeitura tivesse um compromisso com o Plano Diretor, ele seria feito pelos servidores públicos, que possuem acúmulo para revisar o plano e, inclusive, identificar o que não foi cumprido, que é muita coisa".

Para além do quadro de técnicos, a Prefeitura de São Paulo insiste em não chamar os 467 engenheiros e arquitetos que foram aprovados no Edital 00/2018, que vence em julho deste ano sem que qualquer trabalhador tenha sido convocado pelo prefeito licenciado Bruno Covas (PSDB) ou por Ricardo Nunes, que ocupa o cargo neste momento.

Plano Diretor

Aprovado em 31 de julho de 2014 pela Câmara dos Vereadores de São Paulo, o Plano Diretor Estratégico do município tem validade de 15 anos, se estendendo, portanto, até 2029. No entanto, ele deve ter o texto e as metas revisadas quando completa 7 anos, justamente em 2021.

O primeiro Plano Diretor aprovado em São Paulo data de 1971, sendo revisado automaticamente em 1988. Naquele mesmo ano, uma nova peça seria escrita.

À época, o Brasil vivia o período de ditadura civil-militar (1964–1985) e a influência repressora dos militares no poder impediu que o programa tivesse transparência. Ele foi aprovado de forma impositiva, sem qualquer participação da sociedade civil.

Em 2002, durante a gestão da então petista Marta Suplicy, que estava no PT, o PDE foi revisto, dessa vez com participação popular.

A aprovação passou por intervenção de conselhos e por audiências públicas, com a finalidade de ampliar a característica democrática do projeto. Em 2014, novamente durante uma gestão petista, de Fernando Haddad, o Plano Diretor foi renovado, com novas metas para o município.

Outro lado

Em nota ao Brasil de Fato, a Prefeitura de São Paulo informou que a FDTE “terá a função expressa de apoiar, complementar e dar suporte técnico à sistematização dos dados de monitoramento e diagnóstico da revisão do Plano Diretor. Não terá em hipótese alguma caráter deliberativo.”

Sobre a ausência de concorrência, o governo paulistano disse: “Importante destacar que a própria lei federal que trata de licitações (Lei 8.666/93) dispensa licitação para contratação de instituição brasileira de pesquisa, ensino ou desenvolvimento institucional.”

A Prefeitura não respondeu o motivo de ter terceirizado a revisão do Plano Diretor, se o município possui engenheiros e arquitetos que poderiam realizar o estudo.

Edição: Leandro Melito