Ouça a Rádio BdF

O que podemos aprender com a segunda onda da covid para evitar uma terceira crise?

Avanço do coronavírus tem leve desaceleração, mas caos pode voltar sem medidas coordenadas nacionalmente

Consolidar esse regime passa pelo descontrole da pandemia

Nas últimas cinco semanas o Brasil viu os números de mortes e novos casos por covid-19 passarem por uma leve desaceleração. Os óbitos vêm caindo desde o início de abril e os registros de infectados, que por seis semanas ficaram acima de 450 mil e chegaram a superar meio milhão em três ocasiões, também diminuíram.

No entanto, o patamar alcançado pelo país nos últimos meses foi tão alto, que mesmo com a desaceleração, a situação é muito mais crítica que os piores momentos do ano passado. Se no inverno de 2020 registrávamos absurdos 250 mil novos contaminados e 7 mil mortos por semana, agora, temos mais de 400 mil casos a cada sete dias e há dois meses perdemos mais de 15 mil vidas por período.

Muito poderia ter sido feito nos momentos em que a propagação foi menos agressiva, registrados entre setembro e outubro de 2020. Com coordenação nacional das medidas de prevenção, a segunda onda poderia ter sido evitada. Hoje, o país vive uma desaceleração mais tímida, mas mesmo assim, o governo federal não dá mostras de que tenta se preparar para evitar mais um colapso.

Em participação no podcast A Covid-19 na Semana, a médica de família e comunidade Nathalia Neiva dos Santos, da Rede Nacional de Médicas e Médicos Populares, afirma que há muitas lições a serem aprendidas. Uma das mais importantes é a necessidade de fortalecimento do Sistema Único de Saúde (SUS).

"São orientações baseadas em experiências de outros países que conseguiram controlar a receita, combinadas com uma reflexão sobre a realidade brasileira. O Brasil tem um Sistema Único de Saúde que deveria ser reforçado, tanto na atenção hospitalar, mas principalmente na atenção primária.".

Ao falar sobre atenção primária, Nathália se refere a medidas básicas, como a testagem em massa e o monitoramento de pessoa que tiveram contato com infectados, algo que nunca aconteceu no Brasil, "são várias lições, desde o âmbito individual, dentro de casa, até o sentido mais sistêmico".

Além do fortalecimento do SUS, a lista de ações essenciais citadas pela médica tem o controle da circulação de pessoas entre estados para evitar a propagação de novas variantes e a condução de campanhas de orientação para uso de máscaras e distanciamento. O Brasil também falhou no investimento em pesquisa e na aquisição de vacinas.

A julgar pelas declarações mais recentes do presidente Jair Bolsonaro, nada vai mudar. Na quarta-feira (5), ele insinuou que o coronavírus pode ter sido criado em laboratório, tese rechaçada pela ciência. Sem citar diretamente a China, Bolsonaro citou uma suposta "gerra química" e finalizou perguntando, "Qual país que mais cresceu seu PIB?" menção óbvia à nação asiática.

Em mais de uma oportunidade nesta semana, o presidente disse que tem um decreto pronto para proibir que estados e municípios tomem medidas de restrição da circulação. Segundo ele, o texto se baseia na Constituição Federal e garante o "direito de ir e vir".

Na segunda-feira (3), foi divulgada uma pesquisa da Confederação Nacional da Indústria (CNI) indicando que três em cada quatro brasileiros perderam alguém para a covid-19 desde o início da pandemia. 53% perderam um amigo, 25% um parente que mora em outra residência e 15% um colega de trabalho.

Ainda de acordo com o estudo, 89% das pessoas consideram a pandemia no Brasil “muito grave” ou “grave”. No dia seguinte à divulgação dos dados, o ex-ministro da saúde, Luiz Henrique Mandetta, afirmou à CPI da Covid que enviou uma carta a Bolsonaro em março do ano passado com um alerta sobre a gravidade da pandemia. 

Nathalia Neiva dos Santos afirma que é necessário refletir sobre os objetivos do governo, "Ao olhar como o governo federal tem trabalhado a pandemia, há posicionamentos que são escolhas. Se nega a gravidade do vírus, se nega a necessidade de reforçar o sistema de saúde público", ressalta ela.

"Uma reflexão que a gente precisa começar a fazer sobre como se porta esse governo na sabotagem cotidiana do controle da pandemia, é de que consolidar esse regime, que é o neofascismo mesmo, passa pelo descontrole da pandemia", alerta a médica.

Na quinta-feira (6), o Brasil chegou à marca de 15 milhões de pessoas contaminadas desde o início da pandemia. O número oficial de vidas perdidas para o coronavírus é superior a 419 mil. As estimativas de subnotificação feitas pela Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) apontam mais de meio milhão de mortes por covid em território nacional. 

"A gente tem a resiliência da população brasileira sendo testada, porque está sendo jogada para a marginalidade, para o empobrecimento. Uma condição, que a gente pode colocar que é de anestesia, para não construir lutas populares no futuro de resistência", finaliza Nathalia.

Ouça o podcast na íntegra no tocador abaixo do título desta matéria. Clique aqui e acesse também as edições anteriores do projeto.

 

Veja mais