Paraná

LGBTfobia

“Vamos gritar e levar a voz de Lindolfo”: MST cobra justiça por camponês assassinado

Ato em protesto contra o assassinato de Lindolfo Kosmaski reuniu cerca de 200 pessoas em São João do Triunfo (PR)

Curitiba (PR) |
Três suspeitos pelo assassinato de Lindolfo estão presos - Joka Madruga

“Hoje, Lindolfo se torna um símbolo da luta pela qual ele lutava, e pela qual nós vamos seguir lutando”. A afirmação de Alessandro Mariano, da coordenação do Coletivo LGBT Nacional do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), marcou o início do ato em homenagem ao jovem Lindolfo Kosmaski, de 25 anos, assassinado no último dia 1º de maio. A suspeita é que o crime tenha sido motivado por homofobia.

O protesto reuniu cerca de 200 pessoas na manhã do sábado (8), em São João do Triunfo, sul do Paraná, onde Lindolfo morava. Entre os participantes estavam os pais, irmãos e amigos do jovem, além de integrantes de diversas entidades e movimentos.

Uma cruz de cedro, velas, bandeiras, faixas, flores e uma camiseta com a imagem do jovem foram colocadas na calçada em frente à Secretaria Municipal de Educação, no centro da cidade, e marcaram a primeira parte do ato. Lindolfo havia se tornado professor da Rede Pública Estadual de Educação este ano, e já se destacava pela dedicação ao trabalho. Ele dava aulas no Colégio Estadual Francisco Neves Filhos, o mesmo em que cursou todo o ensino fundamental e médio. 


Protesto reuniu cerca de 200 pessoas / Joka Madruga

Entre os colegas e amigos presentes estava Marco Aurélio Gaspar, professor de Educação Física que conheceu Lindolfo ainda criança. “Ele estava presente em todas as atividades da escola, sempre se mostrando interessado. Aprendemos muito com ele. Eu fico muito triste, porque era um momento que ele tinha muito a contribuir com a nossa escola. Nos enche de orgulho ele estar como professor dessa escola, formando educadores também. O legado dele fica e a gente vai deixar isso registrado sempre, do nosso professor Lindolfo, por toda a sua história de luta, de dignidade e esperança”, disse, emocionado.

Lindolfo concluiu o curso de Licenciatura em Educação do Campo, Ciências da Natureza com ênfase em Agroecologia em 2018, pela Escola Latino Americana de Agroecologia (ELAA), localizada no assentamento Contestado, na Lapa. Mirelle Gonçalves, militante MST que integrava a coordenação da ELAA no período em que o jovem estudou na Escola, falou do interesse de Lindolfo pelos estudos.

“Era um menino, camponês, cheio de sonhos, querendo conhecer o mundo, aberto pro conhecimento [...] e saiu de lá um homem, um educador. Era um menino muito afetuoso, que tinha muito cuidado com as pessoas, que se preocupava com o outro. Relatos dos alunos e alunas dele mostram que ele falava lindamente sobre a luta pela terra, legado da sua história e do seu processo formativo”, relatou a militante.  


Lindolfo foi assassinado no último dia 1º de maio / Joka Madruga

Dona Maria Natividade, moradora do assentamento Contestado e integrante do Setor de Saúde do MST, lembrou a contribuição de Lindolfo como militante. “Ele foi um grande parceiro na área da saúde no assentamento. Não era só um estudante, era um grande militante da luta no geral. Lutava em defesa da agroecologia, e junto com ela a defesa da natureza, das ervas medicinais”. Lindolfo também participou de diversas atividades de formação do MST, como cursos e encontros do Coletivo LGBT Sem Terra e Jornadas de Agroecologia.

Luta por Justiça 

“A morte já não mata / Já não mata mais a morte / O chão regado de sangue / Faz a flor nascer mais forte”, entoaram integrantes do Coletivo LGBT Sem Terra e da ELAA, no momento do “plantio” da cruz de cedro, no encerramento do ato.

Fixada às margens da rodovia 151, próximo ao local onde Lindolfo foi assassinado e teve o corpo carbonizado, a cruz irá brotar e se transformar em uma nova árvore. Flores e sementes também foram plantadas no local, que a partir de hoje será preservado pela comunidade, amigos e familiares como marco da luta por justiça contra a homofobia e em memória ao jovem professor. 


Cruz de cedro foi "plantada" próximo ao local onde Lindolfo foi assassinado e teve o corpo carbonizado / Joka Madruga

Três suspeitos pelo assassinato de Lindolfo estão presos. “Enquanto não tiver justiça, vamos gritar e levar a voz de Lindolfo”, afirmou Alessandro Mariano, do MST.

Darci Frigo, vice-presidente do Conselho Nacional dos Direitos Humanos, está acompanhando o caso e esteve presente no ato de sábado. “É importante que a gente possa nesse momento homenagear um jovem que estava construindo o seu futuro, e teve a característica de lutar pelo seu lugar no mundo, do jeito que ele era, com a sua opção como LGBT, de ser um professor que provavelmente iria semear novas ideias por um mundo novo, e ser um militante camponês nas diferentes formas da luta pela agricultura familiar (…) Estou acompanhando uma série de situações de violações de direitos humanos no país e nós temos que enfrentar de forma firme todo esse processo que vem do ódio e do preconceito”, garantiu.


Ato aconteceu no centro de São João do Triunfo (PR) / Joka Madruga

O ato foi organizado pelo Sindicato dos Trabalhadores Rurais de São João, APP-Sindicato, Coletivo Triunfo, Conselho Permanente de Direitos Humanos do Paraná, PT municipal e estadual, Central Única dos Trabalhadores do Paraná (CUT) e pelo MST. Também estiveram presentes o deputado estadual Tadeu Veneri (PT); o vice-presidente da Câmara de Vereadores do município, Anderson do Prado (PT); e representantes de outros mandatos parlamentares.

Além do caso de Lindolfo, em Curitiba, mais duas pessoas LGBTI+ foram vítimas de crimes violentos somente nesta semana. Segundo o relatório divulgado pelo Grupo Gay da Bahia, 329 pessoas LGBTI+ sofreram de morte violenta no Brasil, somente em 2019. Foram 297 homicídios e 32 suicídios. Isso é equivalente a 1 morte a cada 26 horas.

Edição: Lia Bianchini