Oriente Médio

Repressão de Israel durante Ramadã é golpe no coração de muçulmanos, diz especialista

Para a professora Francirosy Campos, da USP, ataques a mesquitas do governo israelense buscam "fragilizar palestinos"

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Pelo menos 65 palestinos já foram mortos durante o Ramadã deste ano - Divulgação - Federação das Associações Muçulmanas do Brasil

Os muçulmanos celebraram nos últimos 30 dias o Ramadã, mês em que realizam jejum da alvorada ao pôr-do-sol e orações. No entanto, este período de religiosidade foi encerrado com uma onda de ataques israelenses aos palestinos, matando, até o momento, 65 pessoas, incluindo 16 crianças, e deixando mais de 300 feridos.

A região de Jerusalém Oriental vem sendo palco de uma repressão de forças de Israel contra os palestinos há alguns dias. No começo da semana, a polícia lançou balas de borracha e granadas de choque contra a mesquita de Al-Aqsa. 

Em entrevista a Opera Mundi, a antropóloga e professora do Departamento de Psicologia da USP Francirosy Campos disse que tais repressões de Israel em meio ao Ramadã são um "ataque no coração" de muçulmanos, já que, segundo a docente, é especialmente neste mês em que se dedicam ainda mais à religião e à espiritualidade.

::Violência contra palestinos se aprofunda nos últimos dias de Ramadã; 20 foram mortos::

Campos ainda afirma que a hostilidade do governo de Israel nos dias finais do mês sagrado tem como propósito "fragilizar" os palestinos que estão "mais ligados a Deus nos últimos 10 dias". Porém, a professora aponta que, mesmo nesses ataques, há um "processo de muita resistência" na região. 

"Esses últimos 10 dias as pessoas estão mais ligadas a Deus do que no início, pois sabemos que o mês está acabando. Então, atacar durante o Ramadã, e atacar uma mesquita, é extremamente simbólico, é como atacar o coração do muçulmano. É como atacar aquilo que é mais precioso para ele: que é seu tempo de oração, espiritualidade e devoção a Deus", disse. 

Para a antropóloga e especialista em comunidades muçulmanas, com esses ataques "violentos e massacrantes", o governo israelense "está dizendo para o povo palestino quem é que manda". "O que vemos em relação ao Estado de Israel é só violência. Não houve trégua, não querem dialogar. Há muita barbaridade e crueldade no que o povo palestino vivência", afirmou. 

Mesmo com o alto número de mortos e feridos na região de Gaza e Jerusalém Oriental, o primeiro-ministro israelense, Benjamin Netanyahu, disse que aumentaria a “potência e a frequência” dos ataques contra o enclave palestino. 


Palestinos se dispersam em meio a granadas lançadas no entorno da mesquita de Al-Aqsa, na semana passada / Ahmad GHARABLI / AFP

"Todo esse ataque no mês do Ramadã é violento e massacrante, e diz 'quem é que manda' até no período de festa religiosa, no período de reflexão e oração. É naquele momento em que todos os palestinos estão quebrando o dia de jejum, ou começando o dia de jejum, e que estão próximo do Eid al-Fitr", declarou.

O Eid al-Fitr é a festa que encerra o mês sagrado do Ramadã e celebra o fim do jejum. Neste ano, a celebração será nesta quinta-feira (13/05). De acordo com a professora, a data é um momento que dura dias e as pessoas comemoram com festas e entrega de presentes para as crianças. 

::As mulheres palestinas têm sido um espinho para autoridades de ocupação israelenses::

"Como os palestinos irão comemorar?", questiona Campos. "Um povo destroçado terá alegria para comemorar uma festa religiosa de tamanha importância para o povo muçulmano?", pergunta a docente, que aponta que é necessária "muita resistência" para "retirar essa dor do peito".

"Não gosto de dizer conflito, pois conflito é quando há dois lados com forças iguais. Quando se trata de Israel e Palestina não são forças iguais. Eu só peço a Deus que proteja o povo palestino e que nenhuma mãe palestina chore mais a morte de seus filhos", disse. 

'Apartheid'

No final de abril, a organização Human Rights Watch (HRW) divulgou um relatório afirmando que o governo de Israel comete um "apartheid" contra a população palestina, e apontando que as autoridades israelenses "cruzaram uma barreira". 

Segundo a HRW, Israel adota a política de "manter a dominação sobre os palestinos" por meio de "graves abusos contra aqueles que vivem nos territórios ocupados, incluindo Jerusalém Oriental".

Assim como a organização, o Tribunal Penal Internacional de Haia (TPI), que não é reconhecido por Israel, abriu uma investigação formal sobre eventuais crimes de guerra ocorridos na Palestina a partir do conflito de 2014 na Faixa de Gaza, pois há "uma base razoável" para acreditar que foram cometidos crimes por parte das forças de Israel.

Com relação às acusações, a Opera Mundi, Campos disse se tratar, em sua opinião, "de uma violação dos direitos humanos, uma limpeza étnica" contra os palestinos. Tais denúncias, afirma, "devem ser amplamente divulgadas", já que, diante desses cenários, as acusações "ainda" são poucas.

"Tem muita gente falando que nada é feito contra o Estado de Israel, um poder que é assustador, um Estado que passa por cima dos direitos humanos e nada é feito. [...] Israel foi vacinado [contra a covid-19] e na Faixa de Gaza não tem 100 mil pessoas imunizadas. É um apartheid de vida, de direito à saúde a de sobrevivência ao povo", disse.

Mesmo com as denúncias e investigações, e uma possível mudança em Israel, já que Yair Lapid foi convocado a tentar formar um novo governo israelense, Campos não enxerga que possa haver uma mudança de postura em relação à Palestina. "Não tenho esperança nesse sentido, a não ser que Lapid seja antissionista e se coloque contra o Estado de Israel e a favor dos palestinos. Eu não acredito. Enxergo ele mais como um ser folclórico para chamar atenção e não para dar retorno aos palestinos", afirmou.