Violência política

RJ: Benny Briolly, primeira vereadora trans de Niterói, sai do país após ameaças

O Brasil de Fato conversou com a parlamentar logo após o resultado das eleições, em novembro do ano passado; releia

Brasil de Fato | Rio de Janeiro (RJ) |
Segundo informações divulgadas pelo seu mandato, serão aproximadamente 15 dias de afastamento da Câmara Municipal de forma presencial - Arquivo pessoal

A vereadora Benny Briolly (Psol), primeira parlamentar trans eleita em Niterói, na Região Metropolitana do Rio, anunciou na noite da última quinta-feira (13), que precisou sair do país para se proteger devido a "ameaças a sua integridade física". Segundo informações divulgadas pelo seu mandato, serão aproximadamente 15 dias de afastamento da Câmara Municipal de forma presencial.

Em nota divulgada nas redes sociais da vereadora, a equipe ressaltou que mesmo antes de ser empossada, em dezembro, ela já havia sido alvo de ataques preconceituosos. 

Leia mais: Candidata a vereadora pelo Psol em Niterói (RJ) é ameaçada de morte em rede social

No entanto, uma das mais graves ameaças aconteceu nas últimas semanas, a partir de um e-mail citando o endereço da vereadora enquanto exigia sua renúncia do cargo e a ameaçava de morte caso não o fizesse.

"Não é de hoje que parlamentares negras, travestis, mulheres, LGBTQIA + e defensoras dos direitos humanos sofrem com a violência política dentro e fora dos espaços legislativos e de tomadas de decisões", destaca a nota. "Essa prática é fruto da estrutura patriarcal e racista que desumaniza nossos corpos e teme o avanço do nosso projeto político de transformação da sociedade", diz trecho da nota.

A vereadora segue acompanhando as sessões plenárias, que já ocorrem de forma virtual por causa da pandemia.

Entrevista

Benny Briolly, de 29 anos, foi eleita com 4.458 votos como a quinta mais bem votada para ocupar uma vaga na Casa Legislativa de Niterói. Nascida e criada em Niterói, Benny morou até os 20 anos no Fonseca, bairro da zona norte do município. Atualmente é estudante de Jornalismo e vive no Morro da Penha, no bairro de Ponta d´Areia. Sua trajetória na política partidária começou em 2013, ano que entrou para o Partido Socialismo e Liberdade (Psol).

Em 2016, foi convidada para compor o mandato da então vereadora de Niterói, Talíria Petrone (Psol), hoje deputada federal, e enfrentou o preconceito ao ser a primeira mulher trans a ocupar uma vaga de assessora parlamentar na Câmara Municipal.

Brasil de Fato conversou com a parlamentar logo após o resultado das eleições, em novembro do ano passado. Na entrevista, Benny fala sobre as ameaças sofridas ao longo da campanha, a necessidade de se debater direito à cidade com recorte de raça, gênero e classe e dos desafios que encontrará na Câmara em 2021. Releia:

Brasil de Fato: Você é a primeira transexual eleita para a Câmara de Niterói. O que a população de Niterói pode esperar de diferente no seu mandato? 

Benny: Acho que a minha eleição representa outros marcos com o alinhamento da conjuntura política da cidade. Niterói é um município extremamente desigual, onde nitidamente a política ainda é um distanciamento concreto dos setores populares e que, não à toa, não existe em si uma participação popular dos territórios da cidade alinhados com a institucionalidade. 

Quando a gente vai votar o Plano Diretor, orçamento, um momento em que a participação popular da cidade é de extrema importância, isso não acontece dentro da Câmara Municipal. A minha eleição representa o enfrentamento a essa velha política que é conservadorista, fascista, distante do povo, da vida concreta, da vida na favela, daqueles e daquelas que não se veem dentro da política.

Acho que a minha eleição representa tanto uma resposta à onda conservadora que vem crescendo não só em Niterói, mas no Brasil inteiro.

Também ao que significa hoje a nova política de afirmação, de garantia de direitos, a política que precisa ser casada com uma política combativa. Ainda significa um corpo com representatividade, com aquilo que a gente toca, planeja dentro de um aspecto intelectual, mas que seja físico, que as pessoas possam se ver, sentir o que é a política e que ela não é distante do povo e da vida concreta.

Quais as pautas que você irá colocar na Câmara neste primeiro momento?

A gente vai tratar muito do direito à cidade com recorte de raça, gênero e classe, além de pauta de mulheres, LGBTQI+, de favela, território, antirracista, de negros e negras e a pauta da assistência na cidade. Eixos cruciais também são a Saúde e a Educação.

Queremos reestruturar um debate na Câmara Municipal na questão da Educação. 

É preciso que a Educação na cidade avance, que a Lei 10.639, que fala sobre o ensino afro e as religiões de matriz africana dentro das escolas da cidade se consolide. É preciso fiscalizar para que essa lei seja cumprida e que a gente possa ter alguma decisão dentro do parlamento que garanta, que legitime o debate de gênero, de diversidade tanto de gênero, quanto de expressão de orientação sexual dentro das escolas do município.

Se faz mais do que necessário fazer esse enfrentamento, pensar os territórios, o orçamento da cidade entendendo que Niterói é uma cidade de mais de R$ 3,5 bilhões [de orçamento], onde as mulheres negras têm apenas 3% de ensino integral gratuito para deixar seus filhos, por isso que rompem seus sonhos de estudarem e fazer uma carreira profissional. 

Durante a sua campanha eleitoral você foi vítima de ameaças de morte e ataques em suas redes. Você teme que essa violência política contra você aumente agora que conquistou uma cadeira na Câmara?

Não só eu, como o Psol Niterói, estadual e do Brasil inteiro. A gente acredita que agora as medidas de segurança devem ser triplicadas pelas ameaças que já foram feitas, pelo o que o meu corpo representa numa cidade extremamente fascista e conservadora, mas também uma reflexão de todas as ameaças de interceptação da PF [Polícia Federal] que a Talíira [Petrone] vem sofrendo e como que isso também pode se reverberar em mim de diversas formas.

Ao seu ver, quais serão as principais dificuldades que você vai enfrentar na Câmara, mesmo o Psol tendo obtido a segunda maior bancada?

É o enfrentamento para que a política seja concreta, seja e esteja para o povo. A gente tem um governo [prefeito] Rodrigo Neves [PDT], que tem uma série de deficiências, de elementos que são contraditórios à política que deveria ser real na cidade. Uma política que deveria pensar e assegurar a vida das pessoas como um todo, mas não é isso que acontece. 

Temos uma cidade extremamente vendida e privatizada. 

Vemos o crescimento das OSs [Organizações Sociais] cada vez mais pesado no município. Isso com a desvalorização dos profissionais de saúde, com o distanciamento da saúde das pessoas pobres e periféricas, o quanto isso é grave, a gente vê cada vez mais Niterói vendida aos grandes empresários. 

Além disso, o município tem uma passagem absurda. O valor de passagem por quilometragem rodada na cidade é uma das mais caras do Brasil. Vemos o quanto que o município ainda é desigual e o quanto a pandemia deixa sequelas em Niterói, como ela vai interferir na economia da cidade.

Sabemos que o município é rico, que o governo Rodrigo Neves enriqueceu bastante com o desenvolvimento humano da cidade, com o orçamento que é mais de R$ 3,5 bilhões e ele sabe que Niterói tem grana para tocar uma política de reparação, de empregabilidade e renda e de assistência.

O maior enfrentamento será garantir que o parlamento não seja mais um 'puxadinho' do governo municipal. 

Precisamos articular para que Axel [Grael, prefeito eleito] possa ter um compromisso maior com o município do que teve Rodrigo Neves.

Fonte: BdF Rio de Janeiro

Edição: Mariana Pitasse