Luta Antimanicomial

Enfermaria psiquiátrica em hospital público da Grande SP está há 7 anos "em reforma"

Em Ferraz de Vasconcellos, última data anunciada pelo governo para o término da obra era outubro do ano passado

Belém (PA) | Brasil de Fato |

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na placa em frente ao hospital, a data de conclusão da obra era no ano passado e o custo anunciado está defasado em R$ 2 milhões - Joel Miranda/Arquivo Pessoal

Nesta terça-feira (18), é celebrado o Dia Nacional da Luta Antimanicomial no Brasil. No entanto, profissionais de saúde do Hospital Regional de Ferraz de Vasconcelos, município do estado de São Paulo, afirmam que não têm o que celebrar, uma vez que a enfermaria do hospital – indispensável para o tratamento de quem precisa de suporte em surtos psiquiátricos – está fechada para reforma desde 2014.

Uma placa no hospital indica que as obras começaram na ala e em outras áreas do hospital em outubro de 2019 com prazo para terminar em um ano e investimento de mais de R$ 5,7 milhões.

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O psicólogo Rafael Cislinschi trabalha no município de Ferraz desde 2012 e conta que, desde 2014, o espaço está fechado e que os prazos são sempre prorrogados pela Secretaria de Estado de São Paulo. 

"Uma reforma que vai ser reinaugurada em seis meses, passados esses seis meses, eles prorrogam por mais seis meses e essa têm sido a tônica. Eles deram um prazo de 12 meses e esse prazo já venceu e fica por isso mesmo. Não se dá nenhuma satisfação".

A enfermaria atende pacientes não só do municípios de Ferraz, mas também de Poá e Suzano, todos pertencentes à Zona Metropolitana de São Paulo. Com o espaço fechado para reforma, as pessoas estão sem esse serviço.

Em fevereiro deste ano, o Conselho Regional de Psicologia de São Paulo tornou público o seu posicionamento contrário ao desmonte da política de saúde mental no país. 

Segundo o Conselho, o investimento financeiro em entidades religiosas para fins de tratamento em saúde mental e a nomeação de quadros que defendem o oposto à lógica antimanicomial tornam explícitos o desmonte para esse setor da saúde. 

"Fatos estes que surgem como parte de um histórico no qual também se inserem a inclusão das comunidades terapêuticas na Rede de Atenção Psicossocial (RAPS), o sub e o desfinanciamento do Sistema Único de Saúde (SUS), culminando na Emenda Constitucional n° 95, de 2016 (conhecida como Emenda do Teto dos Gastos), que prejudica o futuro da população brasileira ao congelar as verbas para a saúde e para a educação por 20 anos", afirma a nota.

O psicólogo Rafael Cislinschi reforça os pontos trazidos pelo conselho e atribui também o desmonte ao que ele chama de lobby religioso:

"O governo do estado de São Paulo tem privilegiado os recursos financeiros para as comunidades terapêuticas, para instituições religiosas e têm tirado dinheiro do SUS. Isso pode ser observado em várias portarias, manifestações públicas, do próprio governador do estado nesse sentido. É uma decisão política. Tem muito menos a ver com uma burocracia, que emperra as coisas e tem muito mais a ver com uma vontade política em privilegiar determinados grupos, desse lobby religioso, do que pensar no sistema único de saúde". 

Em fevereiro deste ano, a Assembleia Legislativa de São Paulo aprovou o Projeto de Lei 576/20, de autoria do deputado Tenente Nascimento (PSL), que incorpora a religiosidade, respeitando as crenças individuais, como política pública na abordagem, recepção, recolhimento, encaminhamento, tratamento, recuperação e ressocialização de dependentes químicos.


Cerca de 15 pessoas participaram da manifestação. / Joel Miranda/Arquivo Pessoal

Protesto 

No último domingo (16), uma manifestação reuniu cerca de 15 pessoas entre pacientes, familiares e trabalhadores da área da saúde mental na frente do Hospital Regional de Ferraz de Vasconcelos. O ato durou cerca de uma hora e os participantes falaram sobre a importância da reabertura.

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O ato foi organizado pelo Fórum de Saúde Mental do Alto Tietê, em parceria com movimentos de saúde e defesa dos direitos humanos.

O que diz a Secretaria Estadual de Saúde de São Paulo?

Procurada pelo Brasil de Fato, a pasta informou que a reforma da ala psiquiátrica do hospital está em fase conclusão, e que a atual previsão é que o trabalho termine neste semestre. De acordo com a secretaria, atualmente, o investimento é maior do que o indicado na placa; está em R$ 7,4 milhões.

A secretaria disse ainda que os pacientes que chegam com quadro psiquiátrico não ficam desassistidos, porque passam por atendimento no pronto socorro, são mantidos em observação e, se houver necessidade de internação, são cadastrados na Central de Regulação e Ofertas de Serviços de Saúde (Cross) para transferência.

Edição: Vinícius Segalla