VIOLÊNCIA NO CAMPO

Em meio à pandemia, famílias sem terra estão sendo despejadas, em Amaraji (PE)

Batalhões e cavalaria da Polícia Militar estão no local; famílias resistem a bombas e balas de borracha

Brasil de Fato | Recife (PE) |
Em ação de despejo em Amaraji (PE), famílias resistem a ataques do Batalhão de Choque e da cavalaria da Polícia Militar - Reprodução

Na manhã desta terça-feira (25) cerca de 200 famílias sem terra do Acampamento Bondade, em Amaraji (PE), foram surpreendidas, em plena pandemia da covid, com uma operação de despejo com ataque de bombas de gás lacrimogêneo e balas de borracha. O acampamento fica localizado no Engenho Bonfim, Zona da Mata Sul de Pernambuco, a 96 km de Recife.

Na última semana, o Brasil de Fato Pernambuco denunciou as ameaças que as famílias vinham sofrendo. Segundo as famílias, as ações são atribuídas à Usina União e Indústria S/A e também denunciam a falta de diálogo com os órgãos responsáveis. 

Neste momento, as famílias estão sofrendo ação de reintegração de posse com ação de 450 policiais do Batalhão Especializado de Policiamento do Interior (BEPI), do Batalhão de Choque da Polícia Militar e da cavalaria da Polícia Militar. Além disso, um helicóptero da Secretaria de Defesa Social sobrevoa as terras do engenho Bonfim, na zona rural de Amaraji. 

A Usina União e Indústria, sediada em Barra de Guabiraba, é produtora de etanol e detém as marcas de açúcar Sublime e Primavera. Os proprietário são os usineiros Ilvo Monteiro Soares de Meirelles e sua esposa Maria Carolina Bezerra de Meirelles.

Em suas redes sociais, o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) divulgou áudio e criticou a ação de despejo, desrespeitando decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) que suspendeu despejos durante a pandemia da covid-19.

Na semana passada, em entrevista ao Brasil de Fato, um dos agricultores que faz parte da ocupação, mas preferiu não ser identificado relata que o conflito tem se acirrado "Tem pistoleiro na casa das lideranças, pegando companheiros na estrada, intimidando. E a gente tá aqui, no processo de conflito”, afirma.

A maioria das famílias acampadas no Engenho Bonfim são de ex-funcionários da Usina União e afirmam terem sido demitidos pela empresa sem terem recebido as respectivas indenizações trabalhistas, de acordo com o site Marco Zero

No local, as famílias cultivam seu próprio alimento no roçado produzindo macaxeira, banana e milho. 

No início de maio, o advogado do MST, Tomás Melo, entrou com uma ação judicial para suspender a liminar da Usina União que prevê a reintegração de posse do Engenho Bonfim. A decisão judicial sobre o caso ainda está pendente. 

O mandato coletivo Juntas está no local acompanhando a ação de reintegração de posse e cobrou uma posição do governador Paulo Câmara (PSB). As codeputadas apresentaram um projeto de lei, na última semana, que pede a suspensão do cumprimento de mandados de reintegração de posse, despejos e remoções judiciais ou extrajudiciais enquanto Pernambuco estiver em situação de calamidade pública, como forma de prevenir a propagação do vírus da covid-19 e para assegurar direitos.

 

Na última quarta-feira (19), o Ministério Público de Pernambuco declarou em nota que “iria até o assentamento conversar com assentados para buscar uma solução pacífica para o cumprimento da decisão judicial”.

Contudo, as famílias afirmam que nem o Governo do Estado, nem o Instituto de Terras e Reforma Agrária de Pernambuco (Iterpe) ou o Ministério Público de Pernambuco (MPPE) ofereceram solução ao conflito fundiário com os proprietários da Usina União.

Denúncia de trabalho análogo à escravidão

Segundo o MST, a usina já foi denunciada pelo próprio Ministério Público por perpetuar trabalho análogo à escravidão. Muitos desses trabalhadores que se encontravam em situação semelhante à escravidão são os mesmos que hoje resistem ao despejo do Acampamento Bondade, informa o movimento.

Um desses trabalhadores, que hoje é acampado e preferiu não se identificar, denuncia que trabalhou em condições degradantes entre os anos de 1973 a 2000 na usina. E após esse tempo sendo explorado recebeu da empresa R$300,00 pelos vinte e sete anos trabalhando com o corte de cana do engenho, o que deu só para comprar um cavalo.

“A gente era um sofrimento triste para criar nossas famílias na usina. Só dava para trabalhar de dia e comer durante a noite. Eu tenho as provas, eu tenho a minha carteira, até os contracheques tem mais de 200 em casa, eu provo isso. E qualquer advogado que me chamar eu provo que trabalhei na usina há 27 anos e seis meses de carteira assinada. E o dinheiro que me deram foi justamente 300 reais por minhas contas”, declara o acampado que hoje luta pelo direito à terra, como uma das formas de ser reparado pelas explorações sofridas pela Usina, que hoje é autora do pedido de despejo.

O Brasil de Fato entrou em contato com a Polícia Militar e aguarda posicionamento da corporação sobre os procedimentos adotados na ação. O Ministério Público e a Secretaria de Desenvolvimento Social também foram questionados sobre o pedido de despejo.

Em nota, o Ministério Público afirma que "o MPPE não é parte no processo e que interveio a fim de garantir a integridade de todos os envolvidos. Quanto ao planejamento operacional da polícia, trata-se de uma atribuição deles, cabendo ao Ministério Público a fiscalização. Até o momento, não houve relatos de irregularidades por parte dos policiais". A Secretaria de Defesa Social não respondeu aos questionamentos.

 

 

Fonte: BdF Pernambuco

Edição: Vanessa Gonzaga e Vivian Virissimo