Coluna

Quero ter esperança

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Neste momento o que me vem à mente é a fome, a desigualdade - Sergio Pereira / RBA
Os primeiros a serem perseguidos e calados são os artistas

Eu gostaria de escrever sobre arte, sobre cultura, sobre o papel dos artistas na sociedade, sobre o que importa e o que não importa na construção do imaginário e de uma coletividade capaz de discernir a respeito do que vale a pena ou não.

Eu gostaria de escrever sobre poesia, literatura, teatro, música, dança e tudo que envolve a criatividade e a imaginação. Mas nesse momento o que me vem à mente é a fome, a desigualdade, o desespero e o sofrimento de tantos brasileiros e brasileiras na atual conjuntura da nação.

Sempre tive curiosidade de entender por que nos sistemas autoritários a primeira coisa que se corta é o orçamento da cultura. Os primeiros a serem perseguidos e calados são os artistas. Somos nós que devemos ser transformados em seres inexpressivos.

Foi assim no nazismo e em todos os sistemas fascistas ao longo da história da humanidade. Nesse momento não é diferente no Brasil. A primeira coisa que Michel Temer fez logo após o golpe contra a presidente Dilma Rousseff foi fechar o Ministério da Cultura. Nunca vou me esquecer disso, foi a primeira canetada, o primeiro decreto que ele assinou. Resistimos.

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Com a inexplicável eleição do atual mandatário - que eu me recuso a citar o nome pra não conferir a ele energia positiva - as coisas ficaram totalmente fora de controle.

Devido às fake news, as pessoas perseguem os artistas, demonizam a Lei Rouanet e tratam os artistas como ladrões, o que é uma inverdade cruel e uma grande mentira a ser esclarecida.

E o "ministro da cultura fulano de tal", posta nas redes sociais fotos indecentes ao lado do filho do genocida ostentando armas. Esses sim, bandidos e milicianos.

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Hoje, em função da pandemia e por causa do isolamento social obrigatório muitos artistas brasileiros passam por necessidades, pois não há trabalho e não há forma de trabalhar porque todas as atividades artísticas, ou pelo menos a grande maioria delas, depende de aglomeração, de público. 

O teatro, o set de filmagem, os sets de gravação de TV, tudo depende de muita, muita gente. E como não se pode brincar com o coronavírus, não sabemos quando voltaremos a ter possibilidade de um equilíbrio de atuação ou da retomada das atividades artísticas.

Creio que forçar a barra para as pessoas irem aos teatros e ao shows significa levar as pessoas a correrem em risco de contaminação pela covid. Isso é uma grave agressão à sociedade. 

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Eu sou dessas pessoas totalmente a favor do lockdown desde quando o mundo inteiro entendeu que essa era a atividade essencial para contenção da pandemia, há um ano atrás.

O Brasil foi um dos únicos países a não fazer isso. Nunca adotou um único lockdown sério. Na última terça-feira, ouvindo o cientista Miguel Nicolelis, fui introduzida à consciência da terceira onda do vírus, que, com a cepa indiana que já chegou ao Maranhão, não sabemos onde tudo isso vai parar.

Enquanto isso a sociedade negacionista continua perpetuando o não uso de máscaras e os cuidados fundamentais de não aglomerar que deviam ser obrigatórios em respeito ao outro. Enfim, estamos numa situação muito delicada que vai exigir resiliência, resistência, criatividade e inovação.

Não sabemos minimamente quais serão as extensões e os desdobramentos da pandemia sobre a humanidade e sobre o nosso país.

A minha preocupação concreta nesse momento é com os milhões de brasileiros que não têm na cesta básica um alimento diário, nem a condição de alimentar suas crianças, nem a condição de ter as três refeições por dia.

Muita gente está passando fome, muita gente está passando necessidade, muita gente acorda sem saber se vai comer ou quando vai comer. Isso é de rasgar o coração.

Tendo em vista essa realidade, todo o meu universo mágico de construção sobre arte e criatividade e sobre o poder e a importância dos artistas da sociedade cai vertiginosamente ladeira abaixo em função da dura realidade do país.

Que venha o Lula. Tenhamos esperança. 


*Atriz e diretora, protagonizou muitas novelas que hoje são clássicos da teledramaturgia mundial. Premiada no cinema nacional e internacional, é uma personalidade brasileira com influência internacional fundamental na luta em defesa do meio ambiente e dos povos da floresta há mais de três décadas.

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**Este é um artigo de opinião. A visão do autor não necessariamente expressa a linha editorial do jornal Brasil de Fato.

 

Edição: Rebeca Cavalcante