1 ano pós-demissão

Candidatura e radicalização: o que pensam os irmãos Weintraub no "exílio" nos EUA

Ex-integrantes do governo Bolsonaro defendem pautas mais duras e flertam com candidatura em SP e SC

Brasil de Fato | Brasília (DF) |
O presidente Jair Bolsonaro e o ex-ministro Abraham Weintraub gravam vídeo de despedida do então chefe da Educação - Reprodução/Twitter

O ex-ministro da Educação Abraham Weintraub e seu irmão, o ex-assessor da Presidência Arthur Weintraub, planejam uma "volta triunfal" à política brasileira. Os dois estão morando nos Estados Unidos desde junho de 2020, quando foram demitidos do governo Bolsonaro, com o qual se envolveram na campanha eleitoral de 2018.

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Atualmente, Abraham é diretor no Banco Mundial e Arthur tem cargo na Organização dos Estados Americanos (OEA) em Nova York. Os postos foram negociados como alternativa à saída da dupla do governo federal. O estopim para as exonerações foi a declaração do ex-ministro em reunião no Palácio do Planalto, em abril de 2020, incitando a prisão de ministros do Supremo Tribunal Federal (STF)). 

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“Eu, por mim, botava esses vagabundos todos na cadeia. Começando no STF. E é isso que me choca. Era só isso, presidente, eu realmente acho que toda essa discussão de 'vamos fazer isso', 'vamos fazer aquilo', ouvi muitos ministros que vi... Chegaram, foram embora. Eu percebo que tem muita gente com agenda própria” , declarou Weintraub.

Em 19 de junho do ano passado, um dia após anunciar que deixava o comando do Ministério da Educação, Abraham Weintraub utilizou passaporte diplomático para viajar aos EUA, mesmo já tendo deixado o cargo de ministro. Na ocasião, documento obtido pelo Brasil de Fato via Lei de Acesso à Informação (LAI) mostrou que o então ministro das Relações Exteriores, Ernesto Araújo, autorizou o Itamaraty a dar aval à utilização do passaporte diplomático.

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“Com base no teor da mencionada carta do Ministério da Economia, o Ministério das Relações Exteriores passou nota à Embaixada dos Estados Unidos em Brasília, datada do mesmo dia, solicitando a emissão de visto correspondente em favor do Senhor Abraham Weintraub", dizia o documento.

O medo de ser preso foi a principal razão da ida, às pressas, dos irmãos Weintraub para os EUA. O ex-ministro era investigado no Supremo Tribunal Federal (STF) pela ameaça aos magistrados da Corte.

Um ano depois da viagem aos EUA, Abraham já trata o tema com naturalidade em suas redes sociais. Por mais de uma vez, disse que sua cabeça foi "entregue numa bandeja". Ele caracteriza o cargo de diretor no Banco Mundial como "rota de escape".

"Eu não falaria isso, mas como o Paulo Guedes descreveu com detalhes, foi isso: vamos entregar a cabeça do Abraham, sendo a cabeça do João Batista para Salomé para ver se acalma. E foi a decisão que acabou sendo tomada. Me deram a rota de escape. O presidente estava preocupado com minha segurança e integridade física. E acabei vindo para cá", disse o ex-ministro, em transmissão ao vivo feita em 1º de abril deste ano.

Na mesma live, em que o ex-ministro estava ao lado do irmão, ele foi questionado pela youtuber Fabiana Barroso se o episódio gerou mal estar ou rompimento da família Weintraub com Bolsonaro. "O presidente estava muito emocionado e ele estava mal por isso, por não conseguir dar uma solução para o meu caso", afirmou Abraham, comentando vídeo de despedida gravado no Palácio do Planalto em que o mandatário está com a "cara fechada".

As transmissões e debates no YouTube tem sido uma das principais formas de comunicação dos irmãos com seus apoiadores. A dupla tem canais individuais no YouTube, Telegram e Twitter, e ainda participa como convidada de programas feitos por outros apoiadores de Bolsonaro e seguidores do escritor Olavo de Carvalho.

 

A estratégia dos "crossovers", quando um youtuber faz uma aparição no canal de outro como estratégia de aumentar a audiência de ambos, é bastante adotada pelos irmãos. Nos últimos meses, eles participaram de debates e transmissões ao vivo em outros canais e se reuniram como a nata do olavismo em live com a presença de Allan dos Santos e Bernardo Küster.

A presença dos irmãos no YouTube já gerou problemas nos órgãos internacionais onde atuam, já que os ocupantes de cargos nas instituições são desencorajados a manifestações políticas. Em março deste ano, a Associação de Funcionários do Banco Mundial pediu investigação do ex-ministro por desinformações relacionadas à pandemia e por supostamente fazer campanha política.

Em carta, os funcionários afirmaram que o comportamento do ex-ministro é “inaceitável“, de acordo com reportagem do jornal Folha de S.Paulo. Segundo o documento, enviado ao Comitê de Ética do Banco Mundial em 24 de fevereiro, as declarações de Weintraub configuram violação do código de conduta e dos valores fundamentais da instituição.

“Achamos inaceitável que um membro do conselho administrativo (muito mais do que qualquer outro membro da equipe) publique nas mídias sociais informações patentemente falsas, aparentemente com o objetivo de politizar a pandemia ou contribuir para teorias da conspiração“, diz a carta.

Mesmo assim, Abraham e Arthur mantêm intensa atividade política nas redes sociais. Eles, inclusive, já falam abertamente em uma "volta triunfal" ao Brasil, com a possibilidade de o ex-ministro retornar ao Brasil para ser candidato a governador do estado de São Paulo e até comentam pesquisas eleitorais. Como ativo, dizem ter apoio maciço nas redes sociais.

 

Um dos cenários testados pela pesquisa Atlas encomendada pelo El País Brasil e publicada em 12 de maio, mostra que eles podem estar certos. No teste, Weintraub aparece com 14,9%, atrás apenas de Fernando Haddad (PT) que, segundo a pesquisa, lidera as intenções de voto com 25,3%.

A empolgação com que tratam o tema em seus vídeos, no entanto, contrasta com o apoio público do presidente Jair Bolsonaro à candidatura do ministro da Infraestrutura, Tarcísio de Freitas, ao Palácio dos Bandeirantes.

Questionado sobre a suposta disputa com Tarcísio, em entrevista ao jornalista José Luiz Datena, na Rádio Bandeirantes, publicada em seu canal, Abraham respondeu que abdica da candidatura caso seja preterido.

“Para atrapalhar o presidente Bolsonaro, atrapalhar todo o cenário por vaidade própria, eu não aceitaria nada, não tenho o menor interesse, aliás”, explicou, em 30 de abril, visivelmente contrariado.

A possível desistência de sair candidato com a entrada de Tarcísio na briga combina com algo que os irmãos vêm insistindo em seus vídeos: a união do que chamam, no plural, de "as direitas''. 

Uma das possíveis alternativas do ex-ministro fica evidente em um dos vídeos do próprio canal de Abraham no Youtube, em que o presidente do PTB em Santa Catarina, Alexander Brasil, o convidou para ser candidato a governador do estado.

Em 28 de abril, eles participaram de uma live com o tema “os valores conservadores do povo de SC”. O debate foi agendado em resposta a boatos nas redes bolsonaristas de que o ex-ministro poderia voltar ao Brasil morando no estado.

“Com bom estudo, rapidamente vocês conhecem o estado (…) e superada a questão do bairrismo, penso eu que vocês já demonstraram com muitas sobras a qualificação que ambos têm para cuidar de um estado, de um município, de um ministério ou de uma secretaria”, afirmou o presidente do PTB em Santa Catarina para os irmãos Weintraub – que não são filiados a nenhum partido.

A adesão ao PTB, partido cada vez mais marcada pelos posicionamentos extremados de seu cacique, o ex-deputado Roberto Jefferson, não seria surpresa. A maior parte das peças publicadas pelos Weintraub tem posicionamentos extremos, que o próprio governo Bolsonaro não deu conta de implementar, como a pena de morte.

Sobre planos para o futuro, o ex-ministro também diz que pretende “ajudar” o presidente Bolsonaro a depender do que chamou de “mecanismo” e de “novos patriotas“. Ele também já chegou a dizer que a direita precisa de um novo partido para poder “ganhar o jogo“.

“A gente precisa ter o nosso partido, a gente precisa ter nossa estrutura. Se não, a gente nunca vai ganhar o jogo. Precisamos criar as estruturas para permitir o presidente Bolsonaro não depender do mecanismo”, afirmou.

“O que a gente está pensando é em como reunir a direita para dar apoio ao presidente. Para ele não ficar na mão dos novos patriotas e conversadores. Estamos vendo isso de como reagrupar a direita. Porque eles conseguiram fazer a gente brigar entre nós”, disse o ex-ministro da Educação.

Em outro momento, mesmo que seja impedido de emitir posições políticos, Abraham defendeu a pena de morte contra a pedofilia: “Eu acredito na pena de morte. Encontrou documentado alguma coisa que comprove abuso sexual contra crianças? Julga e executa. Sou contra torturar. Arrancar um pedaço sou contra. Eu sou a favor de executar. É uma coisa de civilização”, afirmou.

O Brasil de Fato procurou, sem sucesso, representantes do Banco Mundial e da OEA para comentar a atuação política dos irmãos nas redes sociais. Até a publicação desta reportagem, no entanto, não houve resposta.

Relembre a trajetória de Weintraub no Ministério da Educação

No início de sua gestão à frente do MEC, no dia 30 de abril de 2019, Weintraub anunciou cortes de 30% no orçamento das universidades federais que permitissem que estudantes e docentes fizessem “balbúrdia” nos campi. Uma semana depois, com a polêmica estabelecida, divulgou um vídeo ao lado de Bolsonaro usando chocolates para explicar a retenção orçamentária. Após as críticas, os cortes se estenderam para todas as instituições federais. 

Weintraub também gerou problemas à diplomacia brasileira. No dia 4 de abril deste ano, o ex-ministro publicou a capa de um gibi da Turma da Mônica e ironizou a China, usando a letra “L” no lugar de “R” para simular um sotaque chinês, insinuando que o país asiático teria espalhado o coronavírus para obter vantagens econômicas e políticas.

"Geopolíticamente, quem podeLá saiL foLtalecido, em teLmos Lelativos, dessa cLise mundial? PodeLia seL o Cebolinha? Quem são os aliados no BLasil do plano infalível do Cebolinha paLa dominaL o mundo? SeLia o Cascão ou há mais amiguinhos?", escreveu.

Em setembro de 2019, o Ministério da Educação anunciou, através da Medida Provisória (MP) 895 do governo federal, a criação de um aplicativo que emite a carteira de estudante gratuitamente. A medida tinha uma finalidade política, enfraquecer a União Nacional dos Estudantes (UNE), entidade representante da categoria e responsável pela emissão do documento. A MP caducou e não foi votada pelo Congresso Nacional. 

Má gestão do Enem

Sob o comando de Weintraub, o Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) de 2019 registrou uma série de erros em quase todos os estados brasileiros, de acordo com informações do próprio governo federal. Somente Roraima e Amapá não tiveram registro de problemas.

Os equívocos foram identificados em 5.974 provas e que 95% dos problemas ocorreram em três municípios de Minas Gerais -- Viçosa, Ituiutaba e Iturama -- e um na Bahia -- Alagoinhas.

O governo alegou que houve erro na gráfica que imprimiu o exame durante o processo de associação entre as provas e os gabaritos. O problema foi identificado somente após reclamações de estudantes nas redes sociais. Em nenhum momento a empresa responsável pela impressão das provas notificou as autoridades sobre qualquer tipo de engano.

Weintraub, colocou a culpa em “militantes”, em alunos que “não estavam entendendo o processo” e que “foram mal” na prova e em fake news para explicar a série de erros no Exame Nacional do Ensino Médio (Enem), em exposição ao Senado, em 11 de fevereiro.

À época, o então ministro da Educação comemorou a realização das provas e disse que o Enem foi um sucesso. “Eu não prometi que seria, mas foi o melhor Enem de todos os tempos”, declarou, após os muitos erros.

Edição: Daniel Lamir