ações indenizatórias

Parentes das 477 mil vítimas da covid-19 podem processar o Estado por negligência

"Havia um dever de comprar as vacinas e esse dever não foi cumprido”, afirmam juristas

Brasil de Fato | São Paulo (SP) |
CPI da Pandemia evidencia rastro de ilegalidade deixado pela gestão de Bolsonaro na condução da pandemia - Mauro Pimentel / AFP

Caso os parentes das 477 mil vítimas da covid-19 no Brasil, número registrado na última terça-feira (8), desejem, podem processar o Estado por “omissão comissiva”, o que justificaria ações indenizatórias, explicam juristas escutados pelo Brasil de Fato.

Continua após publicidade

“A conduta do Estado, adotada nesse caso, pode gerar direito à indenização em tese, porque é uma omissão comissiva".

 Ou seja, é uma omissão em que havia o dever de agir, havia um dever de comprar as vacinas e esse dever não foi cumprido”, explica Pedro Serrano, doutor em Direito do Estado pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP), com Pós-Doutoramento pela Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa.

“O elemento da ilicitude da conduta do Estado está presente. Não seria nem o caso da responsabilidade objetiva, mas o caso de uma responsabilidade subjetiva, que é uma omissão que vale como ato, porque no fundo houve uma decisão de não comprar”, aponta Serrano.

A tese é compartilhada por Tânia Oliveira, coordenadora da Associação Brasileira de Juristas pela Democracia (ABJD).

“Tem que haver caracterização de conduta omissa do Estado, averiguação de como os agentes públicos reagiram à crise sanitária, para que fique caracterizada a responsabilidade civil. Tem que haver a caracterização de elementos que possam ter levado essas pessoas à morte”, explica a jurista.

“Nesse caso seria uma ação cível de indenização por obrigação de fazer, é uma questão de indenização do Estado mesmo”, argumenta.

Fernando Hideo Lacerda, advogado e professor de Direito Penal na Escola Paulista de Direito complementa: “Diante dos fatos que agora vem à tona, de que havia oferta de vacinas e que o Estado brasileiro optou por não adquiri-las, cabe sim uma ação de indenização.”

No entanto, Serrano explica que os autores das ações terão que enfrentar uma dificuldade nos tribunais. “Caberá a cada particular demonstrar o nexo de causalidade, que aquela família foi diretamente prejudicada. Será que se tivesse feito os contratos, aquela pessoa teria tomada a vacina? Mas a ilicitude do Estado está clara.”

Impeachment

Para Hideo, o que a investigação promovida pela CPI da Pandemia deixa mais evidente é o rastro de ilegalidade deixado pela gestão do presidente Jair Bolsonaro (sem partido) na condução da pandemia.

“O que cabe, naturalmente, é um processo de impeachment. A questão do crime político está mais do que caracterizado. Agora, no âmbito criminal e criminal administrativo, não parece que a responsabilidade criminal atinja o presidente Bolsonaro”, finaliza Hideo.

Para Serrano, o Ministério Público não pode ser omisso diante dos fatos revelados ao país pela CPI da Pandemia. “O MP deveria entrar com uma ação de improbidade contra todos os envolvidos, a proteção à vida e à saúde não foram observadas.”

Edição: Vivian Virissimo