Negacionismo federal

Assessor que sugeriu ignorar Pfizer teve posts deletados por compartilhar fake news

Responsável por parecer que arquivou comunicação com farmacêutica fez publicações com notícias falsas sobre a pandemia

Brasília (DF) |

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O assessor Robson Crepaldi ao lado do presidente Jair Bolsonaro em evento no Palácio do Planalto - Reprodução/Facebook

O assessor da secretaria-executiva da Casa Civil da Presidência, Robson Crepaldi, foi o responsável pelo ofício em que o Palácio do Planalto definiu que não responderia à carta escrita pelo então diretor da Pfizer no Brasil, Carlos Murillo, em setembro de 2020.

Com a decisão, descartou a possibilidade de o presidente Jair Bolsonaro conduzir as negociações com a farmacêutica norte-americana por vacinas contra a covid-19. 

O documento interno que arquivou a possibilidade de interlocução do Palácio na negociação com a Pfizer foi assinado por Crepaldi em 9 de outubro do ano passado, pouco menos de um mês depois do recebimento da carta, em 12 de setembro do mesmo ano.

Segundo posicionamento do assessor, registrado em ofício, o assunto competiria apenas ao Ministério da Saúde, e não à Presidência.

A informação consta em uma série de documentos enviados pela Casa Civil em resposta a um pedido de acesso à informação feito ao Palácio do Planalto. O órgão encaminhou todas as comunicações internas referentes à carta enviada por Murillo no ano passado.

Entenda o passo-a-passo da tramitação da carta no governo federal

Carta chega ao Palácio do Palanto - 12 de setembro de 2020
O gabinete pessoal do presidente Jair Bolsonaro no Palácio do Planalto recebe carta enviada pelo diretor da Pfizer, Carlos Murillo, em duas cópias (uma em inglês, outra em português). O horário da entrega da carta não está registrado nos documentos oficiais sobre o assunto.

Presidência encaminha à Casa Civil e à Saúde - 14 de setembro de 2020
A chefe de gabinete-adjunta de Gestão Interna do Gabinete Pessoal do presidente, Aida Iris de Oliveira, encaminha a carta aos ministros da Casa Civil e da Saúde. À época, ocupavam os cargos os generais Walter Braga Netto e Eduardo Pazuello, respectivamente. 

Planalto responde com contato de Pazuello - 14 de setembro de 2020
A chefe de gabinete-adjunta de Gestão Interna do Gabinete Pessoal do presidente, Aida Iris de Oliveira, responde a Murillo afirmando que a "equipe da empresa no Brasil se reuniu com representantes dos Ministérios da Economia e da Saúde, bem como com a embaixada do Brasil nos Estados Unidos".

Na resposta, recomenda que, caso haja interesse, Murillo contate diretamente o Ministério da Saúde. Ela, então, encaminha o endereço e os contatos telefônicos da pasta em Brasília.

Casa Civil sugere nova resposta à Pfizer - 15 de setembro de 2020
O chefe de gabinete do Ministro da Casa Civil, Marco Aurélio de Almeida Rosa, orienta que uma resposta seja elaborada e enviada diretamente ao diretor da Pfizer no Brasil.

Casa Civil pede providências a Crepaldi - 17 de setembro de 2020
A chefe de gabinete da Subchefia de Articulação e Monitoramento da Casa Civil, Tânia Azeredo Casagrande, e o assessor Filipe da Silva Oliveira, enviam os ofícios a Robson Crepaldi para "conhecimento e providências cabíveis".

Crepaldi arquiva interlocução com Murillo - 9 de outubro de 2020
Quase um mês depois de ser acionado, o assessor da secretaria-executiva da Casa Civil finalmente encerrou a tramitação da carta no Palácio do Planalto.

Leia a íntegra do ofício assinado por Robson Crepaldi:

"PRESIDÊNCIA DA REPÚBLICA
Assessoria Especial da Secretaria-Executiva da Casa Civil
Brasília, 09 de outubro de 2020
Assunto: Proposta da empresa Pfizer - vacina contra a Covid-19.

1. Trata-se de correspondência s/nº de 12 de setembro de 2020 (2113825), do Presidente da empresa Pfizer Inc, informando que sua equipe do Brasil se reuniu com representantes dos Ministérios da Economia e da Saúde, bem como com a Embaixada do Brasil nos Estados Unidos, e apresentou proposta para fornecer potencial vacina contra a Covid-19, e que até o presente momento não obteve qualquer posicionamento sobre a referida proposta.

2. Entendendo que o assunto compete ao Ministério da Saúde, e como informado anteriormente, este já fora encaminhado ao referido Ministério, requer-se o arquivamento do mesmo nesta Secretaria-Executiva.

3. Não obstante, cabe-nos monitorar e acompanhar as negociações entre o Ministério da Saúde e a empresa Pfizer Inc., no tocante a vacina apresentada por esta empresa contra a Covid-19."

Assessor teve posts deletados pelo Twitter

Advogado formado pela Faculdade de Direito de São Carlos, no interior de São Paulo, onde nasceu, Crepaldi é pós-graduado em Processo Civil pela Universidade Anhanguera.

Tem formação paralegal em uma universidade do Estado de Ohio, nos Estados Unidos, e atualmente preside a Comissão de Direito Aduaneiro da seccional paulista da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB).

Responsável pelo arquivamento da interlocução de Bolsonaro com a Pfizer, o assessor teve diversas publicações com informações falsas deletadas pelo Twitter desde o início da pandemia do novo coronavírus.

Ele também chegou a divulgar vídeos e fotografias de manifestações antidemocráticas que tiveram a presença do presidente.

As mensagens do assessor suprimidas pela rede social continham o compartilhamento de publicações divulgadas originalmente pelo ex-presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, pelo deputado federal Eduardo Bolsonaro (PSL-SP) e pelo blogueiro bolsonarista Allan dos Santos, investigado pelo Supremo Tribunal Federal no inquérito das fake news.

Em uma das postagens que foi deletada pela rede social por conter informações falsas sobre o processo eleitoral norte-americano, Crepaldi compartilhou post de Donald Trump com a seguinte legenda:

"A única esperança mundial hoje, é que o Donald Trump seja reeleito presidente da maior nação do mundo! Por aqui, resta-nos torcer pra que o pior não aconteça e que não sejamos uma colônia chinesa".

Crepaldi também fez a defesa enfática da cloroquina e da hidroxicloroquina para o combate à covid-19. Os medicamentos têm ineficácia comprovada cientificamente para qualquer etapa do tratamento da doença e não devem ser utilizados devido a possíveis efeitos colaterais graves.

Edição: Leandro Melito