Coluna

Pandemia impulsiona política de morte do governo Bolsonaro contra os povos indígenas

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"Não é exagero dizer que está em curso no Brasil uma política que orienta o genocídio e extermínio dos povos indígenas, definindo todo dia quem vive e quem morre" - Ricardo Oliveira/AFP-CP
São inúmeros relatos de indígenas que foram se vacinar em postos de saúde e tiveram o direito negado

A covid-19 já alcançou aldeias e indígenas de contexto urbano. São 55 mil casos confirmados, 1.114 óbitos em cerca de 163 povos atingidos, conforme dados da  Articulação dos Povos Indígenas do Brasil  (APIB). Os dados não expressam toda a realidade, já que a subnotificação ainda é grande, sobretudo entre povos indígenas que estão em áreas de cidades.

A taxa de contaminação entre indígenas é 16% maior em relação à população geral e cinco vezes maior do que isso entre indígenas de contexto urbano, o que demonstra a vulnerabilidade deste grupo.

Na região Norte do país, as contaminações estão diretamente ligadas à multiplicação das invasões de reservas por parte de garimpeiros, madeireiros e grileiros, que intensificaram a invasão às terras indígenas nos últimos anos.

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Em cidades na região Sudeste e do Nordeste, estão relacionadas a fluxos migratórios e à exposição a uma série de vulnerabilidades daqueles que não têm uma mínima assistência para viver, estudar e morar em grandes centros urbanos.

No Brasil, existe uma população numerosa de indígenas que vive em contexto urbano, pouco menos da metade (48%) do total, conforme dados do IBGE. No que se refere à pandemia da covid-19, eles não são computados nas estatísticas do Sistema Único de Saúde (SUS) como casos de infecção específica entre os povos originários, o que resulta em subnotificação escamoteamento da realidade.

Denúncias de desvio de vacinas que deveriam ser destinadas a indígenas, negligência e até incentivo de invasões de territórios protegidos, subnotificação de contágio: muitos são os indícios de que o governo de Jair Bolsonaro (sem partido) vem adotando uma política de genocídio da população indígena desde que assumiu a presidência da República. O advento da pandemia vem para municiar ainda mais os esforços desse projeto.

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Como se disse, o Plano Nacional de Vacinação deixou de fora metade da população indígena, excluindo os de contexto urbano e os que vivem em terras não homologadas.

Embora haja reconhecimento pelo Estado brasileiro - pós Constituição Federal de 1988- das necessidades específicas de saúde dos povos indígenas, por meio da criação do Subsistema de Atenção à Saúde Indígena no âmbito do Sistema Único de Saúde (SASI-SUS), a Secretaria Especial de Saúde Indígena (Sesai) e a Fundação Nacional do Índio (Funai) se desincumbiram de vacinar a população indígena de contexto urbano.

Foi preciso uma ordem do Supremo Tribunal Federal (STF) para validar a política de vacinação, mas que continua sendo ignorada até agora pelas autoridades estaduais e municipais de saúde.

Decisão de março deste ano do Supremo, em julgamento da Ação Direta de Preceito Fundamental (ADPF) nº 709, que trata do atendimento a povos indígenas na pandemia, manda que os serviços do SASI-SUS sejam estendidos à população indígena de terras não homologadas e de contexto urbano. Com essa medida, a população indígena a ser vacinada nestas áreas é de cerca 413.749 pessoas, que devem ser tidas como grupo prioritário.

Apesar da medida, são inúmeros os relatos de indígenas que foram se vacinar nas unidades de saúde e tiveram seu direito negado. Ouviram coisas como: “mas não estamos autorizados a vacinar índios que tem contato com brancos” , “queremos que apresente seu Rani (Registro Administrativo de Nascimento de Indígena)”, “por que não volta pra sua aldeia e toma a dose ?”

Esses relatos demonstram que, além de genocídio, ainda vivenciamos a política de etnocidio permanente do Estado brasileiro, que desrespeita o princípio da autodeclaração, sacramentado em normas constitucionais e tratados internacionais de que o Brasil é signatário, além das normativas da saúde indígena previstas pelo SUS.

Outro desafio enorme no avanço da vacinação dos indígenas de contexto urbano tem sido a identificação de onde estão e seu quantitativo, já que o censo do Instituto Brasileiro de Geografia Estatística (IBGE) está desatualizado, e o fluxo migratório de indígenas para as cidades em busca de estudo e moradia aumentou nos últimos anos. A obrigação de provar que somos indígenas não é nossa, a de saber onde estamos e quantos somos é do Estado.

A vulnerabilidade histórica das populações indígenas a doenças que são transmitidas pela população branca, invasora de nossas terras, é um dos principais responsáveis pelo nosso genocídio ao longo de 521 anos de colonização. Com a pandemia, vemos a história se repetir, na região Norte já são 19 línguas ameaçadas de extinção.

Não é exagero dizer que está em curso no Brasil uma política que orienta o genocídio e extermínio dos povos indígenas, que define todo dia quem vive e quem morre. É urgente denunciar os crimes de Estado cometidos por Bolsonaro, é urgente denunciar as práticas racistas que orientam toda sua política estatal. Por isso, no dia 19 de junho, estaremos na rua de novo, pelo Fora, Bolsonaro, para derrotar o fascismo, pela retomada de nossos territórios, demarcação de nossas terras e por vacina para todos os parentes!

 

*Pagu Rodrigues é indígena, socióloga formada pela USP, estudante de direito e membra da Comissão de Povos Indígenas da OAB/SP.

**Este é um artigo de opinião. A visão do autor não necessariamente expressa a linha editorial do jornal Brasil de Fato.

Edição: Vinícius Segalla