Rio Grande do Sul

Solidariedade

Campanha "Mutirão pela vida de quem tem fome" lança manifesto público contra a fome

Ações integram as atividades da 6ª Semana Social Brasileira no Rio Grande do Sul; confira vídeo e manifesto na íntegra

Brasil de Fato | Porto Alegre |
Manifesto da campanha que integra a 6ª Semana Social Brasileira no RS apresenta informações e reflexões sobre a fome no Brasil - Reprodução

A campanha "Mutirão pela vida de quem tem fome" lançou um manifesto e um vídeo contra a fome no país, trazendo informações e reflexões sobre as causas da fome e o contexto da crise sanitária. Além disso, apresenta um conjunto de ações consideradas necessárias de serem implantadas pelos governos, além de iniciativas que podem ser aplicadas pela sociedade civil. O objetivo da campanha com o documento e o vídeo é servir como um instrumento de conscientização, sensibilização e mobilização.

O manifesto começa ressaltando que a pandemia agravou a situação de fome no país, de tal forma, que atualmente cerca de 9% da população se encontra em situação de insegurança alimentar, de acordo com a Pesquisa sobre Insegurança Alimentar e Nutricional realizada pela Rede Penssan (Rede Brasileira de Pesquisa em Soberania e Segurança Alimentar e Nutricional). Lembra também que, segundo a mesma pesquisa, lares chefiados por mulheres, negros e pessoas com baixa escolaridade estão entre as que mais sofrem com algum tipo de insegurança alimentar e nutricional.

Porém, o manifesto faz a ressalva de que essa situação de haver pessoas em situações de vulnerabilidade somente se agravou com a pandemia, estando presente antes do coronavírus.

"A fome da qual falamos é aquela 'estrutural', fruto das desigualdades sociais, e que impossibilita o acesso aos alimentos. Está na periferia e nos centros das cidades, nas comunidades indígenas, quilombolas e rurais, assim como atinge os povos nômades (ciganos, circenses e parquistas). E agravou-se com os inúmeros retrocessos ou a extinção das políticas sociais nos últimos anos", afirma a carta.

Com relação às medidas que os governos poderiam tomar para combater esse problema, o manifesto afirma, primeiro, que os governos precisam garantir a vacinação de toda a população, bem como o fortalecimento do SUS. Além disso, cobra a implementação e ampliação de políticas como a renda emergencial nacional e estadual e a suspenção dos despejos durante a pandemia.

Cobra também programas de isenção das famílias pobres de pagamentos de água e luz, atendimento a comunidades indígenas e quilombolas, especialmente nas questões de saúde e alimentação, mas também na defesa dos seus territórios, bem como aos povos nômades.

Cita também como importante a retomada de programas para fortalecimento e estímulo da agricultura familiar e camponesa, com a produção de alimentos saudáveis, entre os quais o programa de crédito emergencial para agricultura familiar, a garantia de investimento imediato de R$ 1 bilhão no Programa de Aquisição de Alimentos (PAA), para fomento da agricultura familiar e atendimento à rede de assistência social, bem como o fortalecimento do Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE).

O manifesto conclama também toda a sociedade civil, igrejas, movimentos sociais, movimento sindical e partidos políticos a apoiar e participar da construção de estratégias comunitárias como os Comitês Locais de Combate à Fome, aceleração da vacinação, cozinhas comunitárias e solidárias, organização de hortas caseiras e/ou comunitárias, além de potencializar campanhas articuladas como as do Comitê Gaúcho de Emergência no Combate à Fome, do Conselho Estadual de Segurança Alimentar e Nutricional (Consea-RS).

Reproduzimos na sequência a íntegra do manifesto, bem como as entidades que o assinam.

Manifesto pela vida de quem tem fome

A grave crise sanitária que atinge o mundo inteiro já ceifou mais de 450 mil vidas no nosso país, das quais mais de 27.400 só aqui no Rio Grande do Sul (em 25.05.2021). A covid-19 escancarou ainda mais as desigualdades sociais no planeta e no Brasil. Suas consequências são vistas a olho nu, sentidas e sofridas por milhares de pessoas e famílias.

Além das mortes, da dor e do sofrimento, a mais cruel de todas é a fome que atinge quase 20 milhões de brasileiras e brasileiros todos os dias, 9% da população, de acordo com a Pesquisa sobre Insegurança Alimentar e Nutricional realizada pela Rede Penssan (Rede Brasileira de Pesquisa em Soberania e Segurança Alimentar e Nutricional). A pesquisa diz ainda que lares chefiados por mulheres, negros e pessoas com baixa escolaridade estão entre as brasileiras e os brasileiros que sofrem com algum tipo de insegurança alimentar e nutricional – mais da metade da nossa população.

Esta fome não é aquela sensação biológica que normalmente se tem antes da hora das refeições - e que atinge pessoas de todas as classes -, como também não surgiu com a pandemia do coronavirus. A fome da qual falamos aprofundou-se no país sobre os alicerces do negacionismo, especialmente do governo federal, e por causa da ausência, morosidade ou fragilidade das ações e políticas públicas para conter a covid-19, em todas as esferas de governo.

A fome da qual falamos é aquela “estrutural”, fruto das desigualdades sociais, e que impossibilita o acesso aos alimentos. Está na periferia e nos centros das cidades, nas comunidades indígenas, quilombolas e rurais, assim como atinge os povos nômades (ciganos, circenses e parquistas). E agravou-se com os inúmeros retrocessos ou a extinção das políticas sociais nos últimos anos.

A fome da qual falamos é a sentida por quase 200 mil pessoas desempregadas somente na Região Metropolitana de Porto Alegre, que, portanto, não possuem recursos para comprar comida, gás de cozinha - no valor de quase R$ 100,00 - e muito menos pagar por remédios, entre outras necessidades básicas e imediatas. Estas pessoas estão entre os mais de 14 milhões de desempregadas/os no Brasil, situação que a Reforma trabalhista prometia resolver com a “geração de empregos” e, na verdade, somente aprofundou.

A fome da qual falamos está também à mesa de muitas/os trabalhadoras/es autônomas/os e assalariadas/os, igualmente afetadas/os pela Reforma trabalhista que as/os lançou à toda sorte de incertezas e precarização. Estas/es trabalhadoras/es também enfrentam dificuldades para alimentar suas famílias, pois o custo da cesta básica consome quase 60% do salário mínimo (lembrando que o salário mínimo atual, segundo o DIEESE (Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Sócio-Econômicos), e deveria ser de mais de R$ 5.000,00, de acordo com a sua lei de criação (Decreto 399/1938), reafirmado pela Constituição Federal (a Constituição Cidadã, de 1988).

A fome da qual falamos é causada pela privatização dos bens comuns e pela subordinação da produção de alimentos, como por exemplo o café, o açúcar e o milho, à lógica das ‘commodities’, negócio monopolizado por grandes empresas que concentram propriedade da terra, da água e das sementes. E, no “mundo financeiro”, transforma-se comida em mercadoria a ser estocada e negociada quando “pegar mais valor”.

O Direito Humano à Alimentação Adequada (DHAA), assim como também à água, é condição essencial para a manutenção da vida e deve ser central numa sociedade democrática. Este Direito está na Declaração Universal dos Direitos Humanos e na nossa Constituição Federal em seu Art. 6º [1]: “São direitos sociais a educação, a saúde, a alimentação, o trabalho, a moradia, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição."

O Papa Francisco, ao longo de sua jornada, de seus Encontros com movimentos populares e de suas Cartas e Encíclicas, vem alertando sobre a fome e apontando as suas causas: “Este sistema já não consegue se aguentar. Temos de mudá-lo, temos de voltar a levar a dignidade humana para o centro: que sobre esse pilar se construam as estruturas sociais alternativas de que precisamos”.  E afirmou que a luta dos pobres por Terra, Teto e Trabalho é digna porque “são direitos sagrados”. Lutar por eles não é “nada de estranho, é a Doutrina Social da Igreja”.

Por esta razão, conclamamos todas e todos a somar-se na luta contra as dores da miséria e da fome que atingem tantas irmãs e irmãos nossos.

Por isto:

Exigimos que os governos, em todas as esferas, respeitem e garantam o Artigo 6º da Constituição Federal:

- Não medindo esforços nem recursos financeiros para acelerar a aquisição de distribuição de vacinas para imunizar toda a população, bem como para garantir o fortalecimento do SUS, Sistema Único de Saúde;

- Implantando/ampliando políticas emergenciais como a renda emergencial nacional e estadual decentes;

- Garantindo apoio ao PL 827/2020 para suspensão dos despejos no período da pandemia;

- Destinando merenda escolar para as crianças de famílias inscritas no Bolsa Família;

- Isentando todas as famílias inscritas no Bolsa Família das contas de água e luz, enquanto durar a pandemia;

- Atendendo efetiva, constante e adequadamente as comunidades indígenas e quilombolas, especialmente nas questões de saúde e alimentação, mas também na defesa dos seus territórios, bem como aos povos nômades (ciganos, circenses e parquistas), tão inacreditavelmente invisibilizados em nossa sociedade.

- Implantando políticas públicas que garantam a renda básica permanente;

- Retomando e/ou criando programas para fortalecimento e estímulo da agricultura familiar e camponesa, com a produção de alimentos saudáveis, entre os quais o programa de crédito emergencial para agricultura familiar;

- Garantindo investimento imediato de R$ 1 bilhão no Programa de Aquisição de Alimentos (PAA), para fomento da agricultura familiar e atendimento à rede de assistência social (cálculo estimado por especialistas que estudam o tema);

- Fortalecendo o Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE): revisão e aumento dos valores repassados pelo Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE) e uma campanha intensa orientando priorizar compras da agricultura familiar e camponesa;

- Realizando compras governamentais da agricultura familiar e camponesa (hospitais, quartéis, presídios. etc.)

Conclamamos também a todas e todos lutadoras e lutadores sociais, sociedade civil, igrejas, movimentos sociais, movimento sindical, partidos políticos, a apoiarem e participarem da construção de estratégias comunitárias como os Comitês Locais de Combate à Fome, aceleração da vacinação, cozinhas comunitárias e solidárias, organização de hortas caseiras e/ou comunitárias; a potencializar Campanhas articuladas como as do Comitê Gaúcho de Emergência no Combate à Fome, do Consea-RS (Conselho Estadual de Segurança Alimentar e Nutricional) e parceiros, a fortalecer ou impulsionar articulações das iniciativas territoriais que lutam por dignidade, conscientização das causas da fome e pela construção de um Projeto popular para o nosso país, unindo-se em torno do Pacto pela Vida e pelo Brasil.

Os bispos do Brasil, na Mensagem da 58ª Assembleia Geral da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), afirmam que “não podemos nos calar quando a vida é ameaçada, os direitos desrespeitados, a justiça corrompida e a violência instaurada. (...) A travessia rumo a um novo tempo é desafiadora, contudo, temos a oportunidade privilegiada de reconstrução da sociedade brasileira sobre os alicerces da justiça e da paz, trilhando o caminho da fraternidade e do diálogo.”

Como pediu o Papa Francisco: “Digamos juntos, de coração: nenhuma família sem casa, nenhum camponês sem-terra, nenhum trabalhador sem direitos, nenhuma pessoa sem a dignidade que o trabalho dá!”

PÃO A QUEM TEM FOME, E FOME DE JUSTIÇA A QUEM TEM PÃO!
(Francisco de Assis)

6ª Semana Social Brasileira – RS e Coletivo de Entidades,
Organizações e Movimentos Sociais do Mutirão Pela Vida de Quem Tem
Fome

* Comissão Episcopal Pastoral para a Ação Social Transformadora/ CNBB Sul3;
* Conselho de Segurança Alimentar e Nutricional do Rio Grande do Sul (CONSEA-RS)
* Comitê Gaúcho de Emergência no Combate à Fome
* Cáritas Brasileira – Regional Rio Grande do Sul – Cáritas RS
* Pastoral Carcerária do Rio Grande do Sul
* Comissão Pastoral da Terra – CPT/RS
* Conselho Indigenista Missionário – CIMI/SUL
* Movimento Fé e Política / RS
* Comunidades Eclesiais de Base – CEBs/RS
* Pastoral da Juventude – PJ/RS
* Pastoral do Menor / RS
* Pastoral do Migrante/RS
* Pastoral dos Nômades do Brasil / RS
* Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra – MST
* Movimento de Mulheres Camponesas – MMC/RS
* Movimento das/os Atingidas/os por Barragens – MAB/RS
* Movimento de Trabalhadoras/es por Direito – MTD/RS
* Central Única dos Trabalhadores – CUT/RS
* Grito dos Excluídos Continental/RS
* Jair Krischke - Presidente do Movimento de Justiça e Direitos Humanos
* Conselho Estadual de Saúde do Rio Grande do Sul
* Juventude Operária Católica Brasileira (JOC)
* Instituto Dakini
* Escola de Formação Fé Política e Trabalho de Caxias do Sul
* Cáritas Diocesana de Caxias do Sul
* Saboaria Popular Las Margaritas
* Sindicato dos Jornalistas Profissionais do RS (Sindjors)
* Fórum Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional dos Povos Tradicionais de Matriz Africana (Fonsanpotma Porto Alegre)
* Centro de Espiritualidade Padre Arturo CEPA
* Associação de promoção humana e cidadania Juvenil – Trilha Cidadã
* Conselho Nacional do Laicato do Brasil do Regional Sul 3 (CNLB Sul3)
* Movimento dos Pequenos Agricultores – MPA/RS
* Comissão Diocesana do Serviço da Caridade de Santa Cruz do Sul


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Edição: Katia Marko