CRISE NO HAITI

Massacre no Haiti atinge importantes figuras da oposição ao governo

Ataque coordenado na madrugada do dia 30 levou à morte de uma ativista, um jornalista e pelo menos outras 13 pessoas

Brasil de Fato | Porto Príncipe (Haiti) |
Os assassinatos seletivos se assemelham a casos anteriores, como o do presidente da Ordem dos Advogados Monferrier Dorval, em 2020 - APIH

Cerca de 15 pessoas foram assassinadas na madrugada do dia 30 de junho na área metropolitana de Porto Príncipe, informa a Rede Nacional de Defesa dos Direitos Humanos do Haiti (RNDDH). Entre elas a ativista feminista Antoinette Duclaire, porta-voz da Matriz Liberación, e o jornalista Diego Charles, da Visión 2000, ambos com 33 anos.  

Eles chegaram à entrada da residência de Charles, localizada no bairro de Christ-Roi, nas primeiras horas da madrugada do dia 30 de junho. E bem ali foram executados. Várias testemunhas mencionam que eles foram mortos por armas de grande calibre disparadas de uma picape Mazda. Estas seriam algumas das mais de 500 mil armas, a maioria de fabricação norte-americana, que segundo a Comissão Nacional de Desarmamento circulam ilegalmente em um país onde há apenas 20 anos era quase impossível encontrar armamento, com a exceção de algum revólver velho e enferrujado nas mãos do campesinato.

Os eventos sangrentos altamente coordenados se desenrolaram simultaneamente em três locais diferentes: Delmas 32, Christ-Roi e Avenida N. Segundo alguns moradores de Delmas que se reuniram após os crimes, os indivíduos envolvidos na organização e perpetração desses ataques fazem parte da Base Krache Dife, dirigida por Wilson Pierre, também conhecido como James Alexander, ou Ti Sonson, e Jean Manillo Viau, também conhecido como Manino ou Manillo.

Em nota à imprensa, o diretor da Polícia Nacional do Haiti (PNH), Léon Charles, atribuiu os acontecimentos à retaliação de membros dissidentes da própria força, organizados em um sindicato, o SPNH-7, que é rejeitado pela hierarquia da Polícia e banido pelo próprio Estado. De acordo com Charles, policiais rebeldes sem identificação agiram por conta própria para vingar o recente assassinato do agente Guerby Geffrard por grupos criminosos. Marie-Rosy Auguste Ducena, da Rede Nacional de Defesa dos Direitos Humanos do Haiti (RNDDH), porém, considerou que o diretor da Polícia se expressou "de forma muito precipitada e superficial", visto que nenhuma investigação foi realizada até o momento. 

Vários setores da oposição e da sociedade civil afirmaram que se trata, na verdade, de um bode expiatório para encobrir um crime político. Em primeiro lugar, pelo modus operandi: um ataque de precisão a uma ativista e a um jornalista, ambas figuras públicas, na casa de um deles, o que não se enquadra em nenhum cenário plausível de "balas perdidas" ou "danos colaterais".

Em segundo lugar, por se tratar de Duclaire, porta-voz da sua organização e uma conhecida opositora do governo de facto de Jovenel Moïse, cujo mandato constitucional terminou em 7 de fevereiro deste ano. Em terceiro, porque nas mesmas horas outras 13 pessoas foram assassinadas por esquadrões da morte motorizados em outros pontos da cidade. Em quarto, porque não seria o primeiro assassinato seletivo dos últimos tempos: também foram assim os casos, que chocaram o país, do presidente da Ordem dos Advogados Monferrier Dorval, em 28 de agosto de 2020, e do universitário Gregory Saint-Hillaire, executado por uma unidade especializada da PNH em 2 de outubro do mesmo ano. 

Jacques Desrosiers, secretário-geral da Associação de Jornalistas do Haiti, declarou que isso "aumenta a lista de jornalistas assassinados nos últimos três anos". Em nota de imprensa, a organização RADI, da qual Duclaire também fazia parte, mencionou o governo de Jovenel Moïse e afirmou que "todos os atores nacionais e internacionais que continuam apoiando este regime podre têm o sangue destes jovens nas mãos". Já a RNDDH denunciou ainda a instauração no país de "um clima de terror com a cumplicidade das autoridades estatais”, onde "os direitos à vida, segurança e integridade física e mental dos cidadãos são constantemente violados”.
 

Edição: Camila Salmazio