Cinema

Festival de Cannes volta a ser presencial e foca pandemia, crise climática e paridade de gênero

Máscaras são obrigatórias em toda a área do evento que acontece na França, assim como testes periódicos para covid-19

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Últimos preparativos para a abertura do Festival de Cannes, nesta terça-feira (6) - John MacDougall/AFP

Após ter tido sua edição presencial cancelada no ano passado devido à pandemia, o Festival de Cinema de Cannes está de volta para celebrar o melhor do cinema mundial.

"Fãs do festival chegaram à França há 10 dias para fazer a quarentena, jornalistas tomaram suas precauções. É tudo muito emocionante. O mundo do cinema está voltando", diz o diretor do festival, Thierry Fremaux.

Nos primeiros meses da pandemia, o Palais des Festivals, o principal local onde ocorre o festival no sul da França, foi equipado com leitos hospitalares; no início deste ano, serviu como um grande centro de vacinação, o "Vaccinodrome".

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E agora, depois de ter sido adiado de maio para julho, na esperança de ser realizado em um momento de maior controle sobre a pandemia, o festival de cinema mais famoso do mundo entra em cena a partir desta terça-feira (6) e vai até 17 de julho.

Máscaras são obrigatórias em toda a área do festival, assim como testes periódicos para covid-19. E o diretor do evento já avisou que não irá cumprimentar os diretores e as estrelas com os tradicionais beijos nas bochechas.

Mas além da pandemia, problemas como representação feminina e proteção climática têm chamado a atenção. E, para além dessas questões, como já deixou claro o presidente do júri do festival, o cineasta norte-americano Spike Lee, em seu discurso de abertura nesta terça, questões políticas mundiais também podem entrar no foco.

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Spike Lee chamou Jair Bolsonaro de gângster e "sem escrúpulos" em sua fala de abertura do Festival de Cannes. LEIA MAIS/ Sergio LIMA© / AFP

Quatro diretoras mulheres concorrendo à Palma de Ouro

O número de filmes dirigidos por mulheres na competição principal – neste ano, apenas quatro dos 24 concorrentes – tem sido uma questão recorrente no Festival de Cinema de Cannes.

Em toda a história do festival, nunca houve mais do que quatro mulheres na competição pelo prêmio principal. E somente uma diretora já levou a Palma de Ouro: Jane Campion, com O Piano, em 1993.

Os protestos realizados por mulheres famosas na esteira do movimento #MeToo durante o festival em 2018 não tiveram um impacto perceptível na lista dos competidores, apesar de que agora há mais mulheres nos comitês de seleção.

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Como apontou Sophie Monks Kaufman, codiretora do grupo ativista Times Up UK Critics, "estatisticamente, a representação feminina é pior neste ano do que em 2019, já que a lista de competidores cresceu de 21 para 24".

"Quatro mulheres na competição – sou o primeiro a achar que não é suficiente", disse Fremaux, o diretor do festival, à agência de notícias AFP, acrescentando que o festival se posicionou claramente contra cotas.

"Nenhum filme jamais será selecionado com base no gênero, raça ou religião do diretor", disse. "Mas se nós estamos em dúvida entre dois filmes e um deles é de uma mulher, iremos escolher esse. Fazemos o mesmo em relação à geografia. Cannes é um festival universalista."

O "melhor ano de todos" em termos de paridade de gênero?

De qualquer forma, o fato de que outras áreas do festival têm uma seleção mais balanceada, com ceca de 40 mulheres apresentando os seus filmes no programa, levou os organizadores a destacar que a seleção deste ano foi "a melhor de todas ao lado de 2019" em termos de representação de gênero.

Uma afirmação "constrangedora", disse Kaufman.

Três das diretoras que concorrem à Palma de Ouro são francesas: Mia Hansen-Love, com o filme Bergman Island, Catherine Corsini, com La Fracture (The Divide), e Julia Ducournau, com Titane.

A quarta mulher na competição é a diretora húngara Ildiko Enyedi, que venceu o Urso de Ouro de Berlim em 2017 com seu filme Corpo e Alma, que foi indicado ao Oscar. Ela está agora concorrendo ao prêmio principal de Cannes com The Story of My Wife, que tem a atriz francesa Lea Seydoux no papel principal.

Um júri diverso

Por outro lado, o júri que decidirá a Palma de Ouro representa os esforços do festival para ser mais diverso.

Ele é composto por cinco mulheres e três homens de sete nacionalidades diferentes, vindos de cinco continentes: o diretor e crítico brasileiro Kleber Mendonça Filho, o diretor franco-senegalês Mati Diop, a cantora e atriz francesa nascida no Canadá Mylene Farmer, a atriz e produtora americana Maggie Gyllenhaal, a diretora e roteirista austríaca Jessica Hausner, a atriz francesa Melanie Laurent, o ator francês de ascendência argelina Tahar Rahim e o ator sul-coreano Song Kang-ho.

O júri é presidido pelo diretor americano Spike Lee, o primeiro homem negro a exercer essa função.

Esforços simbólicos pelo planeta

Apesar de o foco no ano passado ter sido o controle da pandemia, a emergência climática segue como o problema mais urgente para a humanidade. A indústria do cinema, baseada em um padrão de consumo extremo, tem um histórico ruim quando o tema é proteção ambiental. Apesar disso, o Festival de Cannes adotou novas medidas neste ano para reduzir sua emissão de gás carbônico e produção de lixo.

Ao lado de um programa especial de filmes sobre proteção do clima, garrafas plásticas foram completamente eliminadas, veículos elétricos e híbridos compõem 60% da frota oficial do evento, e até o tamanho do tapete vermelho foi reduzido.

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Apesar das medidas simbólicas, os festivais de cinema são famosos por promover eventos que produzem toneladas de lixo, com estrelas voando de vários lugares do mundo para participar.

O ator Leonardo DiCaprio, que tem se dedicado a campanhas ambientalistas nos últimos anos, protagonizou um episódio com repercussão negativa em 2016, quando pegou um voo particular dos Estados Unidos até o festival para receber um prêmio sobre meio ambiente.

Com as restrições devido à pandemia para viagens ainda afetando diversos países, porém, muitos cineastas não terão nem a opção de voar para o festival neste ano.