Coluna

O beijoqueiro

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A grande preocupação aqui era impedir que José Alves Moura, o “Beijoqueiro”, um taxista do Rio, nascido em Portugal, beijasse uma celebridade em qualquer evento em público - Peter Kasprzyk / Unsphash
Furou o esquema de segurança e beijou o governador, que levou o caso numa boa

Vendo gente cheia de ódio por aí, eu tenho saudade dos anos 1980, quando se armava um grande esquema de segurança em eventos com a presença de pessoas importantes. Podia ser show, comício, qualquer coisa. Medo de assassinato? Não! Medo de beijos! A grande preocupação aqui era impedir que José Alves Moura, o “Beijoqueiro”, um taxista do Rio, nascido em Portugal, beijasse uma celebridade em qualquer evento em público.

Em janeiro de 1980, o Maracanã lotado com 175 mil pessoas para um show de Frank Sinatra, havia um grande esquema de segurança, mas o Beijoqueiro conseguiu chegar ao palco e beijar o cantor, que levou um grande susto. Na posse de Leonel Brizola, eleito governador do Rio de Janeiro, o Beijoqueiro mais uma vez chegou lá: furou o esquema de segurança e beijou o governador, que levou o caso numa boa.

Quando o papa João Paulo II veio ao Brasil, o Beijoqueiro foi preso por antecipação, no Rio. Puseram o Beijoqueiro atrás das grades para ele não tentar “aprontar” mais uma e só o soltaram quando o Papa seguiu viagem. Mas o Beijoqueiro tinha patrocinadores anônimos que se divertiam com sua maluquice. Financiavam suas viagens. Assim, logo que foi solto seguiu para São Paulo, parada seguinte do Papa. Mas o prenderam aí também. Solto em São Paulo, seguiu para Curitiba, atrás do Papa. E acabou preso de novo.

Finalmente, seguiu para Manaus, parada seguinte de João Paulo II. Lá não o prenderam. Então furou a segurança e beijou os pés do Papa. Abro um parêntese aqui, lembrando Darcy Ribeiro. No final do século XX, planejavam construir um memorial para ele, na Universidade de Brasília (UnB), e por sua recomendação o espaço deveria ser denominado “beijódromo”. Ele morreu pouco depois de propor isso, mas o “beijódromo” foi construído e inaugurado em 2008. Darcy Ribeiro era mesmo cheio de boas ideias!

Volto ao Beijoqueiro. Passou o tempo em que o sujeito perigoso tinha como arma o beijo. Agora o medo tem mais sentido. Um gado irracional está aí, doido pra dar chifradas em quem não faz parte do rebanho... O ódio está presente em todos os meios. Não existe mais espaço para um beijoqueiro maluco, brincalhão e ingênuo. Aliás, com a pandemia o próprio beijo se tornou difícil, né? Então, beijos virtuais para todo mundo, esperando a chance poder dar beijos de verdade.

 

*Mouzar Benedito é escritor, geógrafo e contador de causos. Leia outros textos

**Este é um artigo de opinião. A visão do autor não necessariamente expressa a linha editorial do jornal Brasil de Fato.

Edição: Anelize Moreira