Cultura negra

Mulheres preservam a ancestralidade do jongo em danças, percussões e brincadeiras

Manifestação afro-brasileira do Sudeste do país conta com mulheres em posições de liderança e destaque

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O jongo é uma brincadeira de roda afro-brasileira típica da região Sudeste do país - Jongo Dito Ribeiro

A força dos tambores, do canto e das mulheres. O jongo é uma tradição afro-brasileira típica da região sudeste. É uma dança de roda, em que um casal brinca no centro do círculo. As letras, cheias de metáforas, falam do dia a dia das comunidades e dos desafios da população negra. E o jongo também se caracteriza pela presença de mulheres fortes, verdadeiras matriarcas. 

É assim no Jongo da Serrinha, grupo do Rio de Janeiro com mais de sessenta anos de atuação. Tudo começou com Maria Joana Monteiro e seu filho, mestre Darcy. Vovó Maria Joana, como ficou conhecida, era uma figura de destaque na comunidade: mãe de santo, parteira, rezadeira, costureira, mãe de catorze filhos, baiana da Império Serrano e jongueira. Sua neta Deli Monteiro, que hoje é presidenta do Jongo da Serrinha, lembra da generosidade da avó. 

“Minha vó era uma pessoa tão maravilhosa, tão boa, tão caridosa. se você chegasse na minha casa e dissesse que não tinha onde morar, você morava na minha casa 5, 6, 7 anos, o tempo que precisasse ficar. Ela era essa pessoa, ela gostava de fazer caridade. Ela gostava de aquilombar as pessoas”, recorda.

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Lazir Sinval, diretora artística do grupo, destaca o papel de Vovó Maria Joana na divulgação do jongo. 

“Ela resolveu não simplesmente ficar na Serrinha esperando que as pessoas viessem conhecer o jongo. Não. Vovó Maria Joana foi com o jongo, abrir a roda de jongo, esses jongueiros mais velhos, para todos os lugares. Pras ruas, pras escolas, pra outros terreiros, pros palcos, pras praças... até igrejas”, lembra.


Vovó Maria Joana: a matriarca do Jongo da Serrinha se dedicou a divulgar a tradição do jongo / Jongo da Serrinha

Em Campinas, o Jongo Dito Ribeiro também tem liderança feminina. É Alessandra Ribeiro, neta do Dito Ribeiro. Ele se mudou de Minas Gerais para o interior de São Paulo nos anos 1930 e levou o jongo com ele. Mas depois da sua morte, nos anos 1960, a família não seguiu com a tradição. Ela foi retomada só em 2003 por Alessandra. Nesse resgate, algumas coisas acabaram mudando. E isso deu pano pra manga até para músicas. 

No terreiro de vovó/ galo não canta/ pinto não pia/ galinha é que manda’. O que meus tios contavam é que o jongo que meu avô fazia não tinha mulheres, só homens. Então o processo da inclusão da mulher, da criança na roda de jongo foi uma conquista.
Mas o tempo é rei, e muitas comunidades de jongo hoje são lideradas por mulheres  

As rodas de jongo com tambores, canto e dança são a parte mais visível da manifestação cultural. Mas para as festas acontecerem, existe todo um trabalho feito por trás. E aí são as mulheres quem mais põem a mão na massa, como conta Lazir Sinval, do Jongo da Serrinha. 

“Eram essas mulheres que realizavam tudo. Qualquer evento, qualquer festa. Porque essas festas eram um verdadeiro movimento negro. O nosso povo se reunia pra discutir os assuntos da comunidade, pra discutir os assuntos do dia a dia. Eram elas que tinham sensibilidade de pensar cada momento. Criar esse ambiente familiar de acolhimento, de aconchego”, analisa. 

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Alessandra Ribeiro comenta da importância da preparação das comidas e bebidas servidas nas festas.

"A gente [busca] ressignificar esses espaços da cozinha, do acolhimento, do nosso lugar afrocentrado, Porque, para a nossa cultura de matriz africana, o comer é mágico. A comida salva ou mata. Você faz uma comida com amor, mesmo que com simplicidade, ela não vai alimentar só seu corpo físico, ela vai alimentar sua alma, vai te acolher”, afirma. 


A inclusão de mulheres e crianças no jongo foi uma conquista, segundo Alessandra Ribeiro, liderança do Jongo Dito Ribeiro / Jongo Dito Ribeiro

Hoje, é cada vez mais comum ver mulheres ocupando todos os espaços dentro do jongo, inclusive tocando tambor, o que foi, durante muito tempo, uma função exclusivamente masculina. E o jongo também pode ser um instrumento para fortalecer as mulheres, especialmente as mulheres negras e periféricas, como destaca Alessandra Ribeiro. 

“Eu fui pra universidade por causa do jongo, nós chegamos na Casa de Cultura Fazenda Roseira por causa do jongo, eu me tornei uma líder política por causa do jongo. Jongo atravessa muito a construção da pessoa que eu sou”, destaca. 

Edição: Daniel Lamir