ENTREVISTA

"Nossa luta é ter mais mulheres andando de skate", diz skatista Vitória Mendonça

Para skatista, falta incentivo tanto do governo quanto de marcas para o skate feminino no país

Brasil de Fato | São Paulo (SP) |
Vitória Mendonça, de 21 anos, que trabalha como skatista, começou a andar de skate quando ainda era criança - Reprodução/Instagram

A vitória da skatista Rayssa Leal na Olimpíada de Tóquio, no Japão, fez o país se orgulhar da garota de 13 anos que trouxe a medalha de prata para casa. Ao lado de Letícia Bufoni e Pâmela Rosa, Leal representou o skate feminino brasileiro. Mas o esporte mostra que a realidade das skatistas no país não é somente flores. 

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Em entrevista ao Brasil de Fato, a skatista Vitória Mendonça, campeã do Campeonato Brasileiro de Skate Feminino de 2017 e integrante da Seleção Brasileira de Street Feminino, em 2018, falou sobre sua carreira, a Olimpíada de Tóquio e como seguir a profissão de skatista no Brasil ainda é um desafio, principalmente para as mulheres. 

Aos 21 anos, 14 deles dedicados ao skate, Mendonça hoje faz parte do time oficial latinoamericano da Adidas Skateboarding, onde segue praticando o street, depois de ter participado de diversos campeonatos regionais.

Confira a entrevista completa:

Brasil de Fato: Qual foi a sua reação assistindo a vitória da Rayssa Leal no skate feminino?

Vitória Mendonça: Fiquei bem feliz, porque eu acompanho a trajetória da Rayssa desde bem mais novinha e ela continua sendo sempre a mesma criança que sempre foi, sempre se divertindo, sempre humilde, fala com todo mundo. É muito gratificante, fiquei bem feliz, porque é o futuro. 

As novas gerações do skate e eu vejo que o esporte está em boas mãos. Só pela entrevista que ela deu enaltecendo as mulheres que vieram antes da geração dela e sendo grata por isso… Então está em boas mãos, eu fiquei bem feliz. Acho que não poderia ter tido um resultado melhor. 

A gente viu Pamela Rosa, Letícia Bufoni e Rayssa Leal irem para Tóquio para representar o skate feminino brasileiro, com maestria, mesmo com todas as adversidades que o Brasil impõe ao esporte. O Bolsa Atleta contempla 80% das modalidades. Ou seja, 18 das 33 modalidades, sendo que o skate está fora dessa turma. Como você avalia o cenário do skate no país? Há falta de incentivo? O que falta?

Espero agora que tenha mais incentivo. Com o Bolsa Atleta tem uma galera que tem sido beneficiada, eu acho daora porque está ajudando bastante. Mas a maioria dos skatistas não tem condições financeiras. Às vezes, a gente gasta com passagem de ônibus, metrô, comer na rua, porque às vezes a gente passa o dia todo na rua. Então tem que ter condições mínimas para fazer o que a gente gosta de fazer. 

Faltam as marcas. Eu não digo nem questão do governo também. Óbvio, ainda é pouco o que o governo está fazendo. Mas, em geral, acho que falta incentivo para o skate. Para os outros esportes eu vejo que tem bem mais incentivo. Para o skate falta bem mais incentivo. Futebol totalmente diferente. Tem meninas que estavam ali na corrida olímpica, que participaram dos eventos para poder chegar ali na Olimpíada, e muitas não foram para Tóquio porque não tinham dinheiro para ir competir fora. 

Eu vi o pai da Virgínia [Fortes Águas] postando nas redes sociais sobre a falta de apoio da cidade deles, de Niterói, porque a menina está aí, já ganhou diversos campeonatos fora do Brasil, e não tinha condições de ir para fora. É bem complicado, falta muito apoio, incentivo para o skate. 

Fora que está tudo caro, R$ 300 um shape. Falta ainda muito incentivo, ainda mais agora o dólar como está. O skate é político também, está tudo envolvido. O dólar aumenta, e os preços vão para cima.

Se você não tem um apoio, é muito difícil ir até as regionais. Se você não tem condições mínimas de um campeonato para outra cidade, como vai competir um campeonato fora do Brasil? Aí meio que você deixa para lá também. Acaba desanimando também. É uma estrada bem longa para a galera que curte campeonato estar ali. 

O skate foi um esporte extremamente marginalizado e ainda carrega alguns estereótipos. Chegou, inclusive, a ser proibido em São Paulo, por exemplo, na década de 80, pelo então prefeito Jânio Quadros. Acredita que esse fator também entra nessa falta de incentivo?

Os policiais pegavam o skate e jogavam no camburão e já era. A galera não via mais o skate. Dentro da viatura tinham muitos skates, não tinha como prender alguém e colocar lá, porque não tinha espaço. Tinha que ir na delegacia para buscar. Isso se eles devolvessem. Isso durou algum tempo. Até a Erundina entrar e acabar com essa proibição. Obrigada, Erundina. 

Mas até hoje os policiais odeiam o skate. No Vale do Anhangabaú [centro de São Paulo] direto a gente está andando ali e aí passam os policiais comentando ‘bando de vagabundo’. Eles esperam qualquer mínimo vacilo para chegar ali e dar uma dura na gente ou falar alguma besteira. 

 

O esporte também é um esporte praticado na maioria das vezes por homens. Qual é a importância de termos mulheres e meninas como a Rayssa Leal nas Olimpíadas? Lembrando que não tivemos mulheres negras no skate feminino em Tóquio. Você espera que as Olimpíadas tragam um novo olhar para o skate feminino no Brasil?

Eu fui andar no dia seguinte à vitoria da Rayssa e já vi um monte de meninas andando de skate. Isso é muito massa, só vai crescendo e é o que a gente mais quer. E a nossa luta é essa de ter mais mulheres andando de skate. Até porque quando tinha evento, campeonato, a gente não tinha nossa categoria feminina até pouco tempo. 

E até hoje tem campeonatos que não fazem o feminino, e aí quando a gente questiona falam que não tem menina. Só que não, tem várias meninas andando. Aí resolve isso, aí os caras inventam outras desculpas, que não tem premiação ou a premiação para o masculino é dinheiro e para o feminino é só peça, quando tem peça. Isso é coisa recente. Em 2019, inclusive, rolou uma situação dessa, em um evento grande do skate aqui de São Paulo, que tem todo ano. Para você ver como não está distante essa realidade. 

Não tem nenhuma mulher negra skatista participando das Olimpíadas. Então é óbvio que eu acredito que poderia ter mais oportunidades para essas coisas acontecerem e não tem, porque é muito caro competir em outro país, por exemplo. A falta de acessibilidade faz com que a gente, ainda mais pessoas negras como eu, que vieram de realidades pobres, não consiga chegar nesses lugares.

Faz a gente sempre ter que ser duas vezes melhor, dar o nosso sangue, tudo o que a gente tem e ainda falta para gente conseguir. 

Uma vez você disse que o skate pode te levar para lugares que você nunca imaginou. Quais lugares?

Eu digo isso não só na forma de ter viajado por causa do skate, para lugares que financeiramente minha família nunca poderia proporcionar. Porém, eu digo também no sentido figurativo. O skate faz a gente ter experiências muito loucas. A gente está na rua, então a gente acaba presenciando muitas coisas, é uma união surreal. Tem muito isso de compartilhar tênis, shape... A gente está sempre se fortalecendo. Eu acredito que muitas coisas que eu aprendi, meu caráter, meus ideais, foram o skate que trouxe. Não digo o skate, a madeira e as rodas, eu digo a união mesmo. O skate enquanto cultura, a cultura do skate trouxe isso pra mim, os meus ideais. 

Então eu digo que o skate me levou a experiências incríveis, não só de ter viajado que eu viajei também bastante. Nessa tour da Adidas, a gente foi para o México, Argentina, Barcelona, Estados Unidos. Não vejo a hora de acabar a pandemia e poder voltar a viajar.
 

 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 

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Edição: Vivian Virissimo