Passarinho fardado

Militares "verificados" pelo Twitter somam 5 milhões de seguidores e espalham fake news

Levantamento exclusivo mostra que oficiais das Forças Armadas têm atuação política nas redes sociais

Brasil de Fato | Brasília (DF) |

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Os genereais Mourão, Augusto Heleno e Villas Boas são os recordistas de seguidores entre oficiais das Forças Armadas - Divulgação

O Twitter "verificou", nos últimos anos, a conta de pelo menos 15 oficiais das Forças Armadas na rede social. A plataforma concedeu o "selo azul", que reafirma a autenticidade do perfil, a generais, tenentes, coronéis e brigadeiros, da ativa e da reserva.

A verificação, de acordo com a própria rede social, em nota enviada ao Brasil de Fato, tem o "objetivo de prover às pessoas na plataforma a garantia de que aqueles perfis são, de fato, de quem dizem ser".

Especialistas ouvidos pela reportagem apontam, contudo, que o selo propulsiona o crescimento dos perfis e amplifica o alcance das mensagens publicadas. "Sem dúvida, a partir de nossos monitoramentos diários, a chance de uma post viralizar quando é publicado por um perfil verificado é muito maior. A marca dá credibilidade ao que é publicados por essas contas, mesmo quando elas têm poucos seguidores", afirma Gabriel André, especialista em análise de redes sociais.

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Entre os perfis reconhecidos como autênticos pela plataforma, há uma grande diversidade. O coronel Henrique, deputado estadual em Minas Gerais pelo PSL, foi agraciado com o "selo azul" mesmo tendo apenas 330 seguidores no Twitter. Os recordistas de popularidade nas redes são os generais Hamilton Mourão (2 milhões), Augusto Heleno (1,2 milhão) e Eduardo Villas Boas (881 mil).

O levantamento do Brasil de Fato mostra que a soma dos seguidores de perfis de militares com o "selo azul" chega a 5 milhões. O número não correspondente, contudo, a usuários únicos, já que uma mesma conta pode seguir mais de um oficial.

A pesquisa não considerou oficiais sem a verificação do Twitter e as contas institucionais das Forças Armadas. O número corresponde a mais de um terço dos 14,1 milhões de usuários brasileiros cadastrados na plataforma, segundo pesquisa da consultoria Statisa em 2020 e ainda inédito em português.

Leia também: Artigo | As fake news e a disputa política por desinformação

A reportagem apurou ainda que mais de um terço dos perfis de militares verificados pelo Twitter distribuiu notícias falsas, compartilhou mensagens que posteriormente foram deletadas pela plataforma ou fizeram apologia ao "tratamento precoce" contra a coronavírus. São eles: o tenente Mosart Aragão, o comandante da Força Aérea, Baptista Júnior, e os generais Miotto, Augusto Heleno, Peternelli e Girão Monteiro.

Em resposta ao Brasil de Fato, o Ministério da Defesa afirmou que "a Marinha, o Exército e a Aeronáutica possuem manuais e cartilhas que normatizam e orientam adequadamente a conduta e o uso de mídias sociais por parte dos militares das Forças Armadas".

Segundo a pasta, "as recomendações ao efetivo versam quanto às boas práticas da liberdade de expressão e quanto ao posicionamento público nas redes, respeitando-se os preceitos regulamentares existentes".

O ministério afirmou, no entanto, que perfis e conteúdos pessoais nas redes sociais são de responsabilidade individual e "não representam necessariamente o pensamento institucional". Sobre as publicações com teor político ou distribuição de fake news, disse "que a gestão de pessoal e as questões disciplinares dos militares são de competência exclusiva dos Comandantes de Força, no âmbito de suas atuações".

Fake news

A variedade de notícias falsas espalhadas pelos militares da ativa e da reserva com contas com "selo azul" no Twitter é grande. O tenente Mosart Aragão, que é também assessor especial do presidente Jair Bolsonaro, publicou fake news sobre as Olimpíadas.

Ele chegou a afirmar que a música "Baile de Favela", trilha sonora da apresentação da ginasta Rebeca Andrade nas Olimpíadas de Tóquio, era de autoria de um funkeiro de direita chamado MC Reaça, apoiador do governo federal. Na realidade, a música é de MC João.

O comandante da Aeronáutica, Baptista Júnior, teve publicação deletada pela plataforma. Ele compartilhou tweet feito pelo presidente da Fundação Palmares, Sergio Camargo, com republicação do deputado federal Daniel Silveira, preso por ameaças feitas a ministros do Supremo Tribunal Federal. Na época, ele ainda não chefiava uma das Forças.

O general Girão Monteiro, que é também deputado federal pelo Rio Grande do Norte e tem pouco mais de 16 mil seguidores nas redes sociais, defendeu o "tratamento precoce" contra a covid-19 e divulgou manifesto em defesa da utilização da hidroxicloroquina e da médica Nise Yamaguchi.

O general do Geraldo Antonio Miotto, ex-comandante do Comando Militar do Sul, que morreu aos 65 anos, em decorrência da covid-19, em janeiro deste ano, também teve postagem deletada pela rede social. A publicação foi feita durante período da campanha presidencial nas eleições de 2018, quando o presidente Jair Bolsonaro venceu o pleito.

Villas Boas foi pioneiro

O general Villas Boas foi o oficial da Forças Armadas a usar, pela primeira vez, o Twitter como ferramenta de atuação política. Em 6 de fevereiro de 2017, ele fez o seu primeiro tweet na rede social. Ele publicou, à época, uma mensagem de apresentação. Teve apenas 254 curtidas.

Em abril de 2018, quando o Supremo Tribunal Federal (STF) discutia a possibilidade de um habeas corpus que poderia evitar a prisão do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), então condenado a 12 anos e um mês por corrupção e lavagem de dinheiro na operação Lava Jato, Villas Boas usou as redes sociais para criticar a discussão na Corte. Ele fez uma sequência de dois tweets que somam, atualmente, mais de 30 mil compartilhamentos.

Edição: Rebeca Cavalcante