Entenda

O que esperar do novo Bolsa Família de Bolsonaro?

Governo apresentou proposta ao Congresso Nacional sem confirmar valores e sem explicar de onde virão os recursos

Brasil de Fato | São Paulo (SP) |

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O Bolsa Família foi a 1ª etapa de implementação da Renda Básica de Cidadania, programa que ganhou reconhecimento internacional no combate à extrema pobreza e a fome. - Andre Felipe/ Folhapress

O presidente Jair Bolsonaro entregou ao Congresso Nacional, nesta segunda-feira (9), uma medida provisória (MP) que anula o Bolsa Família e cria um novo programa de transferência de renda para a população de menor poder econômico, o Auxílio Brasil.

Já na chegada do texto ao parlamento, no entanto, sobram dúvidas e faltam detalhes sobre o alcance, os valores e como o projeto será financiado. Entre as principais preocupações está a abrangência da concessão do benefício, que não deve chegar a todos os atendidos pelo auxílio emergencial atualmente.

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Além disso, o governo não explicou como o programa será financiado e nem quanto será pago. Bolsonaro afirmou que haverá um aumento de no mínimo 50% em cima dos R$189 atuais. Mas essa informação não está oficializada na medida provisória.

Recursos

Junto com a MP, o presidente levou ao Congresso a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) dos precatórios. O texto autoriza parcelamento de dívidas do governo que tramitam na justiça e pode vir a ser a fonte de recursos para o novo programa. Mas já há uma decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) que impede a divisão dos débitos. 

O economista Daniel Negreiros Conceição, que atua na Universidade Federal do Rio de Janeiro e preside o Instituto de Finanças Funcionais para o Desenvolvimento (IFFD), afirma que a falta de informação e de certeza técnica fazem parte da construção de uma narrativa criada de que falta dinheiro para os gastos sociais no Brasil

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"É o grande teatro que impede o governo de gastar o que é preciso gastar", aponta Daniel. Ele lembra que em 2020, o déficit primário - diferença entre arrecadação e gastos - aumentou consistentemente.

"Isso é inconcebível dentro da lógica fiscalista do governo, principalmente para um governo que dizia que não tinha de onde tirar mais dinheiro. Inclusive essa era a justificativa que ele dava às reformas de desmontes do estado que vinha promovendo", explica o economista.

Daniel vislumbra um risco ainda maior, o de uso dessa narrativa para justificar cortes em outra áreas importantes "Esse é um governo comprometido com o desmonte do estado. Então eles precisam mesmo dizer que não tem dinheiro para justificar (o desmonte)".

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"Ele diz  - faço isso porque eu preciso do dinheiro para pagar os benefícios das pessoas pobres. É de uma maldade e de uma inteligência maligna tremendas. A população se torna inimiga do estado que o governo apresenta como empecilho para esse pagamento", completa.

Qual é a proposta?

Segundo o Ministério da Cidadania, o novo Bolsa Família terá nove tipos de benefícios. Eles serão divididos em núcleos e contemplarão famílias com crianças de até 3 anos incompletos, famílias que tenham gestantes ou pessoas de 3 a 21 anos de idade e aquelas que estão abaixo da linha da extrema pobreza. 

Também estão previstos pagamentos de auxílio para estudantes com idades entre 12 e 17 anos incompletos com destaque nos Jogos Escolares Brasileiros, bolsas de Iniciação Científica para jovens com bom desempenho em competições de conhecimento e ajuda para mães que não conseguiram vagas em creches, por exemplo.

O economista David Deccache, doutorando pela Universidade de Brasília e assessor econômico do PSOL na Câmara dos Deputados, afirma que se o critério de inclusão no novo programa repetir o que vinha sendo aplicado no Bolsa Família, haverá uma diminuição considerável de famílias assistidas em relação ao auxílio emergencial.

O governo informou que haverá R$18 bilhões a mais para o o programa, além do que já estava previsto para o Bolsa Família em 2022. "Basicamente eles estão fazendo uma regrinha de três, ampliando em 50%. Isso permite que a gente consiga estimar o alcance social desse novo programa"

Segundo ele, os critérios de elegibilidade serão mais estreitos e a diminuição de pessoas atendidas pode ser considerável. "O auxílio emergencial abrange um universo imenso de pessoas, chegou a ser pago a quase 70 milhões de brasileiros. Já o Bolsa Família é pago a 14 milhões", explica David

O economista faz um alerta, "É uma redução brutal em relação ao universo de pessoas, que cai quatro vezes. É muita coisa em um momento de crise tão profunda". 

David conclui, "A gente vai jogar 45 milhões de pessoas, aproximadamente, em situação de vulnerabilidade social. É uma massa de pessoas marginalizadas de qualquer tipo de transferência de renda do governo".

A MP do novo Bolsa Família tem 120 dias para ser aprovada por senadores e deputados. A intenção do governo é garantir a votação ainda este mês e iniciar os pagamentos a partir de novembro. 

 

Edição: Vivian Virissimo