Confronto

Bolsonaro ataca TSE novamente e mantém tensão institucional em alta no país

"Não há nada que indique um distensionamento daqui para 2022, muito pelo contrário”, analisa cientista política

Brasil de Fato | Fortaleza (CE) |

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Bolsonaro tem travado ácida e polarizada disputa com o presidente do TSE, Luís Roberto Barroso, por questionar o grau de confiabilidade das urnas eletrônicas
Bolsonaro tem travado ácida e polarizada disputa com o presidente do TSE, Luís Roberto Barroso, por questionar o grau de confiabilidade das urnas eletrônicas - Nelson Jr./SCO/STF - Alan Santos/PR

O naufrágio da proposta do voto impresso no Legislativo não foi suficiente para o presidente Jair Bolsonaro (sem partido) interromper o fluxo contínuo de ataques ao sistema eleitoral. Na quarta-feira (11), o chefe do Executivo voltou a questionar a segurança do processo adotado pelo país e novamente investiu fichas contra a cúpula do Tribunal Superior Eleitoral (TSE).

Ao mentir, durante conversa com apoiadores, sobre o placar da votação realizada na terça (10) pelo plenário da Câmara dos Deputados para avaliar a proposta, Bolsonaro afirmou que “metade [dos parlamentares] não acredita 100% na lisura dos trabalhos do TSE, não acredita que o resultado no final ali seja confiável”.

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De um lado, a declaração enganosa do presidente maquia o jogo travado pela Casa em torno da disputa, que, na verdade, contou com 218 votos de rejeição à Proposta de Emenda Constitucional (PEC) 135/19 contra 229 deputados que se mostraram favoráveis à ideia – metade dos parlamentares seria o correspondente a 257 votos, e não 229 apoios, como recebeu a medida.  

De outro lado, com a manifestação, Bolsonaro demonstra que descumpriu o acordo anterior que teria feito com o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), de que encerraria a polêmica em torno da pauta do voto impresso e respeitaria o resultado que viesse a ser dado pelo plenário.

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Mas, na contramão do pacto e ainda durante a conversa com apoiadores na quarta, o chefe do Executivo chegou inclusive a acusar o presidente do TSE, ministro Luís Roberto Barroso, de supostamente ter chantageado parte dos parlamentares que votaram contra o texto.

Com isso, o presidente indica para o mundo político que continuará gastando energia em sua cruzada contra o sistema eleitoral e, portanto, estimulando a crise institucional. É o que avalia a pesquisadora Grazielle Albuquerque, doutora em Ciência Política pela Universidade de Campinas.

“A derrota do voto impresso na Câmara representa uma questão importante? Sim, mas ela é um ponto de uma agenda maior, que visa, inclusive, tentar justificar uma possível derrota em 2022, então, a coisa não deve se encerrar agora”, projeta a cientista política, para quem o caminho até o horizonte eleitoral pode ganhar outros contornos.  

“Com a derrota, talvez ele encontre outras abordagens para os ataques ao sistema eleitoral ou mesmo pautas de ataque institucional de outras vertentes. Mas que isso vai acontecer eu não tenho dívidas de que vai, no sentido de que o governo Bolsonaro atua muito na desestabilização das instituições. Não há nada que indique que haverá um distensionamento institucional daqui para 2022, muito pelo contrário”, acrescenta a pesquisadora.


Ataques ao Judiciário desgastaram Bolsonaro e têm contribuído para maior isolamento político do presidente / Evaristo Sá/AFP

Trajeto   

No percurso entre o ressurgimento da PEC, nos últimos meses, e o enterro da proposta pelo Legislativo, Bolsonaro xingou ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) e travou uma ácida e polarizada disputa com Barroso por questionar o grau de confiabilidade das urnas eletrônicas.  

Também recebeu uma dura resposta: o TSE pediu e o ministro Alexandre de Moraes, do STF, incluiu o presidente, no ultimo dia 4, no inquérito que apura a disseminação de fake news. A reação se deu após os seguidos ataques sem provas do líder de extrema direita contra a segurança do processo eleitoral.

Para o professor Pablo Holmes, do Instituto de Ciência Política da Universidade de Brasília (Ipol/UnB), a iniciativa de Moraes não teria o poder de ameaçar a sobrevivência política do presidente. Ele analisa que a Corte, tanto na gestão de Dias Toffoli quanto agora, com Luiz Fux à frente da instituição, tem tido uma postura condescendente com Bolsonaro.

“Além disso, do ponto de vista prático-jurídico, o STF não pode fazer nada contra ele no aspecto criminal. Na verdade, o STF pode muito pouco porque qualquer coisa que ele venha a decidir depende de pedido do procurador-geral da República (PGR). E, para que o PGR denuncie Bolsonaro, é preciso aprovação de dois terços da Câmara”, pontua Holmes, ao mencionar as barreiras políticas que há pelo caminho.

No Poder Legislativo, Bolsonaro tem fortalecido a relação com o centrão, sua base de apoio, com a recente nomeação do senador Ciro Nogueira (PP-PI) como ministro da Casa Civil. O arranjo ampliou a blindagem do presidente no Congresso para evitar pautas indesejadas pela gestão, como é caso dos pedidos de impeachment, principal medida reclamada atualmente pelos setores de oposição.


Embates de Bolsonaro com Judiciário se fortaleceram em meio à queda na popularidade do presidente, que enfrenta rejeição recorde no país / Evaristo Sá/AFP

TSE

Para Pablo Holmes, se o STF parece não ter tantas armas contra Bolsonaro e no Legislativo o presidente tenta se blindar por meio da busca por maior proximidade com o centrão, no front do TSE o terreno político soa como algo um tanto mais derrapante para o chefe do Executivo.   

“No TSE a coisa muda completamente de figura porque ele responde a vários procedimentos no tribunal e lá o procurador-geral da República não tem o mesmo poder que tem junto ao STF. Primeiro, porque o procurador-geral eleitoral (PGE) no TSE tem mandato e é alguém que parece não estar comprometido com o Aras e, segundo, porque o TSE pode fazer inquérito ele mesmo”.

A declaração do professor é uma referência à recente nomeação do subprocurador-geral da República Paulo Gonet Branco para atuar na condição de vice-procurador-geral eleitoral, o número dois de Augusto Aras junto ao TSE.

Na prática, Gonet irá representar a PGR no pleito de 2022. Ele terá a função de fiscalizar o processo eleitoral e propor ações judiciais contra os candidatos a presidente e vice-presidente da República, rol que contará com a presença de Bolsonaro.

Além disso, na lista de atribuições de Gonet estará a produção de pareceres nos processos que estarão sob o crivo do TSE. O procurador chega ao cargo em meio à escalada de conflitos que o chefe do Executivo tem incentivado com o tribunal em sua expedição contra as urnas.

“No TSE, acho que muda totalmente o jogo porque o Aras não controla o PGE, que tem mandato. E ele [Gonet] não deu, por exemplo, nenhuma declaração contrária à notícia-crime que foi enviada pelo TSE ao Supremo contra o Bolsonaro. Então, no TSE, a coisa pode ser muito mais arriscada para o Bolsonaro”, encerra Holmes.

Encaminhada na última segunda (9), a notícia-crime foi motivada por vazamento de inquérito sigiloso da Polícia Federal que apurou o ataque virtual enfrentado pelo STF em 2018, quando um hacker invadiu o sistema da Corte, segundo a qual a invasão não colocou em risco o processo eleitoral daquele ano. 

O pedido encaminhado pelo TSE ao Supremo, que se trata de um relato de suspeita de crime, foi assinado por todos os sete ministros do tribunal e será avaliado pelo STF no âmbito do inquérito que trata das fake news.

 

 

Edição: Vivian Virissimo