Delta

Com a nova variante se torna urgente que Brasil vacine a população com as duas doses

Médicas reforçam a importância de manter cuidados como usar máscara e evitar aglomerações mesmo após vacinação

Brasil de Fato | Porto Alegre (RS) |
Mesmo com avanço da vacinação, dados da Fiocruz indicam interrupção na tendência de queda de casos e óbitos no país - Marcos Pastich/PCR

Enquanto o Brasil avança a passos lentos na vacinação contra o novo coronavírus, com pouco mais de 22% da população imunizada com duas doses, observa com preocupação a chegada em seu território da variante delta. Sem estímulo à proteção por parte do governo federal, com estados e municípios já com as atividades quase normalizadas, é grande o número de pessoas que segue não tomando os cuidados indicados pela ciência para evitar a contaminação e proliferação da pandemia. Soma-se a isso o fato de muitos dos vacinados que se cuidavam estarem baixando a guarda, deixando de usar máscara e participando cada vez mais de aglomerações em espaços fechados.

Muito mais transmissível, segundo estudos iniciais, a variante já foi identificada circulando em diversas cidades gaúchas. De acordo com o especialista em saúde do Centro Estadual de Vigilância em Saúde (Cevs), Richard Salvato, a linhagem delta está apresentando uma rápida disseminação no estado, apesar de menor do que é visto em outros países. “O que chama atenção, no momento, é a identificação em cidades diferentes”, explica.

Segundo dados da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) atualizados na quinta-feira (11), o Rio Grande do Sul é o quarto estado brasileiro com mais casos reportados da delta. No mesmo período em que os casos são confirmados – já temos 15 casos e estão em análise mais 49 amostras, que tiveram resultado positivo em sequenciamento genético parcial realizado pelo Cevs e aguardam confirmação da Fiocruz – o estado começa a registrar surtos em hospitais e instituições.

Brasil não consegue baixar circulação do vírus como outros países

Antes da chegada da variante delta, após o país passar por um colapso sanitário no mês de março, novas contaminações, internações e mortes reduziram, mas mantiveram-se ainda altos se comparados proporcionalmente a outros países. Para a infectologista Andréa Dal Bó, o Brasil não consegue baixar a sua curva de casos e mortes por conta das medidas de flexibilização. 

“Vemos muita aglomeração de pessoas em festas, festas clandestinas, e agora temos mais flexibilização de eventos. Muitas pessoas não adotam o uso de máscara, ou usam ela de forma incorreta. Isso realmente tem um impacto e mantém a transmissibilidade do vírus, e a delta chegando em uma proporção maior, infelizmente vamos ter um novo aumento do número de casos”, vislumbra a médica, integrante da Sociedade Riograndense de Infectologia (SRGI).     

Na avaliação da biomédica Mellanie Fontes Dutra, são muitas as razões para esta situação. Ela, que é mestra e doutora em Neurociências pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) e coordenadora da Rede Análise COVID-19, destaca que países que têm uma ação coordenada no enfrentamento, que realizam políticas baseadas em evidências científicas, que restringem a mobilidade quando é preciso e conscientizam ativamente sua população às medidas de enfrentamento e à vacinação, apresentam um desempenho melhor do que aqueles que não fazem isso. 

“Infelizmente insistimos em não ficar nesse primeiro grupo, embora tenhamos todo o potencial para pertencer a ele. O Brasil é conhecido por suas excelentes campanhas de vacinação e do incentivo à vacinação. Temos cientistas e profissionais extremamente capacitados, fazemos ciência de qualidade, mesmo sob ataques e cortes de investimentos. Poderíamos estar num outro ponto se tivéssemos feito o que sabíamos que era necessário”, lamenta. Para Mellanie, diante da situação pela qual o país passa em relação à pandemia, a responsabilidade é de todos. 

Após um ano e meio de pandemia, Andréa enfatiza que já se conhece muito bem como o vírus se comporta e a população tem sua parcela de responsabilidade na situação, assim como as esferas governamentais. “Uma grande parcela de culpa também é das fake news, da pessoa que divulga uma informação sem embasamento científico. Acho que essa pessoa tem que ser mais responsabilizada, porque está evitando que a população tenha acesso às informações corretas e que não adote as medidas necessárias”, complementa.

A variante delta e a importância da vacinação 

Conforme explica Andréa Dal Bó, a variação delta tem chance de transmissão muito maior, semelhante à varíola. Segundo ela, a transmissão passa de uma pessoa para sete. “Para se ter ideia, a inicial do vírus era de uma para dois. A quantidade, a carga viral da variante delta chega a ser mil vezes maior que a carga viral do vírus inicial. Além disso, ela tem um período de incubação menor, enquanto o vírus inicial era de seis dias, com a delta cai para três. Ela tem uma facilidade de transmissão muito maior, por isso a nossa grande preocupação em relação aos não vacinados”, explica, acrescentando que a preocupação se estende também àquelas pessoas que tomaram apenas uma dose da vacina. 

Um estudo divulgado recentemente na revista New England Journal of Medicine, aponta que a eficácia da primeira dose da Astrazeneca e da Pfizer contra a nova variante cai de 50% para 35%. Com as duas doses a taxa de proteção chega a quase 80% na Pfizer e 79% na Astrazeneca. 

Por isso, reforça Andrea, é fundamental que as pessoas tomem a segunda dose das vacinas. Ela também destaca que ainda não há estudos em relação ao comportamento e a gravidade da doença quando se trata da variante delta. Sabe-se que apresenta uma menor perda de olfato e de paladar, mas continua sendo um quadro de síndrome gripal da mesma forma como as demais.

“A vacina não evita a ocorrência da doença, mas evita uma gravidade da doença. Aqui no Brasil não sabemos como ela vai se comportar, porque temos uma parcela pequena da população com as duas doses da vacina”, expõe a infectologista.

Um dos países mais avançados na imunização, Israel já aplicou a segunda dose em mais de 80% de sua população. Com o avanço da variante delta, o país apresentou o maior número de infecções desde fevereiro. A previsão do governo, que planeja impor novos lockdowns e aplicar reforço de doses a idosos, é que até 10 de setembro, o número de pacientes internados deve dobrar a cada dez dias, sendo metade deles casos graves.

Dados da Fiocruz indicam interrupção na tendência de queda, com possível retomada do crescimento do número de casos e de óbitos por Síndrome Respiratória Aguda Grave (SRAG) no país. O Rio Grande do Sul é um dos estados que apresenta sinal de crescimento.


Probabilidade de crescimento da covid-19 em curto e longo prazo / Reprodução/Fiocruz

De acordo com Mellanie Fontes Dutra, o atual momento é importante para aderir aos alertas emitidos. “Ainda não estamos vendo um grande crescimento de casos e hospitalizações, mas já percebemos algumas reversões de tendência, e as flexibilizações atuais preocupam diante disso”, aponta. 

Ainda, de acordo com a coordenadora da Rede Análise Covid-19, é grande o número de suscetíveis e pessoas parcialmente vacinadas. “Se todos aderirmos às medidas de enfrentamento e acelerarmos a vacinação, podemos reduzir o risco dessa onda ser muito intensa, e sabemos o preço alto por experienciá-la. Ainda, com a transmissão alta, com muitos novos casos surgindo, temos o risco de ver variantes com adaptações ainda mais preocupantes surgirem.” 

Medidas de enfrentamento ainda são necessárias

Mellanie reforça que as pessoas devem se preocupar com quaisquer variantes em circulação, especialmente se estiver em alta transmissão. “Estaremos protegidos e venceremos a pandemia quando vacinarmos o máximo da população alvo, ampliando-a para atingir novas faixas etárias, e quando controlarmos a transmissão, com as medidas de enfrentamento somadas a vacinação em massa”, afirma a biomédica, reforçando que as vacinas têm ajudado a proteger a população. 

“Junto da vacinação, para o controle da transmissão, as medidas de enfrentamento são necessárias, como o uso de máscara, distanciamento físico sempre que possível e a preferência por ambientes abertos e bem ventilados”, aconselha. E para aquelas pessoas que andam tirando a máscara, ela destaca que o uso da proteção ainda é extremamente necessário. 

Andréa complementa que é preciso ter pelo menos 70% da população com a vacinação completa para se ter um impacto sobre hospitalização e óbitos. No momento, cerca de 22% dos brasileiros receberam as duas doses. “Não podemos ainda relaxar com relação a essas medidas de flexibilização, de uso de máscara, justamente por causa disso. Sabemos que uma dose da vacina não faz muita diferença para a delta, daí a necessidade das pessoas manterem as medidas de distanciamento social, evitar aglomerações, principalmente porque a delta tem uma transmissibilidade muito maior e a gente tem um público de pessoas não vacinadas grande, ou de com uma única dose. E também sem sombra de dúvida a necessidade do uso de máscara que já está mais do que comprovada a sua eficácia”, finaliza.

 

Fonte: BdF Rio Grande do Sul

Edição: Katia Marko