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Messi, PSG e Barcelona em busca de uma alma

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Messi é a estrela com a qual os xeiques do Catar sempre sonharam. Talvez seja o jogador habilidoso, capaz de jogar para e com a equipe que faltava ao PSG em campo - Creative Commons
A imagem do PSG, hoje, se funde e se confunde com a do brasileiro Neymar: arrogante e narcisista

Lionel Messi é provavelmente o maior jogador de todos os tempos. Mas jamais despertou a paixão que Pelé ou Maradona produziram. Talvez porque tenha deixado a Argentina ainda muito jovem e, até o mês passado, jamais havia conquistado um título profissional pela seleção do seu país.

Messi parecia ter encontrado sua alma no Barcelona. A sua identidade e identificação eram, até então, muito mais forte com o time catalão. E vice-versa. Messi parecia encorporar a ideia do futebol arte do Barcelona, primeiro com Pep Guardiola e depois mesmo sem ele.

Ao mesmo tempo, em que ajustava-se perfeitamente à oposição histórica entre o Barcelona e o Real Madrid. Mesmo sem nascer na Catalunha, Messi carregava os valores culturais e até independentista do clube azul grená. Esta simbiose estava completa pela antiga mistica de ter sido o único clube profissional de Messi, como os jogadores de uma distante Era de Ouro do futebol.

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A presença de Messi era o que nos impedia de perceber que o Barcelona há muito perdeu sua alma. Já há algumas temporadas o time era mecânico e medíocre em campo, longe de encontrar um estilo de jogo que o tornou o maior time do século XXI.

Fora de campo, assim como o seu arqui rival madrilenho, o Barcelona estava mais preocupado em internacionalizar sua marca, em se tornar uma equipe global, mesmo que isso significasse ter mais cadernos ou camisas com a estampa do time vendidos em Nova Déli ou em São Paulo do que torcedores no Camp Nou.

Parte da identidade do Barcelona vinha justamente de suas raízes locais, da profunda identificação entre a Catalunha e a equipe. Quanto mais distante desta relação, mais desfigurado o clube se tornava. Ironia do destino, o último vínculo entre a alma rebelde catalã era a presença do argentino. Evidentemente, o Barcelona não apenas pode recuperá-la, como conseguirá se, mais uma vez, reestabelecer sua identidade com seu território e com sua torcida original.

Quanto a Lionel Messi, ele tem pela frente o desafio de jogar em um time sem alma. Fundado no final da década de 1970 pela elite parisiense, o Paris Saint Germain nasceu para suprir a ausência de um grande time de futebol na mais famosa capital europeia.

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Sem ter causado entusiasmo popular, o clube tentou formar uma torcida diminuindo o preço dos ingressos e facilitando o acesso às partidas. Como efeito colateral, o PSG produziu uma torcida de ultras, torcedores agressivos e violentos como os hooligans ingleses, e muitas vezes racistas e xenófobos.

Enquanto isso, o clube era sucessivamente vendido e desfigurado pelas trocas constantes de administração. Em 2011, finalmente o clube foi adquirido por um fundo de investimentos pertencente à família real do Catar.

Investindo milhares de dólares para se tornar uma marca global, com contratações de jogadores como David Beckham e Ibrahimović por valores astronômicos. Em campo, a imagem do PSG, hoje, se funde e se confunde com a do brasileiro Neymar: arrogante e narcisista, mas fracassado nos torneios internacionais.

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Contraditoriamente, ainda que tenha se tornado conhecido internacionalmente, a torcida do clube mais uma vez se transformou, sem respeitar os planos de sua diretoria.

Seja por suas estrelas, seja pela origem muçulmana dos seus proprietários ou ainda pelo público desprezo da extrema-direita francesa pelo clube, o PSG se tornou o time dos imigrantes árabes e africanos da periferia parisiense, muito mais apaixonados pelo futebol do que a elite da capital francesa e em busca de um time para adotar e serem acolhidos numa nova comunidade.

Messi é a estrela com a qual os xeiques do Catar sempre sonharam. Talvez seja o jogador habilidoso, capaz de jogar para e com a equipe que faltava ao PSG em campo. Mas, também, trás da Catalunha valores que podem ligá-lo e identificá-lo com a torcida verdadeira do clube e humanizá-lo. Se a versão mercantil prevalecer, em pouco se alteram os atributos do PSG. Mas Messi, assim como agora o Barcelona, terá perdido sua alma.


*Miguel Stedile é Doutor em História pela UFRGS e editor do Ponto Newsletter

**Este é um artigo de opinião. A visão do autor não necessariamente expressa a linha editorial do jornal Brasil de Fato.

Edição: Leandro Melito