Repercussão política

Futuro do Afeganistão será munição para republicanos, diz jornalista veterano dos EUA

Biógrafo da vice-presidenta, Dan Morain avalia que Harris será cobrada por possíveis abusos contra as mulheres afegãs

Brasil de Fato | São Paulo (SP) |
Biden foi atacado por lideranças da oposição pela saída do Afeganistão. - Oliver Douliery / AFP

As imagens do caos no aeroporto de Cabul serão reprisadas “repetidamente” nas próximas eleições e, embora o episódio represente uma derrota para o governo de Joe Biden, é cedo para calcular o impacto dos acontecimentos. A avaliação é Dan Morain, jornalista com mais de quatro décadas de experiência na cobertura da política dos Estados Unidos.

“As imagens que vieram do Afeganistão e estão vindo do Afeganistão no final de semana, e hoje, são feias e são algo que a administração deve responder. Mas, dito isso, a administração Biden está refletindo a atitude da nação, que é de que vinte anos é muito tempo, nós gastamos muito dinheiro e muita gente morreu no Afeganistão”, avalia Morain. “É tempo de seguir em frente.”

Pesquisas de opinião recentes mostram uma mudança na visão da população estadunidense sobre a guerra mais longa de sua história. Levantamento da Gallup indica que em 2002, com poucos meses de conflito, 93% da população dos EUA não considerava a guerra um erro, enquanto 6% a considerava um equívoco. Estes números foram lentamente se aproximando até que, pela primeira vez em 2014, a maioria dos entrevistados afirmou considerar o conflito um erro. A pesquisa mais recente da série histórica foi divulgada em julho de 2021: 47% dos entrevistados afirmaram que o envolvimento militar dos EUA no Afeganistão foi um erro, enquanto 46%, não. 

Os dados, contudo, são diferentes quando separados pela orientação partidária dos entrevistados. Desde 2001, os republicanos sempre foram mais favoráveis ao conflito do que os democratas e os independentes. No levantamento mais recente, 56% dos democratas classificaram a guerra como um erro, mesma opinião de 54% dos independentes. Já entre os republicanos, 29% classificaram o episódio como um equívoco.

Ainda assim, o ex-presidente republicano Donald Trump também defendia a retirada das tropas do Afeganistão. É de Trump o acordo entre a Casa Branca e o Talibã que previa a saída da invasão militar dos EUA do país em 2021. Biden apenas adiou em alguns meses a data. 


Talibã faz a guarda do Ministério do Interior do Afeganistão. / Javed Tanveer / AFP

Todavia, isso não impediu Trump de atacar Biden pelo episódio. “É uma grande coisa que estamos saindo, mas ninguém jamais lidou com uma retirada pior do que Joe Biden”, disse Trump na Fox News. “Este é o maior constrangimento, creio eu, da história do nosso país.”

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Outras lideranças republicanas também colocaram Biden na mira. O senador Mitch McConnell, líder da minoria no Senado, afirmou que a saída do Afeganistão foi uma “falha vergonhosa da liderança americana” e que “terroristas e grandes competidores como a China estão assistindo ao constrangimento de uma superpotência abatida."

Morain avalia em entrevista ao Brasil de Fato que os republicanos devem explorar o episódio pelo poder das imagens das tropas em retirada e também por Biden costumar usar como bandeira eleitoral sua experiência em política internacional. 

“Os republicanos irão atrás de Biden. Com certeza veremos imagens do que aconteceu no final de semana repetidamente nas próximas eleições. Isso é bem claro. Dito isso, precisaremos descobrir o que acontecerá em seis meses, e daqui a doze meses e nos próximos anos. Ele não enfrentará a reeleição até 2024, então é um longo caminho”, analisa o veterano jornalista. 

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Embora Morain avalie que seja “muito cedo” para escrever o obituário político de Biden e da vice-presidenta Kamala Harris, ele acredita que a situação das mulheres afegãs sob o Talibã pode ter repercussão nos Estados Unidos

“Se daqui a seis meses houver relatos de que meninas e mulheres estiverem sendo oprimidas terrivelmente no Afeganistão, e eu não ficaria chocado se isso acontecer, isso não vai cair bem na América. Isso afetará Harris. Ela já falou sobre os direitos das mulheres, da importância dos direitos das mulheres e dos direitos humanos. Se as mulheres forem oprimidas como elas eram quando o Talibã governava nos anos 1990, isso será um problema”, antecipa Morain. 

Autor do livro "Kamala Harris: A vida da primeira mulher vice-presidente dos Estados Unidos", lançado no Brasil pela editora Agir, o jornalista acredita que Harris certamente será cobrada pelo episódio de uma maneira que seu antecessor no cargo, Mike Pence, não seria. 

Morain ainda prevê outro elemento que movimentará a política nos Estados Unidos: o futuro dos refugiados e imigrantes do Afeganistão. O tema pode ganhar relevância especial, já que Harris é filha de imigrantes. A Casa Branca autorizou o gasto de até US$ 500 milhões (cerca de R$ 2,67 bilhões) para seu Fundo de Assistência para Refugiados e Migrantes, com o objetivo de atender "as necessidades urgentes e inesperadas" do Afeganistão, declarou que o país vai receber 22 mil imigrantes do país que invadiu em 2001 e do qual agora se retirou. 

Edição: Arturo Hartmann