Coluna

Tropa na rua e palanque armado

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Bolsonaro sabe que o pior dos mundos para um mito é a perda da fé de seus seguidores e por isso apela para seu último recurso: o uso da força - Marcos Corrêa/PR
Mais do que sinal de força, essa convocatória pode denunciar a fraqueza de Bolsonaro

Olá! Os sinais dos desejos autoritários de Bolsonaro estão aí. Mas, será uma Marcha sobre Roma de Mussolini na Itália ou um autogolpe fracassado como o de Jânio Quadros no Brasil? 

 

.A revolução dos bichos. A República começou a semana em polvorosa com a promessa de uma marcha de policiais sobre São Paulo no dia 7 de setembro. O movimento é puxado principalmente por policiais aposentados, financiados por setores do agronegócio e insuflados por pastores evangélicos.  A ameaça deve ser levada a sério, especialmente porque conta com a conivência das Forças Armadas, que convenientemente cancelaram seu desfile oficial do Dia da Independência. Porém, mais do que sinal de força, essa convocatória pode denunciar a fraqueza de Bolsonaro. A tempestade perfeita contra o capitão foi resultado de uma sucessão de blefes e derrotas: da PEC do voto impresso à prisão de Roberto Jefferson, passando pela sabatina de Braga Netto na Câmara e a desmoralização de Sérgio Reis. Mas Bolsonaro sabe que o pior dos mundos para um mito é a perda da fé de seus seguidores e por isso apela para seu último recurso: o uso da força. Com isso, talvez ele esperasse não ter mais que obedecer às decisões do STF ou inviabilizar a chegada de Alexandre de Moraes à presidência do TSE. Mas mesmo que o pedido de impeachment contra o ministro do Supremo tenha sido arquivado por Rodrigo Pacheco, blindando ações mais ousadas contra o STF, o tom da reunião do Fórum dos Governadores, que defendeu o diálogo entre os poderes, mostra que ninguém está disposto a pagar para ver se o golpe é ou não é apenas mais um blefe.

 

.Campanha de guerra. A verdade é que, em parte, Bolsonaro já conseguiu o que queria: mobilizou suas bases, causou medo, pautou a conjuntura e, mais uma vez, produziu um clima de empate. Além disso, concentrar as mobilizações em São Paulo atinge em cheio a moral de João Dória, que mais uma vez tentava se firmar como o candidato da direita. Em resposta, o tucano foi buscar apoio dos demais governadores para isolar o capitão. Tudo isso demonstra que, por detrás da retórica golpista, o verdadeiro objetivo de Bolsonaro talvez seja mesmo ganhar tempo e preparar-se para a campanha de reeleição. Sinal disso é que nas redes, os bolsonaristas já mudaram o tom, e ao invés de ameaças às instituições, agora falam em defesa da liberdade e da Constituição. A operação reeleição deve começar assim que a CPI da Covid terminar e a confusão deve ser a tônica, no melhor estilo trumpista. Seguindo o roteiro, daqui até 2022 deve haver uma reforma ministerial para matar a fome do insaciável centrão, a filiação do capitão a algum partido- já mais do que tardia -, a montagem de palanques nos estados e um embate com Lula. No entanto, a simples ameaça de um golpe policial e paramilitar no meio do caminho, que lembra a experiência boliviana de 2019, é arriscadíssima e um acidente de percurso no dia 7 pode culminar em um confronto final, alerta Luís Nassif. 

 

.O grande Augusto Nacional. Diante do clima de instabilidade política, seria esperado que o Senado, que vinha se colocando como uma das barreiras ao bolsonarismo, pudesse mandar um recado ao Planalto e, pelo menos, complicar a vida de Augusto Aras em sua sabatina para a recondução ao cargo de Procurador Geral. Responsável por recuperar o termo tucano de “engavetador geral” e de servir como primeira trincheira de proteção ao Planalto, quase um advogado geral, Aras teve um dia tranquilo em companhia dos senadores. Ou como resumiu Vera Magalhães, “Aras conseguiu o milagre de obter um apoio suprapartidário no momento mais radicalizado da polarização política do Brasil”. A explicação para o milagre é simples. Aras argumentou que sua gestão acabou com a “criminalização da política”. Ou, em bom português, encerrou a Lava Jato, operação que cultivava um desprezo recíproco pelo Parlamento. É verdade que algumas questões sobre os impulsos golpistas de Bolsonaro foram feitas e que Aras minimizou como “bravatas ditas em uma live", uma declaração recebida com aparente tranquilidade pelos senadores. Além do placar folgado, 55 votos a 10, Augusto Aras também ganhou um “engavetamento” para chamar de seu. O ministro Dias Toffoli rejeitou o pedido de investigação do Procurador por cinco integrantes do Conselho Superior do Ministério Público Federal. Talvez Toffoli também estivesse relembrando os subprocuradores que a Lava Jato já morreu ou simplesmente, em campanha nos bastidores para a nomeação de André Mendonça, tirando o principal concorrente do páreo, deixando-o confortavelmente onde está.

 

.Oi, sumida! Ex-centro das atenções da conjuntura política há dois meses atrás, a CPI da Covid viu sua temperatura baixar depois do recesso parlamentar. Desde a volta aos trabalhos, a comissão perdeu tempo sem novas descobertas com o esquema da Davati, com o silêncio de depoentes e com a hostilidade nada silenciosa do deputado Ricardo Barros. O freio na CPI diminuiu também o ânimo das manifestações e, depois da votação sobre o voto impresso, parece improvável que o relatório de Renan Calheiros possa ressuscitar o impeachment. A CPI já desistiu de ouvir o general Braga Netto, de fazer a acareação entre Onyx Lorenzoni e Luis Miranda e até de ouvir novamente Ricardo Barros. Na sua despedida e tentando recuperar alguma relevância, a comissão ainda deve gastar chumbo com Barros e as relações estranhas entre empresas próximas ao deputado e o ministério da Saúde. A CPI pode ter uma sobrevida com a denúncia de que Flávio Bolsonaro intermediou as negociações da Vaxxinity, vacina sem autorização nem nos EUA e nem aqui, com uma empresa que - claro - envolve um militar e vende de peças de caminhões à malas. Do contrário, Renan Calheiros cogita entregar o relatório final em setembro, dois meses antes do previsto. E o anúncio de denúncia de Bolsonaro por charlatanismo parece não incomodar o Planalto. Além de pressionar pelo fim do uso das máscaras, o governo vetou verbas para o combate à pandemia no ano que vem e não quer indenizar as famílias de profissionais de saúde que morreram por covid-19. Quem também parece ter sido esquecida, mas não acabou, é justamente a pandemia. A variante Delta já levou a ocupação de UTIs ao seu limite máximo em oito municípios do Rio e tem pela frente um país inteiro onde apenas ¼ da população está imunizada. Mesmo assim, a terceira dose tem sido tratada muito mais como parte da gincana entre Dória e Bolsonaro pela vaga da direita no segundo turno do que como caso de saúde pública.

 

.Tudo com preço de aeroporto. Enquanto Bolsonaro e o Comando Maluco ensaiam uma quartelada, o poder já foi tomado por uma velha conhecida dos brasileiros. A inflação deve chegar a 7,11% ao final do ano, segundo o Banco Central, o maior índice desde 2015. Como um efeito dominó, a alta dos preços freia e corrói o crescimento da indústria e reduz também a velocidade do varejo, esperançoso apenas com um milagre de natal. A tendência é vista com preocupação pelo presidente do Banco Central, Campos Neto, que receita como remédio o aumento dos juros, e vem criticando a falta de empenho do governo em atrair investimentos externos. Com a carne ultrapassando os R$ 40 e o litro da gasolina acima de R$ 7, não sabemos onde a inflação vai parar, mas sabemos onde ela começou: no Palácio da Planalto. Graças à política cambial de Paulo Guedes, a exportação de alimentos é mais atrativa que o mercado interno. Como resultado, nunca o agronegócio lucrou tanto, enquanto o país volta ao Mapa da Fome. Outra proeza da política econômica foi herdada do governo Temer: a política de preços da Petrobras acompanha a variação internacional do dólar, aquela moeda que o governo valorizou em relação ao real, e do barril de petróleo. E os combustíveis, assim como a energia elétrica, também em alta graças à crise hídrica e à desregulamentação do setor, são produtos referenciais: contaminam toda a cadeia de preços. Em quatro capitais - Porto Alegre, Goiânia, Fortaleza e Curitiba - a inflação acumulada ao ano já ultrapassa os 10%. A pobreza aumentou em todo país, disparando no sudeste e nordeste; e, 73% dos brasileiros estão endividados. Um dos setores que absorveu boa parte dos desempregados, os motoristas e entregadores por aplicativos, é justamente um dos mais atingidos pelo preço da gasolina . Em Uberlândia (MG), os entregadores realizaram uma paralisação de cinco dias por  melhores condições de trabalho e aumento da taxa de entrega paga.

 

.Safari Amazônico. Quem sonhava que a saída de Ricardo Salles do Ministério do Meio Ambiente significaria uma mudança de rota na política ambiental estava muito enganado. As áreas queimadas no Pantanal este ano já se aproximam dos índices de 2020, que bateram o recorde da série histórica. O fogo aproximou-se do núcleo urbano de Bela Vista (MS) e destruiu pelo menos 18% do território indígena dos Kadiwéu. Em São Paulo, o Parque Estadual do Juquery também sofre há dias com o incêndio que já destruiu cerca de 80% da mata nativa, produzindo uma chuva de fuligem na capital paulista e arredores. Segundo o estudo MapBiomas, há sinais de que o Pantanal está morrendo. Nos últimos 35 anos, a região perdeu cerca de 68% de suas águas superficiais, e o território brasileiro perdeu 15%. Já a Floresta Amazônica, a longo prazo tende a se converter numa extensa savana. Para os próximos anos pode-se esperar secas mais prolongadas e temperaturas mais altas no país, o que vai afetar o abastecimento de água nas cidades, a produção de alimentos e a geração de energia. A intervenção humana tem sido decisiva para esse fenômeno, como o desmatamento, a construção de barragens e de hidrelétricas, a poluição e a superexploração dos recursos hídricos. Outro mecanismo que impulsiona a destruição ambiental é a expansão do agronegócio e da mineração sobre os territórios indígenas. Nesse caso, a disputa em torno do chamado marco temporal tem tudo a ver com a questão ambiental. Defendido pelo governo, o marco temporal considera passível de demarcação apenas os territórios ocupados efetivamente em 1988. A medida está sendo questionada no STF e um acampamento com mais de 6 mil indígenas de cerca de 170 etnias acompanha o julgamento que deveria ocorrer esta semana, mas foi adiado para o dia 1º de setembro.

 

.Ponto Final: nossas recomendações.

.O sepultador acolhedor. O podcast da Rádio Novelo e da Repórter Brasil que acompanha o dia a dia de um trabalhador conta a jornada de Adenilson Souza Costa, coveiro do maior cemitério da América Latina.

.Pandemia e aulas presenciais: estamos no caminho certo? A professora Bárbara Pontes escreve para a Tricontinental e o Brasil de Fato sob quais condições educadores e estudantes estão voltando às aulas na pandemia.

.O subdesenvolvimento como projeto de futuro para o Brasil. Artigo do economista Ricardo Dathein no Sul21 explica porque os interesses do rentismo e do agronegócio aprisionam o país no atraso.

.O mundo sombrio dos 'incels', celibatários involuntários que odeiam mulheres. A BBC ingressa no mundo dos jovens celibatários e misóginos e demonstra porque eles estão no centro de assassinatos e feminicídios nos EUA.

.Potencial criativo e país ameaçado. Na Piauí, o cineasta Eduardo Escorel escreve sobre como os melhores filmes da Mostra de Curtas de São Paulo nos lembram que não vivemos sob condições normais.

.Mostra Ecofalante de Cinema. A 10ª edição da Mostra Ecofalante inclui dezenas de longas e curta metragens, nacionais e internacionais, com temáticas sobre biodiversidade, trabalho, lutas e tecnologias, gratuitamente.

 

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Ponto é editado por Lauro Allan Almeida Duvoisin e Miguel Enrique Stédile.

Edição: Vivian Virissimo