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Meu amigo russo e sua família

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A mãe, já viúva, cuidava de quatro filhos, e ela também tinha medo dos comunistas. Pra onde fugir? América! Esse era o destino de muitos na mesma situação que eles - Creative Commons
Quando alguém tinha maus pensamentos, bastava lavar as mãos. Lavou as mãos, tá perdoado

Nhacanhá tovarischchi!

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Segundo um amigo descendente de russos, esse era um grito de guerra durante a Revolução de 1917, significando “Avante camaradas!”, ou “Aos cavalos, camaradas!”.

Cada hora ele traduz de um jeito, mas o sentido é mais ou menos o mesmo: vamos pra batalha! Se bem que consultei dicionários de russo e em nenhum tinha “nhacanhá”.

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Claro que ele não estava lá, pois essa revolução aconteceu há mais de cem anos. O pai dele estava. E não do lado dos revolucionários, era um oficial do exército do Czar.

Com a vitória da revolução, a família fugiu para a China e lá nasceu meu amigo Victor, em 1944. Dali cinco anos, outra revolução abalou as estruturas da família conservadora. Em 1949 a China também se tornou comunista.

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A mãe, já viúva, cuidava de quatro filhos, e ela também tinha medo dos comunistas. Pra onde fugir?

América! Esse era o destino de muitos na mesma situação que eles. As duas filhas, já moças, pegaram um navio; e ela e os dois meninos mais novos pegaram outro. Todo mundo para a América.

Acontece que o navio das duas moças foi para a América do Norte, enquanto o da mulher e os dois meninos se destinava à América do Sul. Ao Brasil. Não entendiam que a América era muito mais do que o país dos gringos. Acontecia muito isso.

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De qualquer forma, continuaram vivendo distantes, se comunicando por cartas.

Depois de anos, descobriram muitos parentes em várias partes do mundo. Entraram em contato e marcaram um grande encontro em São Paulo. Quase cem pessoas.

Fizeram uma festa aqui. Alugaram uma quadra, que encheram de mesas, e fizeram um churrasco. Foi quando meu amigo Victor conheceu um monte de parentes, incluindo uma prima muito bonita.

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Bom... toda a família permaneceu junta a uma seita ligada à Igreja Ortodoxa russa. E nessa seita tinha uma maneira muito interessante de obter perdão pelos pecados. Por exemplo: quando alguém tinha maus pensamentos, bastava lavar as mãos. Lavou as mãos, tá perdoado.

Nesse encontro festivo, o pessoal foi chegando, se apresentando... e de repente entra no recinto aquela beldade. Uma jovem russa de parar o trânsito, como se dizia antigamente.

Um bando de homens de idades variadas ficou de olhos vidrados nela, e sabem o que aconteceu?

Logo em seguida havia uma fila de homens diante da pia, para lavar as mãos.

*Mouzar Benedito é escritor, geógrafo e contador de causos. Leia outros textos

**Este é um artigo de opinião. A visão do autor não necessariamente expressa a linha editorial do jornal Brasil de Fato.

Edição: Daniel Lamir