Atlas da Violência

Em dez anos, 121 mil pessoas morreram no Brasil sem que a causa fosse determinada

Em 2019, 16 mil brasileiros não tiveram o motivo de suas mortes revelado, um aumento de 35% em relação a 2018

Brasil de Fato | São Paulo (SP) |

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Em 2019, o Brasil alcançou o ápice no número absoluto de mortes por causa indeterminada na década: foram 16.648 - Créditos: @marcelanicolass/Frente Brasil Popular-MG

O Atlas da Violência 2021, apresentado nesta terça-feira (31), revela que o Estado brasileiro não identificou o motivo do óbito de 16.648 cidadãos em 2019. Em dez anos (desde 2009), são 121.457 Mortes Violentas por Causa Indeterminada (MVCI) no país. David Marques, coordenador de projetos do Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP), explica que a responsabilidade desse déficit deve ser dividida entre diverses entes e autoridades públicas.

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“Todos os anos, você tem uma proporção das mortes por agressão, os óbitos por causa externa, que não se pode, ao menos no primeiro momento, atestar se aquela lesão foi decorrente de uma ação intencional de uma outra pessoa, ou seja, um homicídio, se foi um acidente ou se foi uma lesão autoprovocada (suicídio). Esses são os três principais tipos”, apresenta Marques.

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“Nesse caso, como o sistema de Saúde aperfeiçoa esse dado? Por meio de troca de informação e de articulação, com as secretarias municipais de Saúde, com a polícia, a perícia, enfim, você vai qualificando essa base.”

O Atlas da Violência 2021, elaborado pelo FBSP, Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) e Instituto Jones dos Santos Neves (IJSN), apresenta os dados de 2019, coletados durante o ano de 2020, período em que a pandemia do coronavírus se espalhou pelo país. “Até podemos entender que  2020 tenha sido um ano especialmente difícil para o sistema de saúde qualificar esses dados, por conta da pandemia. Mas se você olhar na série histórica, percebe que esse problema é anterior”, explica Marques.

Em 2019, o Brasil alcançou o ápice no número absoluto de mortes por causa indeterminada na década, foram 16.648, 35,2% acima de 2018, quando 12.310 não tiveram o motivo de sua morte revelado pelo Estado. Cinco anos atrás, em 2014, eram 9.788 falecimentos sem diagnóstico, 75% a menos.

Entre os estados que apresentaram maiores altas, entre 2018 e 2019, estão o Rio de Janeiro, onde houve um aumento de 237% no número de mortes não identificadas, um salto de 1.440 para 4.774; no Acre, a alta foi de 180%, saindo de 5 para 14; e em Rondônia houve um crescimento de 178% no número de óbitos desconhecidos, saindo de 23 para 64.

Para Marques, a culpa da ausência de investigação sobre a causa da morte não pode ser imputada “apenas às polícias, embora em alguns estados os institutos de perícia estejam ligados às polícias.”

“A qualificação de perícia é um desafio grande. O Brasil avançou nisso, mas principalmente os estados mais pobres ainda sofrem com essa precarização. Por outro lado, a partir do momento em que você não tem essa qualidade, o trabalho da polícia precisa indicar dados para esclarecer se é um homicídio, um suicídio ou um acidente, ainda assim dependeria de construção de articulação para que essa informação policial chegasse na estatística do sistema de Saúde. Conversando, parece muito óbvio. Mas na ponta, isso não é muito óbvio de ser feito”, encerra o pesquisador do FBSP.

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Queda nos homicídios

Se o número de mortes sem causa identificada cresceu 35,2% em 2019, em relação a 2018, o número de homicídios caiu em escala similar, 21%, recuando de 57.956 para 45.503. No Atlas da Violência 2021, os pesquisadores explica que o crescimento de casos de óbitos sem causa definida pode significar uma subnotificação de assassinatos.

“Em suma, o crescimento das mortes violentas por causa indeterminada dificulta uma melhor compreensão da evolução da violência letal no Brasil. Pela dimensão desse crescimento, não está invalidada, por exemplo, a conclusão de que houve uma queda da taxa de homicídios no Brasil em 2019, mas reduz-se a precisão da magnitude dessa diminuição”, explicam os pesquisadores.

Em outro trecho do relatório, há outra menção à gangorra entre queda de homicídios e alta das mortes não identificadas. “Apenas para exemplificar, é possível citar a situação dramática do Rio de Janeiro, em que a taxa de homicídios diminui 45,3% em 2019, ao passo que a taxa de MVCI aumentou 237% no mesmo ano”, diz o relatório.

Ainda de acordo com a equipe, a imprecisão desses dados afetam, também, os resultados de outros índices de violência e grupos, como juventude, negros e não negros, indígenas, mulheres e homens e homicídios por armas de fogo.

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Edição: Vinícius Segalla