Coluna

Os crimes da CBF e Nike

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A Seleção Brasileira de Futebol subiu ao pódio das Olimpíadas de 2021 com o uniforme da chinesa Peak amarrado na cintura, para dar visibilidade à Nike - LUCAS FIGUEIREDO/CBF
A CBF é a cara da Nike. A seleção brasileira é a cara da Nike

Faz tempo que a Confederação Brasileira de Futebol (CBF) é um covil de facínoras. Os crimes praticados por seus dirigentes estão entre os maiores escândalos do futebol mundial. Diversos executivos deixaram os cargos após envolvimento em corrupção e lavagem de dinheiro.

Ricardo Teixeira (1989 a 2012), foi banido do futebol pela Fifa, após a comprovação de que recebeu mais de R$ 30 milhões em propina. Responde a processos nos Estados Unidos e na Espanha. Foi ele que trouxe o patrocínio da Nike, investigada nos Estados Unidos por subornar Teixeira através de uma rede de contas em paraísos fiscais.

José Maria Marin (2012 a 2015) foi condenado pela justiça norte-americana por seis crimes, dentre eles organização criminosa e lavagem de dinheiro. Foi preso na Suíça em 2015, durante uma operação do FBI que revelou o “Fifagate”, no qual a Nike foi acusada de oferecer propina a dirigentes colombianos.

Marco Polo Del Nero (2015 a 2017) banido do futebol pela Fifa. Recebeu sistemáticos aportes de dinheiro de J. Hawilla, réu confesso nos Estados Unidos. Hawilla, dono da Traffic Group, admitiu pagamentos de propina a Del Nero, em troca de vantagens envolvendo a transmissão de jogos. Em 1996, Hawilla intermediou o contrato de patrocínio da CBF com a Nike, na gestão de Ricardo Teixeira.

Rogério Caboclo (2019 a 2021) foi afastado do cargo após uma funcionária da CBF denunciar assédio sexual e moral. Caboclo fez um acordo com o Ministério Público, pagou R$ 100 mil e ainda responde a outras acusações, também de assédio moral e sexual.

Patrocinadores

A CBF, entidade sem fins lucrativos, vive de patrocínios e direitos de transmissão. A maior parte do dinheiro legalizado vem de patrocínios: R$ 365 milhões por ano. Nesse montante, a seleção brasileira é a galinha dos ovos de ouro, gerando 98% do recurso. Outros R$ 300 milhões entram como direitos comerciais e de transmissão.

O dinheiro ilegal vem de propina. São parceiros comerciais que pagam a corrupção “por fora”, muitas vezes em paraísos fiscais.

Os principais patrocinadores da CBF são Nike, Itaú, Vivo e Guaraná Antarctica/Ambev. A Nike é a que mais injeta dinheiro. Mais de R$ 160 milhões, segundo fontes do meio.

A CBF é a cara da Nike. A seleção brasileira é a cara da Nike. É da Nike o modelito que os atletas envergam quando entram em campo.

CBF é Nike. A empresa patrocina a entidade, patrocina a seleção, patrocina atletas individualmente, mediante contratos em separado.

Pandemia

A CBF não toma decisões sem o aval da Nike. No último domingo, em jogo pelas eliminatórias da Copa, a CBF intercedeu, junto ao governo brasileiro, para violar a legislação sanitária e manter em campo jogadores argentinos. Quatro atletas mentiram nos papeis de imigração. Esconderam que estiveram no Reino Unido para disputar partidas por seus clubes.

O diretor da Anvisa, Antônio Barra Torres, declarou que nenhuma das orientações da agência foi cumprida pela Argentina, durante a preparação para o jogo. Enquanto as violações ocorriam, dirigentes da CBF tentavam violar as regras e obter uma “carteirada” do governo federal, para que a Argentina entrasse em campo com os jogadores que fraudaram os documentos de entrada no país.

O espetáculo não pode parar.

A responsabilidade da Nike

O que a Nike tem a ver com o que acontece na CBF? A Nike tem absolutamente tudo a ver. É ela a principal mantenedora da CBF.

O beabá da responsabilidade corporativa diz o seguinte: quem controla o fluxo do dinheiro é responsável pelo que acontece em todos os elos da cadeia produtiva. Pela lógica da devida diligência, as empresas que controlam o fluxo econômico da cadeia devem identificar, prevenir, mitigar e responder por danos que causem ou para os quais contribuam.

Ao bancar a CBF, a Nike é responsável pelas decisões tomadas pela entidade.

Os Estados Unidos, sede da Nike, têm legislação específica para a devida diligência. O Brasil não tem. A relação da Nike com a CBF está sendo investigadas nos Estados Unidos, mas não no Brasil. Por que será?

A Nike tem documentos públicos nos quais assume não violar os direitos humanos. Os direitos humanos foram francamente violados no último domingo (5), durante as eliminatórias da Copa. O comportamento da CBF colocou pessoas em grave risco, ao aceitar que não fossem cumpridas as regras sanitárias.

Nike é um nome inspirado na deusa grega da vitória militar. A logomarca, uma asa estilizada, vem acompanhado de uma frase: “Just do it”. Significa “faça isso”.

Fazer o que?

 

*Marques Casara é jornalista especializado em investigação de cadeias produtivas. Mestre em Comunicação e Semiótica pela PUC/SP. Leia outras colunas.

**Este é um artigo de opinião. A visão do autor não necessariamente expressa a linha editorial do jornal Brasil de Fato.

Edição: Anelize Moreira