Ato Golpista

Leonardo Sakamoto: Tietagem de Queiroz em ato golpista prova que corrupção nunca foi a questão

Há uma parcela de 15% da população que acredita em absolutamente tudo o que Jair diz, segundo o Datafolha

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Em ato na praia de Copacabana (RJ), Queiroz é tietado por apoiadores de Bolsonaro - Reprodução: Arthur Guimarães/TV Globo

Foi extremamente didática a recepção que Fabrício Queiroz teve de fãs de Jair Bolsonaro na manifestação golpista realizada na orla de Copacabana, nesta terça (7).

O operador das "rachadinhas", como são carinhosamente conhecidos os desvios de salários dos servidores da Assembleia Legislativa do Rio, foi tietado e tratado como estrela. 

Melhor, como um "pica do tamanho de um cometa" - para usar a icônica expressão por ele adotada para explicar o tamanho de seu medo em relação às investigações do Ministério Público sobre as maracutaias de corrupção.

E ele tinha razão. Em novembro do ano passado, Queiroz veio a ser denunciado junto com o ex-chefe, o ex-deputado estadual e hoje senador, Flávio Bolsonaro, por lavagem de dinheiro, apropriação indébita, organização criminosa e peculato.

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O desenrolar desse processo avança vagarosamente por conta de disputas sobre o foro e provas nos tribunais. Mas, no geral, tudo pode ser resumido à palavra "papai".

Da mesma forma, Queiroz, que já ficou escondido na casa do advogado da família Bolsonaro, Frederick Wassef, em Atibaia, e depois passou um tempo preso em meio ao processo das rachadinhas, está mais solto do que nunca. Deve estar se sentindo protegido. Ganha um pão com leite condensado quem descobrir quem é o seu anjo da guarda e vier me contar.

Há uma parcela de 15% da população que acredita em absolutamente tudo o que Jair diz, segundo o Datafolha. Esses fanáticos creem que há um complô contra seu "mito" e que Queiroz, seu amigo, é um trabalhador honesto e injustiçado.

Esse grupo põe fé quando Bolsonaro diz que acabou com a corrupção no Brasil e diga que garantiu transparência total - mesmo que ele, logo depois, ameace meter a porrada na boca de um jornalista que perguntou a razão de Queiroz ter depositado R$ 89 mil na conta da primeira-dama, Michelle.

Mas há uma parcela dos bolsonaristas radicais que sabe que Messias é mito, mas não é santo - e não se importa com isso. Para eles, não há problema algum se Bolsonaro tirar o seu cascalho. Pelo contrário, acham isso justo uma vez que ele estaria ajudando a livrar o Brasil do fantasma do comunismo.

Alerta de spoiler: o Brasil nunca foi um país comunista, mas o delírio é livre.

A preocupação desse grupo específico com o combate à corrupção é uma fraude tão grande quanto a honestidade do presidente da República.

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E não é só porque o Ministério da Saúde, que deveria se dedicar a combater a pandemia de covid-19, especializou-se em superfaturar para o bem de políticos, militares, religiosos, policiais, parecendo um microcosmo da cidade de Sucupira, de "O Bem-Amado", de Dias Gomes. Mas porque Bolsonaro vem sendo acusado de ter usado familiares como servidores-fantasma de seu gabinete, recolhendo os salários, durante os anos em que foi deputado federal. Nos mesmos moldes de Queiroz e Flávio.

E, ao que tudo indica, também do vereador Carlos Bolsonaro. Sim, Jair é o patriarca das rachadinhas.

Há também o grupo que tira selfie com qualquer pessoa famosa para ganhar likes. Contudo, este post não vai discutir patologias.

Ter o Queiroz do Rolo fazendo selfies como um herói em um protesto de bolsonaristas que pediam o fechamento do Supremo Tribunal Federal e do Congresso Nacional e criticavam a corrupção dos tempos do PT é um resumo desse ano bizarro de 2021.

Deveria ser tema de redação do Enem, se o Ministério da Educação não estivesse sem comando, claro. 

 

*Leonardo Sakamoto é jornalista e fundador da ONG Repórter Brasil. Escreve diariamente sobre política e direitos humanos no portal Uol.

**Este é um artigo de opinião. A visão da autora não necessariamente expressa a linha editorial do jornal Brasil de Fato.