Expointer

Agricultura familiar disputa espaço e atrai atenção na principal feira do agronegócio

Coordenador da Fetraf-RS comenta as diferenças entre os dois modelos e as dificuldades causadas pela estiagem

Brasil de Fato | Porto Alegre (RS) |
Douglas Cenci é coordenador da Federação dos Trabalhadores na Agricultura Familiar do Rio Grande do Sul (Fetraf RS) e conversou com o BdF RS sobre os desafios para a agricultura no estado - Divulgação: Fetraf RS

Principal feira do agronegócio no Brasil, a Expointer, que se encerra neste domingo, promove a exposição de animais e produtos agrícolas industrializados. O evento se tornou um espaço de articulação entre entidades representativas, governo e parlamentares. 

Desde 1999, a Expointer reserva um espaço dedicado à Feira da Agricultura Familiar, onde as agroindústrias, cooperativas e pequenos produtores podem comercializar e apresentar seus produtos. Já no ano de sua inauguração, o Pavilhão da Agricultura Familiar contou com a participação de 30 expositores.

Para Douglas Cenci, coordenador geral da Federação dos Trabalhadores na Agricultura Familiar do Rio Grande do Sul (Fetraf- reRS), essa "é uma oportunidade da agricultura familiar mostrar sua diversidade, seus produtos, elaborados pelas famílias agricultoras, com muito cuidado e carinho".

"Além disso, há o fato de ser um espaço de disputa com o agronegócio. O Pavilhão da Agricultura Familiar é o mais visitado dentro da Expointer. Tenho certeza que esse é o espaço onde as pessoas mais se sentem bem e ficam felizes, podem comprar nossos produtos e sempre acabam agradecendo e parabenizando os trabalhadores pela participação e dedicação", explica.

Em 2001, na 24ª edição da Expointer, a Feira da Agricultura Familiar contou com 56 bancas e 150 expositores, comercializando um total de R$ 80 mil. Apenas três anos depois, em 2004, esse montante comercializado saltou para mais de R$ 250 mil. Já na última edição presencial, em 2019, a comercialização de produtos do setor ultrapassou a marca de R$ 4,5 milhões e o Pavilhão da Agricultura Familiar recebeu mais de 400 mil visitantes.

"Estar aqui é uma forma também de mostrar a nossa importância para o RS, para o Brasil e para o mundo. Já que somos quem mais emprega na agricultura do estado, somos responsáveis por 27% do PIB, num processo que valoriza o trabalho dos agricultores e preserva o meio ambiente e nossa cultura", completa Cenci.

O coordenador afirma que neste ano, a edição simboliza uma retomada nos negócios para os agricultores menores, aqueles que mais dependem da comercialização direta, diferente do grande agronegócio que comumente é acudido pelo sistema financeiro e pelo governo federal.

Confira alguns trechos da entrevista:

Brasil de Fato RS - Qual a importância da agricultura familiar estar presente no maior evento do grande agronegócio do estado?

Douglas Cenci - Primeiro, é uma oportunidade da agricultura familiar mostrar sua diversidade, seus produtos, elaborados pelas famílias agricultoras, com muito cuidado e carinho, envolvendo a mão de obra desde a produção, como é o caso do queijo, por exemplo, que envolve ter as vacas, tirar o leite, ordenhar, fazer todo o processo de industrialização.

Então, além de mostrar o produto final, mostramos também a nossa realidade e a cultura que está colocada no produto, valorizando o fruto do trabalho dos agricultores familiares.

Além disso, há o fato de ser um espaço de disputa com o agronegócio. O Pavilhão da Agricultura Familiar é o mais visitado dentro da Expointer. Tenho certeza que esse é o espaço onde as pessoas mais se sentem bem e ficam felizes, podem comprar nossos produtos e sempre acabam agradecendo e parabenizando os trabalhadores pela participação e dedicação.

Estar aqui é uma forma também de mostrar a nossa importância para o RS, para o Brasil e para o mundo. Já que somos quem mais emprega na agricultura do estado, somos responsáveis por 27% do PIB, num processo que valoriza o trabalho dos agricultores e preserva o meio ambiente e nossa cultura.


Produtos agrícolas industrializados por pequenos agricultores fazem sucesso no Pavilhão da Agricultura Familiar / Divulgação: Fetraf RS

BdFRS - Além de ser uma feira de negócios, a Expointer também é um espaço de articulação entre as entidades. A pauta da agricultura familiar e dos pequenos agricultores é parecida com a do agronegócio? Existe uma pauta de reivindicações para o atual momento?

Douglas - A Expointer é um espaço importante de diálogo para nós, além das agroindústrias e dos produtores, mas também para as entidades que participam da organização do Pavilhão da Agricultura Familiar.

Ao mesmo que a gente organiza as agroindústrias, também aproveitamos o momento em que as atenções estão voltadas para este espaço para pautar as nossas demandas, a partir da nossa realidade.

Não é produzindo soja que a gente vai alimentar o Brasil e o mundo. Precisamos desse reconhecimento do governo que se dá através de políticas públicas

Assim foi na audiência que tivemos entre os movimentos sociais do campo, o Governo do Estado e também um conjunto de deputados. Discutimos a implementação do crédito emergencial para a agricultura familiar do estado.

Nós estávamos ali fazendo esse diálogo, é um momento importante nesse sentido, estamos contando com a possibilidade de entregar, para a ministra da Agricultura [Teresa Cristina] uma pauta relacionada ao tema do Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura (Pronaf), que está com recursos limitados nessa edição, com várias linhas de créditos que não apresentam mais recursos para nossa realidade.

Nós temos clareza que o estado é importante para o agricultor familiar: nós, mesmo com pouca terra, produzimos muito. Mas não temos as mesmas condições que os grandes produtores têm, por isso precisamos de amparo. Principalmente para produzirmos alimentos, pois não é produzindo soja que a gente vai alimentar o Brasil e o mundo. Precisamos desse reconhecimento do governo que se dá através de políticas públicas.


A exposição de produtos na Feira da Agricultura Familiar representa uma importante forma de comercialização dos produtos dos agricultores do RS / Divulgação: Fetraf RS

BdFRS - Passada já mais de uma semana de feira, é possível fazer um balanço da presença da Fetraf?

Douglas - Nossa participação na Expointer foi muito importante, pois conseguimos estabelecer esses diálogos e receber bem nossos agricultores aqui. Sem dúvida é muito gratificante acompanhar o pessoal que está expondo seus produtos e se colocando diante das pessoas que muitas vezes não conhecem nossa realidade, representante a agricultura do nosso estado.

Avançamos bastante nas discussões com relação ao crédito emergencial com a audiência que tivemos, ficamos ainda com mais uma reunião marcada com a Secretaria da Agricultura, esperamos que o governo se sensibilize com a nossa pauta, da mesma forma que esperamos que o governo federal receba as nossas demandas em relação ao Pronaf.

BdFRS - Após mais de um ano de pandemia, somado a um ano que foi ruim devido à estiagem, como está o agricultor familiar nesse contexto?

Douglas - O agricultor no ultimo período tem encontrado um período de dificuldades. [Por exemplo] o tema da estiagem nas últimas duas safras e a pandemia que tirou a oportunidade de muitos agricultores comercializarem seus produtos, seja nas feiras, de porta em porta ou até mesmo recebendo os consumidores.

Nós não percebemos nenhum esforço do Governo do Estado nem federal em socorrer esses agricultores. Milhares de agricultores têm desistido de um conjunto de atividades importantes, como a cadeia do leite. A Emater, por exemplo, apresentou o resultado de um estudo socioeconômico da cadeia do leite, onde demonstra que metade dos produtores de leite do RS desistiram da atividade nos últimos 5 anos.

Muitos agricultores desistiram pela falta de incentivo do poder público, foram para as cidades, disputar emprego com o trabalhador urbano

Muitos destes, desistiram para ir para as cidades, disputar emprego com o trabalhador urbano, ou passar a plantar soja, que tem sido mais rentável, por conta das questões do mercado internacional. Muitos desistiram pela falta de incentivo do poder público, que nos vira as costas.

Vivemos um momento de alta nos preços dos insumos que são necessários para produzir, isso tem tirado o sono. Estamos numa feira onde tem um grupo importante de agroindústrias que está feliz em participar, mas ao mesmo tempo temos uma triste realidade onde muitos agricultores, que no passado estiveram aqui [na Expointer], não retornaram, pois não estão mais produzindo.

A situação é bastante complicada, a gente teme que ela possa se agravar se o governo não tomar nenhuma medida nesse sentido.


Diferente do agronegócio e dos latifundiários, os pequenos agricultores familiares produzem alimentos e geram empregos / Divulgação: Fetraf RS


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Fonte: BdF Rio Grande do Sul

Edição: José Eduardo Bernardes e Katia Marko