Coluna

Brasil, o país inacreditável

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Jair Bolsonaro: o militar que queria explodir quartéis e que hoje é objeto de riso até da elite - Evaristo Sa / AFP
No governo Bolsonaro existe uma disputa aberta em torno da produção diária do Inacreditável

Acreditem: nada mais é inacreditável. Sim, é um paradoxo mas de paradoxos a vida do brasileiro se alimenta ainda mais que ficaram proibitivas a carne, o arroz, o pão, o leite etc. O Brasil sempre teve essa fama de lugar que o Inacreditável escolheu para fixar residência. Mas os acontecimentos dos últimos anos levaram o conceito às raias da loucura.

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Antes, aqui e ali, tomávamos um susto do Inacreditável. Hoje, o espanto acabou. O Inacreditável passou a ser o nosso entorno. Comemos, bebemos e respiramos o Inacreditável. Surpresa acontece é quando o Inacreditável não comparece. Mas todo santo dia ele bate ponto e, não raro, nos esbofeteia.

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Estamos até esquecendo mas o coronel Carlos Alberto Brilhante Ustra, condenado como um dos mais notórios torturadores da ditadura e chefe do açougue chamado DOI-Codi, tornou-se marechal post mortem. Um mimo para a prole do coronel que embolsará pensão marechalesca de R$ 30.615,00.

No embalo, 215 oficiais do Exército, Marinha e Aeronáutica pularam no mesmo trenzinho puxado pela locomotiva bolsonarista e viraram marechais de contracheque. Por norma, virava marechal quem participava de alguma guerra. Mas as duas centenas de agraciados só comandaram escrivaninhas e de guerra se viram alguma coisa foi por obra e graça da Netflix.

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O enriquecimento do marechalato brasuca deu-se no mês passado mas o nosso cotidiano bombardeado pelo Inacreditável já apaga inexoravelmente o fato na nossa memória soterrada por outros e mais recentes eventos inacreditáveis.

Por exemplo, pipocam nas colunas dos jornalões condenações ao PT – e também ao PSol -- por ter se ausentado de manifestação com o mote “Nem Lula, nem Bolsonaro”. É arrastado ao pelourinho da execração pública e apontado como responsável pelo fracasso do evento. Nesta peça do teatro do absurdo, o PT é culpado por não ter ido ao ato para protestar contra si mesmo.

Citar a contribuição do duto bolsonarista ao inacreditável nosso de cada dia é até covardia. Quem ainda lembra a épica reunião de 22 de abril de 2020? “Os caras querem é a nossa hemorróida”, desabafou o presidente. “Eu, por mim, botava esses vagabundos todos na cadeia”, anunciou o então ministro Weintraub, da educação, referindo-se aos togados do STF. Foi ainda a reunião em que Ricardo Salles sugeriu “passar a boiada”, o que efetivamente foi e está sendo feito.

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Como no governo, existe uma disputa aberta em torno da produção diária do Inacreditável, vale recordar Paulo Guedes atacando o maior parceiro comercial do Brasil, dizendo “o chinês inventou o vírus” e chamando de “feia” a mulher do presidente francês.

Transitam ou transitaram pelo desgoverno em questão um ministro da educação em conflito com o idioma português, outro do meio ambiente que declarou guerra à natureza, um chanceler de relações cortadas com a tarefa diplomática, um presidente negro de uma fundação destinada a exaltar a cultura negra que se dedica a perseguir personalidades negras, um secretário da cultura ignorante, um ministro da saúde que não sabia o que era SUS.

Não faz muito, nestas terras do Inacreditável em que se plantando tudo dá, semeou-se até a candidatura de Zé Trovão, o líder que não é líder, o caminhoneiro que não é caminhoneiro, foragido da polícia e refugiado no México, como opção para a presidência. Diga-se qualquer coisa mas não que é “inacreditável”.

Não depois que um dos mais medíocres deputados que já pisou na Câmara Federal nos ensinou o contrário. Seu labor legislativo de 27 anos resultou em dois projetos aprovados. Em 2017, concorrendo à presidência da Câmara, obteve quatro votos em 513 possíveis. Em contrapartida, deixou a casa como um de seus recordistas de denúncias no conselho de ética. Com este cartel foi Jair Bolsonaro, o militar que queria explodir quartéis e que hoje é objeto de riso até da elite que o produziu, quem 57 milhões de brasileiros levaram ao poder.

Nada mais é inacreditável. Acredite.

 

*Ayrton Centeno é jornalista, trabalhou, entre outros, em veículos como Estadão, Veja, Jornal da Tarde e Agência Estado. Documentarista da questão da terra, autor de livros, entre os quais "Os Vencedores" (Geração Editorial, 2014) e “O Pais da Suruba” (Libretos, 2017). Leia outras colunas.

**Este é um artigo de opinião. A visão do autor não necessariamente expressa a linha editorial do jornal Brasil de Fato.

Edição: Vivian Virissimo