FIDELIDADE

Indicado em 2020, Nunes Marques coleciona decisões favoráveis a Bolsonaro; veja histórico

Alinhamento com o presidente se manifesta em pedidos de vista, destaques, votos e liminares

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Destoando de todos os ministros, Nunes Marques votou cointra o Censo do IBGE dizendo que “não revela urgência" - Marcos Corrêa/PR

Com pedido de vista, o ministro Kassio Nunes Marques, do Supremo Tribunal Federal, suspendeu nesta sexta-feira (17) o julgamento de 12 ações que tratam de decretos de Jair Bolsonaro que facilitam o acesso a armas no país. O julgamento estava sendo realizado pelo plenário virtual. Nunes Marques adotou a posição logo depois de Alexandre de Moraes votar contra os decretos. Moraes seguiu os posicionamentos de Rosa Weber e Edson Fachin. Os três são relatores das várias ações sobre o tema. Mas o pedido de vista de Nunes Marques adia uma decisão global sobre as normas armamentistas de Bolsonaro, que devem ser derrotadas pela maioria. Enquanto isso, liminares proferidas pelos relatores continuam em vigor e os decretos, suspensos.

Pouco antes, em decisão desta quinta (16), em outro processo, Alexandre de Moraes anulou portarias do governo que dificultavam rastreamento de armas e munições. Com isso, ele restabelece a marcação e rastreamento desses equipamentos. Segundo Moraes, ao recusar medidas de monitoramento, o governo deixa de exercer a competência constitucional para o controle e fiscalização de armas de fogo. “E, ao assim agir, favorece o incremento de riscos contrários ao exercício de outas competências igualmente constitucionais” (leia a decisão).

Marco Temporal

Apenas nesta semana, foram duas as posições de Nunes Marques – que tomou posse em novembro de 2020, no lugar de Celso de Mello – claramente de interesse de Bolsonaro. Na quarta-feira, ele havia votado a favor da tese jurídica do marco temporal, defendida por ruralistas e extrativistas, que querem explorar economicamente as terras indígenas. Seu voto divergiu da posição de Edson Fachin, relator do caso. O julgamento está suspenso por pedido de vista de Moraes.

De acordo com o ministro nomeado por Bolsonaro, a Constituição de 1988 reconheceu os direitos originários dos indígenas às terras que tradicionalmente eles ocupam. Porém, segundo ele, essa proteção depende do marco temporal e a posse tradicional não pode se confundir com “posse imemorial”. Deve-se exigir a comprovação de que a área já era ocupada quando da promulgação da Constituição ou que os indígenas tenham sido expulsos, entende Nunes Marques.

Negacionismo e Censo

Em outra decisão polêmica, que foi no sentido negacionista do presidente que o nomeou ante a pandemia de covid-19, Nunes Marques surpreendeu com a concessão de uma liminar, na véspera da Páscoa, em abril, permitindo a realização de cultos e missas nas igrejas. Com a permissão, fiéis se aglomeraram em cultos presencias de Páscoa no domingo 4 de abril. Em 8 de abril, por 9 a 2, o Plenário do tribunal declarou ser constitucional que estados e municípios pudessem impedir a abertura dos templos, para evitar a disseminação do Sars-Cov2. Nunes Marques e Dias Toffoli foram os votos derrotados.

Em 14 de maio, o plenário virtual do STF decidiu, por 8 votos, que o Censo do IBGE deveria ser realizado em 2022. O estudo era para ter sido realizado em 2020, mas foi adiado pelo Executivo. Este ano, com cortes do orçamento, o governo de Bolsonaro e Paulo Guedes não reservou recursos para a pesquisa, essencial para estados, municípios e União desenvolverem políticas públicas. “Como combater desigualdades, instituir programas de transferência de renda, construir escolas e hospitais sem prévio conhecimento das necessidades locais?”, questionou o ministro Marco Aurélio Mello, ao decidir, duas semanas antes, em liminar, que o governo era obrigado a realizar a pesquisa ainda em 2021.

No Plenário, Marco Aurélio manteve a posição e foi seguido por Edson Fachin. Gilmar Mendes, Dias Toffoli, Cármen Lúcia, Rosa Weber, Alexandre de Moraes, Luís Roberto Barroso, Luiz Fux e Ricardo Lewandowski votaram a favor do Censo, mas no ano que vem, por considerarem, àquela altura, inexequível a montagem da complexa estrutura necessária para o projeto ser executado ainda em 2021. Destoando de todos os ministros, Nunes Marques votou isolado contra o estudo. Segundo seu argumento, “(o Censo) não revela urgência suficiente”.

Redes sociais

Em outra medida protelatória, como o pedido de vista nesta sexta no caso do decreto das armas, o ministro de Bolsonaro na corte foi igualmente a favor do presidente. Em novembro de 2020, o tribunal julgava duas ações em que se discutia se o chefe do governo pode bloquear seguidores nas rede sociais. A relatora, Cármen Lúcia, votou contra esse “direito” de Bolsonaro. Mas Nunes Marques apresentou destaque e retirou o julgamento do plenário virtual.

Em caso semelhante, ele pediu destaque em julgamento de mandado de segurança no qual Marco Aurélio também proibiu o mandatário de bloquear seguidores. Ambos os julgamentos não foram ainda retomados.

André Mendonça

Para a vaga de Marco Aurélio, aposentado em julho, Bolsonaro pretende cumprir a promessa aos “fiéis” com a indicação do “terrivelmente evangélico” André Mendonça, ex-advogado-geral da União. O problema é que ele encontra enorme resistência no Senado, onde precisa ser sabatinado, a começar do presidente da Comissão de Constituição e Justiça, David Alcolumbre (DEM-AP), que combate o nome abertamente.

Além disso, os ataques de Bolsonaro à democracia e às instituições no 7 de setembro aumentaram a resistência ao religioso no Senado. Ele também é considerado por senadores um risco por supostamente ser lavajatista. Outros o reputam despreparado para ocupar a vaga na mais alta corte do país. Enquanto isso, o procurador-geral da República, Augusto Aras, que garantiu mais dois anos na PGR, continua muito interessado na cadeira de Marco Aurélio. No STF, ele é considerado mais adequado a tão alto posto.

Perguntado sobre o porquê de Alcolumbre ainda não ter pautado a sabatina de Mendonça, o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco – que não tem feito nenhum esforço pelo ex-AGU, foi evasivo. “As razões pelas quais ainda não foi feita a sabatina podem ser muitas, inclusive o fato de que isso exige o esforço concentrado e a presença dos senadores em Brasília. É algo complexo, é uma indicação para o STF”, disse ontem (16) a jornalistas.