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Pedro Hallal, epidemiologista: "Posso concorrer ao Senado para derrotar o negacionismo"

Em entrevista ao BdF, professor da Universidade da Califórnia defende volta às aulas e aos estádios de futebol no Brasil

Ouça o áudio:

Pedro Hallal, ex-reitor da Universidade Federal de Pelotas (UFPel) - Reprodução
Se houver necessidade poderão contar comigo, especialmente contra esse movimento negacionista

A pandemia de covid-19 chegou a um patamar de estabilidade, com números ainda altos, mas distante daqueles que assustaram o Brasil nos últimos meses. A média móvel de mortes em decorrência do coronavírus está em 588, com 22 dias seguidos em queda. Por isso mesmo, o epidemiologista Pedro Hallal, acredita que é hora de o país avançar no debate sobre diversos temas como volta às aulas, público nos estádios e, em um médio prazo, repensar o uso de máscaras em ambientes abertos. 

Segundo Hallal, que neste momento se prepara para um período de aulas presenciais na Universidade da Califórnia, nos Estados Unidos, de onde conversou com a reportagem, “a ciência que recomendou fechar lá atrás, hoje, pelos indicadores brasileiros, ela recomendaria abrir. A gente não pode cair no erro de ouvir a ciência só quando a ciência diz o que a gente quer ouvir. Não, a ciência diz o que os indicadores sugerem”.

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Esse é o caso da volta às aulas. Para o epidemiologista, o Brasil, apesar da necessidade do retorno presencial, errou ao discutir apenas quando isso iria acontecer, e se deveria acontecer, e não discutir a infraestrutura necessária para que essa volta fosse segura. Em São Paulo, apenas no primeiro mês de retomada das escolas, mais de 1.000 casos de covid-19 foram registrados entre crianças do ensino fundamental.

“Houve 1.000 casos? Sim, mas entre os alunos que não voltaram às aulas nesse mesmo período, tiveram provavelmente mais de 1.000 casos. O contágio está acontecendo neste momento no Brasil. A verdade é que com os números atuais é absolutamente equivocado não estarmos com aulas presenciais. Deveríamos estar com aula presencial em todos os níveis”, explica.

O mesmo se aplica à volta do público aos estádios de futebol. A medida gerou recente polêmica entre clubes da Série A do futebol brasileiro, opondo de um lado o Flamengo, que recebeu uma liminar do governo do Rio de Janeiro com aceno positivo para a volta e do outro lado, os demais clubes (19), que por conta das restrições locais e por não terem contado com público nos jogos anteriores - caso do Grêmio, na Copa do Brasil - não entraram em um consenso e veem vantagem desportiva do clube carioca. Para Hallal, a volta gradual é importante como evento teste.

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“Do ponto de vista desportivo, tu tem o princípio básico do esporte. Se a gente olhar lá nos princípios do Barão de Coubertin, o princípio básico do esporte é a equivalência e essa medida quebra a equivalência, mas do ponto de vista da saúde pública, no momento que a gente vive da pandemia, liberar completamente o público é completamente irresponsável, mas não permitir nenhum público é um erro”. 

“Se essa pergunta viesse pra mim, eu diria: olha, durante o mês de setembro, protocolos bem rigorosos, no máximo 10% de público, com exigência de teste de PCR negativo nas últimas 72 horas. No mês de outubro aumentaria o percentual de 10% para 20% e exigiria ou PCR negativo nas últimas 32 horas, ou o comprovante de imunização completa. E se tudo for correndo bem, a partir de novembro, aumentaria para 30%, ou até para 50%, mantendo essa exigência, ou do PCR negativo ou do comprovante de vacinação”.

Na conversa exclusiva para o Brasil de Fato Entrevista, Hallal ainda fala sobre uma possível candidatura ao Senado, nas próximas eleições, em 2022: 

“Essa possibilidade passa na minha cabeça desde que eu virei reitor, porque de uma forma ou de outra não paro de receber convites. A verdade é que eu adoraria que não fosse necessário. Eu só não digo que é impossível que eu participe das eleições, porque a necessidade chama, se houver necessidade obviamente que poderão contar comigo, especialmente contra esse movimento negacionista, autoritário, antidemocrático, fascista que tá instalado nesse momento no Brasil”. 

Confira a entrevista na íntegra:

Brasil de Fato: O Ministério da Saúde garantiu na última semana ter enviado todas as vacinas necessárias para imunizar a população adulta do Brasil. A gente chegou a 37% da população imunizada com as duas doses. Apesar dos problemas iniciais, a vacinação tem caminhado bem no Brasil. Acredita que ela deva entrar no calendário vacinal? 

Pedro Hallal: A gente tem que fazer uma avaliação completa da campanha de vacinação. A campanha de vacinação no Brasil começa a se tornar muito próxima de um sucesso em decorrência da história do Brasil em relação à vacina, o Brasil sempre foi muito bom de vacinar a sua população. 

Aqui no Brasil a gente não tem um movimento anti vacina atuante e forte, ao contrário, exceto pelas declarações absurdas dadas pelo Presidente da República para um percentual bem pequeno da população. A verdade é que a população brasileira acredita em vacina, gosta de vacina e está acostumada a se vacinar.

A campanha de vacinação contra covid-19 no Brasil começou atrasada. Nós poderíamos ter começado uns quinze, vinte dias antes, mas, muito mais importante do que isso, o Brasil hoje vacina um milhão de pessoas por dia, até um pouco mais do que isso. Lá no começo o Brasil vacinava 300 mil pessoas por dia, porque faltavam vacinas e essa falta causou um monte de mortes. 

A gente tem uma estimativa que só o atraso na compra das vacinas de coronavírus causou cerca de 100 mil mortes. Então, sempre que a gente olhar pra campanha de vacinação no Brasil, vai ter esse asterisco, porque mesmo que hoje a campanha esteja bem, a verdade é que milhares, centenas de milhares de pessoas morreram porque não foram compradas as vacinas na hora certa. 

Agora, neste momento, em setembro de 2021, a campanha de vacinação corre bem. A gente conseguiu ampliar a velocidade, como eu disse a gente está chegando a mais de um milhão de vacinas por dia, a gente precisaria ter mantido uma média de um milhão e meio desde o começo da pandemia, foi o que eu falei desde o começo. 

Algumas pesquisas apontam que em torno de 95% das pessoas pretendem se vacinar no Brasil, mas a gente sabe como as coisas funcionam, a gente tem uma política que influencia muita gente. Você acha que é importante o passaporte vacinal, que inclusive já sofreu rejeição por aqui, pode ser um importante no reforço da imunização? 

Olha, eu não tenho dúvida nenhuma, o passaporte vacinal vai se tornar necessário especialmente quando a gente lida com uma doença tão contagiante como essa, a gente não pode esquecer que o direito individual, a liberdade individual acaba quando começa do outro. É a mesma lógica que fez com que fumar passasse a ser proibido no avião, por exemplo: “Ah eu tenho o meu direito individual de fumar e aumentar meu risco de câncer, mas se eu estiver sentado do lado de alguém no avião que não quer aumentar o seu risco também, essa pessoa tem o seu direito individual”.

É a mesma coisa no caso da vacina contra covid-19. No momento que a pessoa diz, “ah, eu quero exercer o meu direito individual de não tomar a vacina”. Ok, mas as outras pessoas podem exercer o seu direito individual de não conviver com alguém que pode estar transmitindo de forma mais intensa o vírus. 

Exatamente por isso, o passaporte vacinal acaba sendo hoje um ponto pacífico no mundo todo, praticamente. Por mais que no começo tivesse alguma discussão sobre isso, hoje não se tem dúvida nenhuma. Eu estou aqui na Califórnia e neste momento todos os estabelecimentos comerciais dizem explicitamente na porta: pessoas totalmente vacinadas, máscara optativo, pessoas que não estão vacinadas, uso obrigatório. 

Essa diferença entre quem está vacinado e quem não está vacinado vai ser observada rapidamente no Brasil. Não adianta tentar negar isso. A verdade é que esse movimento negacionista contra vacinas no Brasil ele perdeu e eu acho que às vezes, no Brasil, a gente tem que saber ter a capacidade de comemorar algumas vitórias, essa foi uma vitória. 

Houve um movimento forte liderado pelo Presidente da República contra a vacinação e ele perdeu. A vacinação ganhou, a população quer se vacinar como tu dissesse, 90% da população quer se vacinar e isso é uma ótima notícia para a saúde pública da população brasileira. 

Pedro, você comentou sobre a questão das máscaras aí nos Estados Unidos e já falou sobre o momento de repensarmos, inclusive, o uso obrigatório da máscara no Brasil. Temos visto, por exemplo, jogos de futebol com estádios cheios, e máscaras restritas a lugares fechados. Você acha que essa é uma medida segura? É possível pensar isso a médio prazo no Brasil ou é um pouco atrapalhado ainda? 

Não, eu acho que essa é a típica resposta que a gente tem que dar de uma forma bem nítida para a população. Em curto prazo não, tem que seguir de máscara. Em médio prazo sim, em longo prazo, certamente. A diferença de quão longo será esse prazo depende do quanto a gente vai conseguir segurar a delta.

Se a gente continuar nesse ritmo de queda dos números e seguir ganhando da delta, porque nós estamos ganhando da delta hoje, a verdade é que talvez lá por novembro, a gente já possa repensar o uso de máscara para espaço aberto e espaço fechado vai demorar mais. É um processo de evolução que depende de como nós enfrentarmos. 

Hoje, a grande pergunta que se tem é: por que, no Brasil, a delta não está causando o mesmo estrago que causou em outro lugar? Tem várias possibilidades de resposta. A primeira é pessimista: é que nós só estamos um pouco atrasados e a delta vai chegar e causar o estrago que causou nos outros lugares. 

Uma segunda possibilidade é que no Brasil, pela combinação do percentual elevado de pessoas com uma dose - e o Brasil com uma dose já está muito bem e vai melhorar mais ainda quando entrarem os adolescentes - e um percentual alto da população já infectado - o que é uma notícia ruim, mas nesse caso, nos ajuda - esta combinação talvez esteja fazendo com que a delta não prospere tanto aqui no Brasil. 

Nós só vamos saber isso daqui algumas semanas e dependendo dessa resposta, nós vamos poder planejar a retirada de máscaras. Mas pra dar uma resposta bem simples pra quem nos acompanha: até o final de outubro provavelmente não podemos mudar nada, tem que seguir usando máscara, ambiente aberto e ambiente fechado. Se a tendência continuar positiva, a partir de novembro, muito provavelmente tirar a máscara em ambiente aberto, e se continuar melhor ainda, na virada do ano tirar a máscara em geral. Claro que isso depende da situação seguir melhorando e a gente não tem como garantir isso.

No Brasil, a gente tem agora uma disputa pela volta dos públicos nos estádios. Existe uma liminar de um clube contra outros 19, que têm reclamado de uma vantagem desportiva. No caso o Flamengo, que obteve uma liminar do governo do Rio de Janeiro permitindo a volta do público aos estádios e os outros dezenove clubes da Série A do país, que ainda acham que não é o momento. Você acha precipitado que a gente volte com o público aos estádios neste momento? 

Essa é uma resposta que tem que ser analisada do ponto de vista desportivo e do ponto de vista de saúde pública, e as respostas são completamente diferentes. Sob o ponto de vista desportivo, tu não pode desequilibrar, e olha que eu sou flamenguista, quero já deixar o meu conflito de interesses aqui, é totalmente equivocado. 

Do ponto de vista desportivo, tu tem o princípio básico do esporte. Se a gente olhar lá nos princípios do Barão de Coubertin, o princípio básico do esporte é a equivalência e essa medida quebra a equivalência. Então, desportivamente deveria ser uma regra única para o campeonato. Essa é a resposta esportiva. 

Agora vamos com a resposta da saúde pública. No momento que a gente vive da pandemia, liberar completamente o público é completamente irresponsável, mas não permitir nenhum público é um erro. O momento agora é pra que se faça testes e os testes devem ser feitos com cuidado, com bastante planejamento. 

Se essa pergunta viesse pra mim, eu diria: olha, durante o mês de setembro, protocolos bem rigorosos, no máximo 10% de público, com exigência de teste de PCR negativo nas últimas 72 horas. No mês de outubro aumentaria o percentual de 10% para 20% e exigiria ou PCR negativo nas últimas 32 horas, ou o comprovante de imunização completa. E se tudo for correndo bem, a partir de novembro aumentaria para 30%, ou até para 50%, mantendo essa exigência, ou do PCR negativo ou do comprovante de vacinação.

Tem que ser um processo em etapas. O que me preocupa é quando o processo é desequilibrado e o Flamengo pode, os outros clubes não e o processo não é gradual. Aí nós temos o exemplo do que aconteceu na Copa América: 10% do público no Brasil e Argentina, tudo bem, mas aí tu não pode colocar os 10% de público e só abrir um portão e todo mundo se encontrar no mesmo portão, tem que ser espalhado por todo o estádio.

Outro exemplo ruim foi aquele jogo do Atlético Mineiro, que o próprio prefeito (Alexandre Kalil-PSD) declarou que foi um absurdo. Então, que haja equilíbrio e que seja gradual e eu não vejo isso sendo implementado nesse momento. 

No caso da volta às aulas, Pedro, em um mês na cidade de São Paulo, foram mais de mil casos de alunos contaminados por covid, fora funcionários e outros trabalhadores. Recentemente você falou sobre a importância dessa volta gradual, mas você acha que ela  foi, de alguma maneira, apressada, sem a devida infraestrutura? 

Essa é uma pergunta que tem que ser contextualizada também, porque é assim, houveram mil casos? Sim, mas entre os alunos que não voltaram às aulas nesse mesmo período, tiveram provavelmente mais de mil casos. O contágio está acontecendo nesse momento no Brasil. A verdade é que com os números atuais é absolutamente equivocado não estarmos com aulas presenciais. Deveríamos estar com aula presencial em todos os níveis.

Nas universidades, que é de onde eu venho, é um lugar que está muito atrasado no debate do retorno às aulas. As universidades hoje estão com boa parte do seu corpo docente e técnico administrativo vacinado, boa parte dos estudantes vacinados e mesmo assim as universidades não estão retornando as atividades. 

::Pandemia e aulas presenciais: estamos no caminho certo?::

Eu acho que a gente sempre tem que equilibrar o prejuízo em saúde pública, o prejuízo educacional e achar a melhor solução. No momento em que o risco de contágio é tão grande fora da escola quanto dentro da escola, não faz sentido não ter aula. A ciência que recomendou fechar lá atrás, hoje, pelos indicadores brasileiros, ela recomendaria abrir. A gente não pode cair no erro de ouvir a ciência só quando a ciência diz o que a gente quer ouvir. Não, a ciência diz o que os indicadores sugerem. 

A variante delta pode mudar esse cenário? Pode, mas por enquanto o cenário é de escola aberta, sem dúvida nenhuma. Agora, aí vem a complexidade do assunto. Por quê? Porque o cenário é de escola aberta, mas com protocolo livre e aí tu traz uma questão de infraestrutura que pra mim é o grande erro que o sistema educacional brasileiro cometeu. 

Durante todo o período que a gente teve pra se preparar, a gente ficou discutindo se ia voltar ou não, e a gente não discutiu o como. Pouquíssimas mudanças estruturais foram feitas para garantir que a gente voltasse. Infelizmente a estrutura não está adequada ainda, mas o estágio da pandemia sugere que as aulas já estejam acontecendo. 

Vou dar um exemplo: estou aqui na Califórnia, vou ministrar uma disciplina que começa agora no final de setembro, vou dar minha primeira aula presencial. O semestre vai começar com as aulas presenciais. A sala está totalmente pronta para receber os alunos em um momento de pandemia. Eu acho que a gente errou muito nessa questão de infraestrutura. 

Você citou como a variante delta parece, nesse momento, estar controlada no Brasil. Mas a gente tem outros países, principalmente no continente africano, por exemplo, onde a média de vacinados não passa de 3%. Essa assimetria na vacinação pode retardar esse processo de uma volta à normalidade, ou mesmo criar um ambiente propício para que outras variantes surjam?

Eu sou muito crítico com a Organização Mundial da Saúde (OMS) em algumas decisões, ao longo da minha carreira como pesquisador de saúde pública, muito antes da pandemia. Acho que a Organização Mundial de Saúde acerta muito e ela eventualmente também tem decisões equivocadas. No caso da covid-19 eles foram muito felizes naquela frase de que ninguém está seguro, enquanto todos não estiverem seguros. 

Essa frase, se interpretada com cuidado, é brilhante. Porque essa é a realidade da tua pergunta, não adianta controlar a pandemia na Bélgica, ou não sei, no Canadá. Porque as pessoas hoje circulam muito e o vírus da covid-19 nos ensinou que demora um mês para o vírus se espalhar por todos os países do mundo.

Enfrentar as desigualdades na distribuição de vacinas deveria ser a grande prioridade da saúde pública global e infelizmente a gente não vê isso. A gente vê países, inclusive o Brasil hoje, bem sucedidos e discutindo se vão fazer a terceira dose ou não, enquanto o continente africano está com dificuldade de ter uma ou duas doses. 

Enquanto a agenda da saúde pública não for dominada por uma lente da equidade, a gente vai ficar vivenciando isso e aí entra na tal bola de neve, porque, vamos falar a verdade: se o vírus estiver circulando muito na Etiópia, daqui a quinze dias tem a possibilidade de surgir uma nova variante e daqui um mês, ela estará em tudo que é lugar do mundo.

Se essa nova variante escapar das vacinas, isso é um problemão de novo. Então, ao mesmo tempo que eu elogio a frase de que ninguém estará a salvo enquanto todos não estiverem a salvo, ao mesmo tempo as políticas públicas de saúde no mundo não parecem reconhecer essa frase. Enquanto a gente não tiver política de saúde para vacinar 80% da população mundial, a gente seguirá correndo riscos de novos surtos e que desses novos surtos surjam novas variantes que coloquem em risco todos os benefícios atingidos até aquele momento. 

Mas a verdade é que houve uma corrida mundial das vacinas, que foi uma corrida guiada pelo mercado. Os países que tiveram mais acesso ganharam a corrida e conseguiram controlar a pandemia mais rápido. E aí vem aquele ensinamento que a gente aprende na saúde pública desde o começo e por isso que ela precisa ser mais valorizada: sempre, na saúde pública, o atalho mostra o seu preço logo ali na frente. E esse é o caso. Os países correram pra garantir a sua população mas não se preocuparam com os outros e nos outros países surgiram variantes. 

Surgiu uma variante aqui no Brasil, a variante na Índia e foram essas que fizeram com que os ganhos dos americanos, dos ingleses e dos demais países irem por água abaixo. 

Mudando um pouco de assunto, a CPI da Covid, da qual  inclusive você participou, deu sua contribuição mostrando alguns dados importantes. Ela tem previsão para se encerrar em setembro. Como você tem enxergado a Comissão? Ela conseguiu cumprir com o esperado?

A CPI cumpriu e segue cumprindo um grande papel na história brasileira. A CPI da Covid é um marco na história desse país, porque foi um lugar onde tivemos discussões importantes para restabelecer o papel da ciência, da tecnologia, da educação, da informação, tudo isso foi necessário, foi muito bem feito na CPI. 

Por outro lado, eu tenho críticas à CPI e a minha principal crítica é de que a CPI lidou mal com uma transição que se tornou necessária. A CPI foi aberta para investigar as ações e omissões do Governo Federal no combate à pandemia e na compra de vacinas. E muito rapidamente, e o marco temporal inclusive foi o meu depoimento junto com a doutora Jurema. Ali aquele ciclo se encerrou, ficando comprovado que: o Brasil tem uma média muito maior do que a mundial, uma série de mortes poderiam ter sido evitadas e o atraso na compra das vacinas causou uma quantidade grande de morte.

Essas três conclusões da CPI estavam prontas desde aquela data e estando prontas desde aquela data, me parece que deveria ter sido imediatamente preparado um relatório preliminar sugerindo o afastamento imediato do Presidente da República, do trato de qualquer questão relacionada com covid-19. 

Eu não tô querendo dizer que o presidente deveria ter sofrido impeachment imediatamente não, o impeachment é um processo, eu respeito o processo até porque o Brasil tem um histórico muito ruim e aí eu vou, inclusive trazer o lá de trás, de 1989, depois da eleição. Quando a gente olha os motivos que levaram ao impeachment do presidente Collor e os motivos que levaram o impeachment da presidenta Dilma, os dois processos poderiam ter sido resolvidos nas eleições.

O impeachment não foi feito pra tirar do poder um presidente que faz uma má gestão, ou na opinião de alguns, faz uma má gestão. O impeachment deveria tirar do poder presidentes que cometem crimes, no caso específico do presidente Bolsonaro, obviamente a CPI constatou rapidamente a ocorrência de uma série de crimes de responsabilidade, e pra mim, deveria ter feito o primeiro relatório.

A partir do dia seguinte ao meu depoimento foram os irmãos Miranda e aí realmente mudou o foco da CPI. Aí começou a se revelar um esquema de corrupção que não é específico da pandemia, é um esquema de corrupção que já vinha no Ministério da Saúde, sinceramente qualquer pessoa ligada ao ministério da Saúde que for chamada lá, e que não tiver com medo de ser presa, vai contar, porque sabe que isso é evidente, todo mundo já ouviu falar dessas empresas que vendem de tudo. A minha única crítica à CPI da Covid foi não ter sabido separar bem os dois momentos que ela viveu. 

Para encerrar nosso papo, queria saber se você pensa, de fato, em entrar na na vida política, se isso tem passado pela tua cabeça?

Na verdade, essa possibilidade passa na minha cabeça desde que eu virei reitor, porque de uma forma ou de outra não paro de receber convites para isso. Mas eu sempre neguei esses convites. Ano passado, por exemplo, eu tinha convite para ser candidato a prefeito de quatro, cinco, seis partidos. Eu não quis concorrer, exatamente porque o meu projeto pessoal não inclui a política partidária. 

A única forma pela qual eu entraria na política partidária é pela extrema necessidade. O que eu estou chamando de extrema necessidade? Vou te dar um exemplo bem concreto. O governador Eduardo Leite resolve se candidatar à reeleição no estado do Rio Grande do Sul, se forma uma frente de esquerda e me convida para ser candidato do campo progressista contra o governador Eduardo Leite. Eu aceitaria? Não.

Porque o governador Eduardo Leite, embora esteja num campo político diferente do meu, ele não representa uma ameaça, nesse momento, à democracia. Têm outros e outras pessoas do próprio campo progressista que podem fazer uma discussão razoável e democrática com o governador Eduardo Leite, e a população pode escolher através do voto, se quer um modelo de estado mais aliado ao mercado ou mais aliado às causas sociais. Isso é o normal da política. 

Da mesma forma, as candidaturas para deputado já têm essas possibilidades. Então não teria nenhuma necessidade. Agora se tu me dissesse que o único candidato ao Governo do Estado do Rio Grande do Sul é um negacionista e vai atacar a ciência, que vai atacar os pesquisadores, que vai atacar às populações indígenas, e que eu seria o melhor nome pra enfrentá-lo, aí pode contar comigo. 

Neste momento, o cenário sugere que talvez esta necessidade aconteça no Senado Federal, em que tenham candidaturas ligadas ao movimento negacionista e que talvez eu fosse o melhor nome para representar o campo progressista. Se este cenário se concretizar, talvez eu possa representar o campo progressista numa disputa, mas só neste cenário.

A verdade é que eu adoraria que não fosse necessário. Eu só não digo que é impossível que eu participe das eleições, porque a necessidade chama, se houver necessidade obviamente que poderão contar comigo, especialmente contra esse movimento negacionista, autoritário, antidemocrático, fascista que tá instalado nesse momento no Brasil.

Edição: Vinícius Segalla