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Bolsonaro na ONU e o Brasil imaginário

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O Brasil imaginário de Bolsonaro, vendido no discurso na ONU, estava às portas do socialismo quando ele o salvou; a economia tem um excelente desempenho e o país só cresce - Reprodução
Bolsonaro discursando na Assembleia das Nações Unidas é a vergonha de todos nós

Um dos aspectos mais impressionantes do bolsonarismo é a formação de um mundo paralelo, onde as convicções se robustecem de forma completamente apartada da realidade, mergulhadas em uma bolha de significados radicalmente falsos.

O discurso de Jair Bolsonaro na 76ª Assembleia Geral da Organização das Nações Unidas (ONU), em Nova York, nesta terça-feira (21) foi um momento de ápice do bolsonarismo militante, com seu líder desligando-se do Brasil real e inventando outro, nos oferecendo uma realidade imaginária, um monólogo coletivizado com sua bolha, mergulhado em uma fala totalitária, que quebra a possibilidade de dizer as coisas como elas são, mas recriando-as.

O Brasil imaginário de Bolsonaro, vendido no discurso na ONU, estava às portas do socialismo quando ele o salvou; a economia tem um excelente desempenho e o país só cresce, com o respeito da comunidade internacional, cuja credibilidade foi resgatada com uma política externa séria e responsável.

Os 15 milhões de desempregados, a inflação alta e o dólar caro não existem. Nessa ilha da fantasia, a manifestação do dia 7 de setembro, pedindo o fechamento do Supremo Tribunal Federal (STF), foi “a maior de nossa História” e em defesa da democracia.

No Brasil maravilha até a questão ambiental tem destaque positivo, mesmo com todas as evidências da deterioração agressiva que vem sofrendo durante o governo atual.

Reiterando a demonização das medidas de isolamento para contenção do vírus da covid-19, a defesa do tratamento precoce ainda ganhou seu lugar, sem menção aos 600 mil mortos pela pandemia e o boicote às vacinas. 

E que houve um suposto pagamento de 800 dólares de auxílio emergencial em 2020, valor sem qualquer ponto de contato com a realidade. Assim como o delírio de que vivemos desde janeiro de 2019 sem corrupção, ignorando que há um avançado processo de investigação sobre o escândalo da rachadinha nos gabinetes dele e dos filhos e o inquérito no Supremo Tribunal Federal sobre desvios de verbas públicas no Ministério da Saúde.

Bolsonaro discursando na Assembleia das Nações Unidas é a vergonha de todos nós, porque oferece ao mundo a dimensão da tragédia política brasileira. A repercussão internacional de sua fala nos relembra que só uma sociedade em que o bom senso, a lucidez e a sensibilidade entraram em colapso massivo poderia seguir rumo a um abismo de onde não se sabe quando sairemos.

Mas é preciso que se diga que mais espantoso que todas as mentiras contadas por Bolsonaro, é o vazio de ideias e propostas. Ao deixar de enxergar onde de fato estamos, em sua mediocridade insidiosa, ele mostra que não tem nada a oferecer. Suas repetições do absurdo ofendem nossa dignidade e somos atingidos por seu pronunciamento desqualificado, como se tivéssemos que responder ao mundo como chegamos a isso.

Quem sabe quando conseguirmos entender...

 

*Tânia Maria Saraiva de Oliveira é advogada, historiadora e pesquisadora. Membra do Grupo Candango de Criminologia da Unb - GCcrim/Unb. Membra da Coordenação Executiva da Associação Brasileira de Juristas pela Democracia - ABJD. Leia outros textos.

**Este é um artigo de opinião. A visão do autor não necessariamente expressa a linha editorial do jornal Brasil de Fato.

Edição: Anelize Moreira