De olho na CPI

Sabe o que são cuidados paliativos? Entenda por que a CPI usou o termo de forma equivocada

Cuidados Paliativos nada têm a ver com a tentativa de acelerar o processo de morte

Brasil de Fato | São Paulo (SP) |
Os cuidados paliativos são uma forma de dar conforto aos pacientes que estão passando por uma doença que ameaça a vida - Patrick Fallon/AFP

A Academia Brasileira de Cuidados Paliativos (ANCP) emitiu uma carta aos senadores da Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) da Covid criticando o uso equivocado do termo “tratamento paliativo” ou “cuidados paliativos”. 

Usuários da Prevent Senior acusam a empresa de utilizar o tratamento paliativo como ferramenta para induzir pacientes idosos com covid-19 à morte, como forma de reduzir o tempo de internação e, assim, reduzir os custos. No senado, os integrantes da CPI fizeram alusão a tal acusação sem, no entanto, corrigir ou explicar o uso do termo “tratamento paliativo”.

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A carta da ANCP informa que este está longe de ser o objetivo dos cuidados paliativos. “Não gostaríamos de ser associados às más práticas que a CPI aponta, com boa intenção, mas por desconhecimento. Que usem o termo que quiserem: homicídio, eutanásia, mas isso não tem nada a ver com cuidados paliativos.”

Ortotanásia

Segundo Juliana Dantas, jornalista do premiado podcast Finitude, sobre morte e luto, os Cuidados Paliativos (CP) nada tem a ver com retardar ou acelerar o processo de morte. 

Ao contrário, trata-se de uma abordagem que envolve uma série de especialistas de diversas áreas que atuam juntos para melhorar a qualidade de vida de pacientes que têm qualquer tipo de doença que seja ameaçadora da vida, como a covid

“Toda a equipe se horizontaliza e a prioridade é o paciente e a família. Tem o médico, mas, tão importante quanto, tem enfermeiros, terapeutas ocupacionais, fonoaudiólogos, fisioterapeutas, assistentes sociais, assistentes espirituais, por exemplo.”

Em outras palavras, é o esforço de possibilitar a morte no tempo natural, com conforto e qualidade, tratando de dores físicas e de problemas de ordem psíquica, social, cultural, familiar, entre outros.

“Os cuidados paliativos são o suporte para que a pessoa tenha o próprio curso natural de vida e de morte. Tem a ver com morte no tempo certo, a ortotanásia”, que é diferente da eutanásia, o processo de acelerar a morte, e da distanásia, o prolongamento artificial desse processo.

 “Muitas vezes, quando a gente está olhando só para a cura, a gente esquece que tem um ser humano ali. Se não há nada mais o que fazer pela doença, como a gente vai tratar esse ser humano que tem desconforto, náusea, todos os sintomas físicos, existenciais, sociais, familiares, espirituais, tudo isso?”, exemplifica.

Nesse sentido, aqueles que promovem os cuidados paliativos sempre pesam o custo benefício da intervenção em relação ao resultado que pode ser alcançado. Por exemplo, se entubar um paciente pode gerar pouco ou nenhum resultado, “porque cometer essa violência dessa intervenção com essa pessoa?”.

Outro ponto de confusão é a quem se destinam os cuidados paliativos. Como dito por Dantas, a abordagem pode ser colocada à disposição para os pacientes que têm qualquer tipo de doença que seja ameaçadora da vida. Isso não significa que seja apenas para doenças incuráveis ou para pacientes em estado terminal. Pode ser, mas não necessariamente. 

“No Brasil, morre-se muito mal”

Infelizmente, os cuidados paliativos estão longe de ser uma realidade no Brasil. O país conta com apenas 191 serviços de cuidados paliativos. Para o tamanho da população brasileira de 213 milhões, segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), o número deveria ser de aproximadamente 2 mil serviços, segundo Dantas.

Se de um lado, parcelas da população com elevada condição financeira tentam a todo custo postergar o processo da morte, trazendo sofrimento desnecessário para os pacientes, do outro lado, tem-se o cenário contrário: “quando o paciente morre, por exemplo, numa fila, por falta de atendimento, por negligência médica, que aí é a outra ponta de um mal manejo de uma situação, de uma morte sem qualidade e dignidade”. 

Prevent Senior na mão contrária

A partir das denúncias contra a operadora de saúde Prevent Senior, se comprovadas, pode-se afirmar que as práticas implementadas definitivamente não podem ser enquadradas como “tratamento paliativo”. Dentro das classificações, estariam próximas, na verdade, de processos para acelerar a morte por negligência.

Cenário diferente é o do Sistema Único de Saúde (SUS). Os cuidados paliativos são um direito e, por isso, estão disponíveis em órgãos públicos de saúde. Dos 191 serviços de cuidados paliativos existentes no Brasil, 148 são do SUS

“O problema é que o fato de a gente desconhecer este direito faz com que a gente não peça por ele. Só com informação a gente tem todas as cartas na mesa para poder tomar as nossas decisões”, afirma Dantas. E aí é que mora o problema de o termo ser utilizado de forma incorreta. Corre-se o risco de aumentar o preconceito acerca de uma prática que é positiva.

“É muito perigoso que a gente coloque os cuidados paliativos como uma negligênica, uma eutanásia, que absolutamente não tem nada a ver, como se fosse somente para pacientes terminais.”

“É uma sintonia muito fina. Eu falo que é quase uma bruxaria. Muito personalizada, sempre decisões compartilhadas. Nunca é uma decisão unilateral da equipe médica e nunca é algo que não é explicado. Só por aí, pelas denúncias contra a Prevent Senior, a gente tira essa média de que absolutamente não se tratavam de cuidados paliativos”, afirma Dantas.

Edição: Anelize Moreira