Carvão

No RS, Mina Guaíba ainda preocupa: "Projeto não foi arquivado e pode voltar a qualquer momento”

Comitê ressalta que o governo Eduardo Leite (PSDB) não oficializou sua retirada de apoio ao projeto, que segue suspenso

Brasil de Fato | Porto Alegre (RS) |
Esparramando-se por 4.373 hectares, a Mina Guaíba será, se sair do papel, a maior a céu aberto do país, localizada a 1,5 quilômetro do rio Jacuí
Esparramando-se por 4.373 hectares, a Mina Guaíba será, se sair do papel, a maior a céu aberto do país, localizada a 1,5 quilômetro do rio Jacuí - Foto: Maia Rubim / Sul 21

O projeto da Mina Guaíba, da empresa Copelmi, que prevê a instalação de uma mina de carvão a céu aberto entre as cidades de Eldorado do Sul e Charqueadas, cerca de 16 quilômetros de Porto Alegre, segue suspenso na Justiça.

Esta semana, de acordo com a imprensa local, o projeto teria perdido o apoio o governador Eduardo Leite (PSDB), que chegou afirmar que a mina não sairia. Para integrantes do Comitê de Combate à Megamineração no Rio Grande do Sul, apesar da afirmação ser significativa, eles esperam que o governo de fato arquive o processo e ponha fim ao projeto. 

Desde 2014, a Copelmi busca a Licença Prévia (LP) para o projeto Mina Guaíba, que pretende se instalar como a maior lavra de carvão a céu aberto do Brasil, ocupando uma área total de cerca de 5 mil hectares. 

Entre os motivos que levaram o projeto a ser suspenso na Justiça está a não realização de consulta popular às comunidades que seriam afetadas pela mina, como a comunidade Mbya Guarani, residente próximo ao local. Caso seja retomada, a mineradora pretende, em 23 anos de operação, extrair mais de 160 milhões de toneladas de carvão mineral (além de areia e cascalho).

Conforme ressalta o advogado da Rede Nacional de Advogadas e Advogados Populares (Renap) e membro da coordenação do Comitê de Combate à Megamineração no Rio Grande do Sul, Emiliano Maldonado, o projeto está localizado às margens do Delta do Rio Jacuí. De acordo com ele, muito próximo de assentamentos de terra de referência no plantio de arroz orgânico e de outras quatro comunidades Mbya Guarani. Estas não foram consultadas, conforme direito estabelecido pela Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), em um processo de consentimento e consulta, que seja prévia, livre e informada sobre o empreendimento que buscava se instalar no local.

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A mina “não vai sair” 

O jornal Gaúcha ZH noticiou na semana passada que o governo do estado teria retirado apoio  ao projeto da Mina Guaíba. De acordo com a matéria, a postura do governo do estado destoa das posições anteriores do Piratini, que até então incentivava o Polo Carboquímico. Em entrevista ao Flow Podcast, de São Paulo, Eduardo Leite teria afirmado que o processo da Mina Guaíba estaria “arquivado” e que a mina “não vai sair”. 

Na matéria do Gaúcha ZH, o Piratini informou, por meio de sua assessoria de comunicação, que o governador fez referência a “um pedido do próprio empreendedor para arquivar administrativa e temporariamente o processo”. 

Em nota divulgada na quarta-feira passada (29), o Comitê de Combate à Megamineração no RS destacou que a a afirmação é uma vitória da intensa mobilização da sociedade civil organizada do Rio Grande do Sul.

“Vencemos o Leite e seu governo na pauta Mina Guaíba e Polo Carboquímico!”, celebra a entidade, quem pontua a necessidade se continuar alerta. 

Sobre as declarações do governador, Emiliano reafirma ser importante mencionar que a Mina Guaíba não foi implementada, até o atual momento, pela forte mobilização popular da sociedade civil gaúcha, em específico da Região Metropolitana, dos assentados da reforma agrária e também das comunidades Guaranis, que mostraram que seus direitos estavam sendo violados.

“Em fevereiro de 2020, nós obtivemos uma liminar, numa Ação Civil Pública, que suspendeu o processo de licenciamento na Fepam (Fundação Estadual de Proteção Ambiental), até que fossem cumpridas essas questões, que estão reguladas por tratados internacionais e também no nosso próprio direito nacional. O processo da Mina Guaíba foi judicializado, o que impediu que se tentasse instalar a mina às pressas. A declaração do Eduardo Leite se pauta em uma mentira e uma verdade”, frisa.

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Projeto pode voltar a qualquer momento 

Para o engenheiro ambiental e membro do Comitê, Eduardo Raguse, a afirmação, apesar da injusta correlação de forças, sinaliza sim um vitória sobre o atual governo do estado, que desembarcou do projeto na impossibilidade de colher os louros de sua implementação. “O projeto Mina Guaíba era estratégico para esse governo, como a gente explica na nota. E de fato não vai ser aprovado durante o seu mandato, mas não por falta de esforço do Executivo estadual que fez tudo o que podia para viabilizá-lo. Isso aconteceu pela forte mobilização social”, afirma.

Segundo reforça o engenheiro ambiental, é preciso que a sociedade fique alerta e não se desmobilize diante das declarações do governador. “Sabemos que o projeto ainda não está derrotado e pode voltar a qualquer momento. Até que o governo apresente ações concretas, não passa de uma jogada midiática, oportunista e até mentirosa, de quem tenta se alçar à presidência em 2022”, pontua. 

Conforme complementa Emiliano, o governador agora "veste a camisa de uma suposta perspectiva ambiental e sustentável, contra a exploração de carvão, algo que nos parece que tenta esconder o real dano que ele já provocou na legislação ambiental". O advogado relembra que Leite modificou todo o Código Estadual Ambiental, com grandes flexibilizações.

“Inclusive, essa modificação foi apelidada de 'Lei Copelmi', em referência à empresa mineradora, beneficiada pela alteração nas leis. Observamos que ele está mudando o seu 'verniz', querendo passar uma 'tinta verde'. Porém, de fato, o conteúdo e as posturas que ele teve ao longo dos seus três anos de governo não apontam nesse sentido”, ressalta. 

Emiliano e Eduardo salientam que até o presente momento não foi arquivado o processo, que está apenas está suspenso, devido a uma ordem judicial. Também que o governo não realizou nenhuma formalização da retirada do apoio.

“Inclusive, há um protocolo de intenções assinado, com grandes isenções fiscais, e até agora o governo não tomou nenhuma providência no sentido de voltar atrás. O que se verifica é que o governo fez um cálculo político, que o empreendimento não sairia do papel no seu governo, tendo em vista as várias ações que tramitam questionando os problemas do processo de licenciamento ambiental”, afirma Emiliano.

Segundo Eduardo, o que se espera é que o governador não queira ficar com mais uma mentira na conta e que apresente para a sociedade o arquivamento de fato do processo de licenciamento ambiental da Mina Guaíba na Fepam, a anulação do protocolo de intenções firmados entre a empresa Copelmi e também que proponha a revogação da política estadual do carvão mineral e do Polo Carboquímico na assembleia legislativa. 

Espera-se também, prossegue o engenheiro ambiental, que os deputados que aprovaram a política estadual do carvão mineral, quase por unanimidade em 2017, revejam sua posição e deixem de apoiar essa proposta.

“Seguimos na luta, é importante que a população fique atenta e não se desmobilize por declarações como está do governador, porque nós sabemos que o projeto não está derrotado e pode voltar a qualquer momento”, conclui Eduardo. 

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Confira a nota completa do Comitê

Nota do Comitê de Combate à Megamineração no RS sobre as declarações do governador Eduardo Leite referente ao projeto Mina Guaíba

As recentes falas do governador Eduardo Leite (PSDB) em entrevista ao Flow Podcast, de São Paulo, divulgadas também pelo jornal Zero Hora, afirmando que o processo da Mina Guaíba estaria “arquivado” e que a mina “não vai sair”, sem dúvida são uma vitória da intensa mobilização da sociedade civil organizada do Rio Grande do Sul. Vencemos o Leite e seu governo na pauta Mina Guaíba e Polo Carboquímico!

O projeto era pauta estratégica do  atual chefe do Executivo, a ponto de terem extinguido a Secretaria de Minas e Energia para levá-la para dentro da Secretaria de Meio Ambiente, escalando para a pasta ninguém menos que Arthur Lemos, o Secretário de Minas e Energia do Governo José Ivo Sartori (MDB), constituindo evidente conflito de interesses, denunciado por diversos movimentos, entidades ambientalistas e associações de funcionários da própria Secretaria e suas Fundações.

Vale ressaltar que ainda se mantém em vigor um Protocolo de Intenções firmado entre o Governo do Estado e a mineradora Copelmi (Expediente nº 18/1701-0000261-2), visando postergar o ICMS para a aquisição de máquinas e equipamentos industriais de fornecedores do RS, de outras unidades da Federação e de importação, e também na etapa seguinte à implantação da mina, diferindo o ICMS nas saídas de carvão mineral, no prazo mínimo de 15 anos, lembrando que o projeto tem 23 anos de operação prevista, e que o prazo do protocolo poderia ser estendido. Dos R$ 142 milhões anuais que a empresa alega que geraria em tributos diretos na fase de operação da mina, o ICMS representa mais de 40%. Teríamos que subtrair R$ 59 milhões anualmente desta conta.

O Governo Eduardo Leite, além de seguir os planos da Política Estadual do Carvão Mineral e Polo Carboquímico e oferecer facilidades administrativas e fiscais ao setor, promoveu possivelmente o maior retrocesso legal da história da Política Ambiental do RS com as mais de 500 alterações no Código Ambiental Estadual (que chegou a ser apelidado de Lei Copelmi), que, a reboque, também revogou artigos fundamentais do Código Florestal Estadual (como a retirada da imunidade ao corte de Figueiras e Corticeiras), além da alteração na Lei Gaúcha dos Agrotóxicos (retirando a proteção pioneira desta Lei, que proibia o uso no RS de agrotóxicos proibidos em seus países de origem). Tudo isto sem o menor debate com a sociedade civil, em processos de atropelo, marca registrada do atual déficit democrático.

É evidente que as recentes e marketeiras falas do governador foram calculadas e preparadas no contexto de sua campanha para a presidência nas eleições de 2022. Não é a primeira vez que Eduardo Leite é oportunista, nem que mente em campanha. Todos acompanham o desastroso resultado de um dos maiores estelionatos eleitorais cometidos no RS, quando em campanha o então candidato afirmou, categoricamente, que não iria privatizar a CORSAN, e agora não cumpre sua palavra, avançando rapidamente, e novamente sem ouvir a população gaúcha, para entregar uma de nossas infraestruturas mais estratégicas e essenciais na mão do capital privado, provavelmente estrangeiro.

Na questão da Mina Guaíba Eduardo Leite fala uma mentira e uma verdade. Mente ao afirmar que o processo está arquivado. O processo de licenciamento ambiental da Mina Guaíba na FEPAM (6354-05.67/18-1), que pode ser consultado por qualquer cidadão, não está arquivado. Está sim suspenso por decisão judicial para que a empresa sane as omissões de seu EIA/RIMA, especialmente para que cumpra com a obrigação, da qual tentou escapar, de realizar a consulta livre, prévia e informada das Aldeias Mbyá Guaraní que são impactadas pelo projeto. Além disto, tramitam outros três processos na justiça sobre os riscos à água, aos pescadores das ilhas do Delta do Jacuí, e sobre o fracionamento entre o processo de licenciamento da Mina sem incluir o Polo Carboquímico (considerando que um não se viabiliza sem o outro).

Ainda, em função dos mais de 20 pareceres técnicos independentes, assinados por mais de 40 pesquisadores e técnicos de diferentes áreas do conhecimento (geologia, biologia, engenharias, economia, sociologia, antropologia, psicologia, medicina, entre outros, com diversas especialidades) articulados pelo Comitê de Combate à Megamineração no RS, e da análise técnica da equipe da FEPAM, o órgão ambiental estadual emitiu ofício com mais de 100 itens à serem complementados nos estudos apresentados pela empresa, que até o momento não respondeu a nenhum deles.

Ressaltamos que parcelas significativas do setor industrial já estão pulando do barco furado do carvão. Ainda em 2020, uma das maiores empresa de fertilizantes no Brasil, detentora de grande parte do mercado de fertilizantes do RS, anunciou que não iria comprar produtos ou investir no Complexo Carboquímico por decisão do governo norueguês (seu principal acionista), o que já comprometia o projeto do Polo, pois não conseguiriam escoar e viabilizar a cadeia da ureia. A maior produtora de celulose do RS anunciou que substituirá sua caldeira movida à carvão mineral por uma nova caldeira a gás natural. Uma das maiores multinacionais do setor energético tem avançado na descarbonização de seu portfólio e acaba de vender o Complexo Termelétrico Jorge Lacerda, em Santa Catarina.

Em Candiota a Mina de Carvão da CRM teve sua Licença de Operação indeferida pela FEPAM, devido à ocorrência de extração mineral em área não licenciada, atingindo Área de Preservação Permanente com intervenção em vegetação nativa e recurso hídrico, tudo sem o devido licenciamento, que demandaria EIA/RIMA, o que pode levar à paralização da Usina Termelétrica Presidente (ditador) Médici, por falta do combustível. E o projeto da Usina Termelétrica Nova Seival (também da Copelmi Mineração), teve seu licenciamento ambiental suspenso e sua Audiência Pública anulada pela Justiça Federal do RS. Foi mais uma vitória do Comitê de Combate à Megamineração no RS que se torna histórica, pois a decisão da 9ª Vara Federal de Porto Alegre ainda determinou que os estudos da Nova Seival e o Termo de Referência do IBAMA para licenciamento de Usinas Termelétricas devem incluir Avaliação de Impactos à Saúde e os impactos das emissões de gases de efeito estufa sobre as mudanças climáticas globais.

Soma-se ainda o fato do anuncio do governo chinês, na Assembleia Geral da ONU de 21 de setembro de 2021, de que o país deixará de participar da construção de usinas termelétricas a carvão no exterior, o que impacta os projetos carboníferos do RS pois têm na China seu principal investidor estrangeiro.

Aí está o oportunismo do candidato à presidência. O projeto Mina Guaíba não iria ser aprovado de qualquer maneira dentro do seu mandato como governador do RS, para o qual tampouco tem interesse em se manter por mais quatro anos, pois quer tentar voos mais altos. Considerando ainda que conseguimos incidir no debate à nível estadual, e que a população gaúcha têm demonstrado maciça reprovação do projeto, e ainda que o setor do carvão está em pleno colapso, o que é evidenciado pelo grande volume de fatos recentes apresentados, ficou fácil o cálculo de desembarque.

Ao Governo Eduardo Leite, oferecemos a oportunidade de não ficar com mais esta marca de mentiroso na paleta. Para isso, precisa nos apresentar e à sociedade, no mínimo, o arquivamento do processo de licenciamento ambiental da Mina Guaíba na FEPAM, a anulação do Protocolo de intenções firmado com a empresa Copelmi, a devolução da autonomia da SEMA em relação ao setor minerário e energético, a proposta de revogação da Política Estadual do Carvão Mineral e Polo Carboquímico na Assembleia Legislativa do RS, e que apresente para discussão com a sociedade um Plano de Descarbonização da economia gaúcha.

A verdade dita pelo governador ao programa de alta audiência foi que: a Mina Guaíba “não vai sair”. Mas isto se fará realidade não em função destas declarações midíaticas e, até o momento, vazias. Este e outros projetos anacrônicos e destruidores “não vão sair” pois nós seguiremos atentos e fortes, tanto na construção de que o próximo Governo do RS tenha compromisso real com a descarbonização e com a não implantação do atual modelo mineral brasileiro em larga escala em nosso Estado.

E, para além dos pleitos eleitorais, seguiremos firmes no fortalecimento contínuo da organização da sociedade civil e da consciência do povo gaúcho de que o carvão e a Megamineração só são bons negócios para os acionistas das mineradoras, não para nossos biomas, nossa água, nosso ar, nossa qualidade ambiental, nossa economia, nossa saúde e nossas vidas, desta e das futuras gerações.

Porto Alegre, 29 de setembro de 2021

Comitê de Combate à Megamineração no RS

*Com a colaboração de Pedro Neves Dias 

Fonte: BdF Rio Grande do Sul

Edição: Marcelo Ferreira