PEGADAS NA CAATINGA

"Viagem" à pré-história: sítios arqueológicos com pinturas rupestres viram atração em Alagoas

Cadeia de turismo comunitário é desenvolvida em assentamento no sertão alagoano para preservar patrimônio e gerar renda

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Os 43 sítios arqueológicos do Assentamento Nova Esperança guardam pinturas cujo significado ainda é um mistério para os pesquisadores - Acervo Iphan
Quando eu era pequena, eu ia pras cavernas brincar e a gente via as gravuras ali nas pedras

O passado remoto é uma promessa de futuro no Assentamento Nova Esperança, no sertão de Alagoas. Isso porque a área do assentamento possui vários sítios arqueológicos com pinturas rupestres. Junto ao Iphan, os assentados estão desenvolvendo uma cadeia de turismo comunitário para gerar renda e preservar esse tesouro. 

A Ana Paula Ferreira é presidente da Associação Pegadas na Caatinga, criada para gerir o turismo no assentamento. Ela lembra que quando as primeiras famílias chegaram àquelas terras, em 1998, ainda não conheciam o potencial que havia ali.

“Quando eu era pequena, eu ia pras cavernas brincar com os amigos e ali a gente via as gravuras ali nas pedras, mas não sabia a riqueza que a gente tinha ao redor desse assentamento”, recorda. 

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Rute Barbosa, arqueóloga do Iphan, conta que o projeto para criar o complexo arqueológico começou pra valer em 2019, e aí os pesquisadores descobriram que o local é muito mais rico do que se imaginava. 

Tem uma recorrência muito grande de pinturas geométricas, que representam desenhos que a arqueologia não consegue identificar

“Nós fizemos um trabalho também de prospecção, de localização de novos sítios. Tínhamos inicialmente 14 sítios arqueológicos. Hoje o assentamento conta com 43 sítios”, destaca.

O assentamento fica no município de Olho d’Água do Casado, na divisa com o estado de Sergipe, e próximo à Bahia.

Rute explica que toda essa região às margens do rio São Francisco foi muito ocupada cerca de 3 mil anos atrás, e por isso há uma profusão de sítios arqueológicos. Mas ainda se sabe muito pouco sobre o modo de vida do povo que deixou suas marcas por lá.

“Tem uma recorrência muito grande de pinturas geométricas, que representam desenhos que a arqueologia não consegue identificar, mas que são geralmente círculos concêntricos, algumas formas geométricas que se repetem em outros sítios da região do Rio São Francisco. Alguns desenhos que representam figuras humanas, outros que representam figuras de animais e de plantas. Então há essa diversidade”. 

Para que as pesquisas possam avançar, é necessário preservar esses sítios — e é aí que entra o projeto de turismo sustentável desenvolvido junto à comunidade, com cursos para formar guias e para fomentar a economia criativa. 


Além das trilhas ecológicas, o assentamento aposta no artesanato para fomentar o turismo e gerar renda para os moradores / Associação Pegadas na Caatinga

Estamos pensando de, no futuro, ter um local pras pessoas repousarem (...) e ser um turismo sustentável

Uma das frentes de trabalho é o artesanato: peças de roupa e acessórios decorados com reproduções das pinturas rupestres. A artesã Claudia Maria do Nascimento conta que a ideia é descobrir os talentos que existem na comunidade, em especial entre as mulheres e os jovens. 

“É um trabalho diário: tô passando e vejo alguém bordando, fazendo um crochê, por exemplo. ‘Nossa, você faz crochê?’, ‘Faço’, ‘Então, a gente tem um projeto na comunidade...’. Enfim, a gente vai envolvendo aos poucos pra trazer pro grupo uma equipe que trabalhe coletivamente”. 

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Hoje, 135 famílias vivem no Assentamento Nova Esperança. O objetivo é mesmo envolver toda a comunidade no turismo. Ana Paula conta o que os moradores estão planejando montar.

“Um restaurantezinho agroecológico com toda alimentação baseada aqui no assentamento: alface, feijão, abóbora, galinha, carne, toda do assentamento. E estamos pensando de, no futuro, ter um local pras pessoas repousarem. Essa cadeia de hospedagem será de forma também que as pessoas da comunidade possam ajeitar um quarto na sua casa pra gente não degradar, e ser um turismo sustentável”. 


Para a professora Maria Pastora, o trabalho de educação feito junto às crianças e jovens faz com que eles valorizem a riqueza que há no território / Acervo pessoal Maria Pastora de Assis

Percebe-se que os jovens, as crianças, já vão começando a dar valor pra região

Essa é a aposta para combater um problema comum por lá: o êxodo. Por ser uma região em que a chuva é incerta, muitos acabam desistindo da agricultura e vão buscar emprego na cidade. Movimento que é comum principalmente entre os jovens. Por isso, além dos projetos para gerar renda, também há um trabalho feito dentro das escolas. É o que explica a professora Maria Pastora de Assis. 

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“Os professores de todas as disciplinas têm feito projetos interdisciplinares para que os alunos possam conhecer os sítios arqueológicos e a importância das pinturas rupestres tanto na teoria quanto na prática. Aí percebe-se que os jovens, as crianças, já vão começando a dar valor pra região. Saber que a região tem uma riqueza, tem algo de importante”. 

Para além dos sítios arqueológicos, o assentamento é porta de entrada para os cânions do rio São Francisco e possui uma bela vista do pôr do sol. Quem quiser visitar, já é possível agendar trilhas na comunidade. É só entrar no Instagram @trilha_ecologica, que lá tem o contato de whatsapp para reservar uma data. 


 

Edição: Douglas Matos