Conflito agrário

Famílias agricultoras acusam usina de invadir e destruir plantação no grande Recife (PE)

Acampamento do MST em Moreno tem plantado alimentos para distribuir nas periferias

Brasil de Fato | Recife (PE) |
Trabalhadores confrontam tratores da Usina Petribu, que ao longo de dois dias removeu 20 hectares de lavoura - Comunicação MST

Na última semana as famílias agricultoras do acampamento “Lula Livre 13”, no município de Moreno, região metropolitana do Recife, foram surpreendidas pela chegada de quatro tratores conduzidos por funcionários da Usina Petribu S/A, que sequer é proprietária das terras onde fica o acampamento. Os tratores araram 20 hectares de terras em dois dias, até serem expulsos pelos agricultores. Não houve confronto, mas os trabalhadores rurais acusam o grupo Petribu de repetir a prática noutras terras.

Os quatro tratores chegaram à lavoura dos acampados na manhã do sábado (16) e trabalharam ao longo de todo o fim de semana. Derrubaram árvores frutíferas e araram 20 hectares de terras (200 mil metros quadrados) para o plantio de cana de açúcar. Romildo “Axé”, coordenador do Movimento dos Trabalhadores e Trabalhadoras Rurais Sem Terra (MST) na região, conversou com a reportagem. “Os companheiros me telefonaram, fui no domingo de manhã ver a situação e na segunda-feira voltei com mais outros 100 companheiros e paralisamos as máquinas”, conta ele, que lembra ainda que não houve ameaças ou reação por parte dos funcionários da usina. “Conversamos com os operadores das máquinas e pedimos que as retirassem”.

:: “MST oferece uma possibilidade de solucionar a fome”, diz bispo de Campo Mourão (PR) ::

Horas depois um gerente da Usina Petribu, encarregado do trabalho de campo, foi ao local. “Nosso pessoal conversou e ele disse que não sabia que aquelas terras eram do Engenho Bom Dia. Mas eu acho que sabia sim, porque fica a poucos metros do nosso acampamento”, diz Romildo Axé. A Usina Petribu fica no município de Lagoa de Itaenga, a mais de 60 quilômetros de distância do local. Mas a Petribu arrendou (alugou) as terras do Engenho Caxito, vizinho ao Engenho Bom Dia.

Ainda na segunda-feira Axé recebeu a ligação do presidente do Instituto de Terras e Reforma Agrária de Pernambuco (ITERPE), órgão da Secretaria de Desenvolvimento Agrário do Governo de Pernambuco. “O senhor Henrique Queiroz me ligou, disse que o pessoal da Petribu ligou para ele, dizendo que nós tínhamos feito uma ocupação no Engenho Caxito. Expliquei que não fizemos ocupação nenhuma, foi o contrário. Depois ele me ligou, disse que o pessoal lá errou o marco da terra e pediu desculpas, disse que não vai haver problemas”, conta o dirigente do MST.

:: Especial | Fome no Brasil: a luta de famílias brasileiras para garantir comida na mesa ::


Quatro tratores da Usina Petribu foram enviados para as terras do Engenho Bom Dia, onde há 350 famílias acampadas desde 2018 / Comunicação MST


Árvores nativas e frutíferas foram derrubadas pelos tratores visando plantar mais cana de açucar / Comunicação MST

O “mal-entendido” não saiu barato para os agricultores, que perderam parte de sua produção. As 350 famílias que moram no acampamento “Lula Livre” usam as terras para o plantio de feijão, arroz, milho, coentro, alface, quiabo, maxixe, jerimum, batata, macaxeira, banana e maracujá. O espaço também abriga um “roçado coletivo”, no qual voluntários podem participar do plantio e colheita com os agricultores. “Quando expulsamos os tratores, aproveitamos os companheiros que estavam lá para ajudar a replantar. Plantamos 10 quilos de feijão na segunda-feira, na terça plantamos macaxeira e vamos plantar 2 mil pés de banana”, garante Axé.

Parte desta produção é destinada às ações de solidariedade do MST, seja transformada em marmitas ou pela doação direta dos itens a famílias em situação de insegurança alimentar nas periferias da região metropolitana. Essas ações de solidariedade foram reconhecidas com premiação da Organização Internacional do Trabalho (OIT) e da Organização das Nações Unidas (ONU).

:: MST vence prêmio internacional por atuação na garantia de condições dignas para a população ::

História repetida

Romildo conta que a situação vivida esta semana não é um caso isolado. Ele relata que nos últimos anos o MST já viu intervenções idênticas da Usina Petribu em São Lourenço da Mata, em Jaboatão e no próprio município de Moreno, sempre que a Petribu arrenda terras de engenhos vizinhos de massas falidas onde há ocupações. “Alugam engenhos e se tiver acampamento na vizinhança eles vêm com o rolo compressor”, diz o dirigente do MST.

“Também fizeram isso no antigo Engenho Várzea do Una (Moreno), onde hoje temos o Assentamento Che Guevara. Fizeram isso no engenho Araújo e no Poço Dantas (São Lourenço), onde temos o Assentamento Luiza Ferreira”, lembra Axé. “Já é praxe da Petribu, sempre criam disputas com acampamentos vizinhos. Colocam trator, veneno para queimar o mato, a mesma situação”, completa.

O dirigente sem terra alerta que os acampados e assentados precisam estar sempre organizados politicamente para estarem preparados para lidar com esse ambiente. “Já enfrentamos duas ordens de reintegração de posse e ainda tem essa pressão dos usineiros em volta, vindo para cima de nós”, reclama. “Por isso os acampamentos precisam estar com as famílias organizadas, vigilantes para fazer esse enfrentamento, que é permanente. Porque quando menos se espera essas coisas acontecem”, pontua.

A reportagem tentou contato com a Usina Petribu S/A e com o conglomerado São José Agroindustrial, da qual a Usina Petribu faz parte. Não fomos respondidos até o fechamento desta matéria.


MST aproveitou a mobilização e realizou mutirão para o replantio da área destruída / Comunicação MST

A família Petribu é formada por grandes proprietários rurais desde os anos 1700 e segue com grande poder econômico e político no estado, especialmente na zona da mata, onde têm muitas propriedades rurais e um familiar como prefeito do município de Ribeirão, na mata sul. O grupo empresarial Cavalcanti Petribu, além da produção de açúcar, glacê, álcool, etanol, também atua no mercado industrial, imobiliário, de serviços e logística, estendendo sua atuação pela região metropolitana.

O Engenho Bom Dia foi fundado no início dos anos 1800, nas terras do Engenho Catende, por Antônio de Sousa Leão, o “Barão de Moreno”. A família Sousa Leão também segue até hoje com grande influência econômica e empresarial no estado. O acampamento “Lula Livre 13” teve início em abril de 2018, quando centenas de famílias sem terra, organizadas no MST, ocuparam as terras improdutivas do Engenho Bom Dia. Em 2020 o acampamento recebeu duas ordens de despejo, mas o movimento conseguiu a suspensão.

Fonte: BdF Pernambuco

Edição: Vanessa Gonzaga