"Feriu o decoro"

Polícia Militar no Paraná expulsa policial que fez críticas a Bolsonaro e à corporação

“Tentei demonstrar quão equivocada estava a ideia de a polícia defender um cara com tendências fascistas”, diz Del Colle

Curitiba (PR) |
Policial foi acusado de fazer imputações graves contra a instituição da PM e incitar policiais militares a descumprirem ordens superiores - Foto: Reprodução

O policial militar aposentado Martel Alexandre Del Colle foi expulso das fileiras da corporação da Polícia Militar do Paraná. Desde janeiro de 2020, Del Colle respondia a um processo no Conselho de Disciplina da PM por ter publicado textos e vídeos emitindo opiniões contrárias a Jair Bolsonaro (quando ainda candidato à presidência) e com críticas à Polícia Militar.

O oficial era acusado de “ter produzido diversos textos (...) além de um vídeo (...) trazendo a conhecimento público imputações graves contra a instituição Polícia Militar do Paraná”. Alega-se ainda que Del Colle “incitou policiais militares a descumprirem ordens superiores” e violou “preceitos de honra pessoal, pundonor militar e do decoro de classe”. A publicação da decisão foi em 24 de setembro, mas Del Colle afirma só ter sido informado oficialmente cerca de três semanas depois.

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“Vou entrar com recurso em todas as instâncias possíveis. O primeiro é o pedido de reconsideração de ato, pedindo para reconsiderar o que foi decidido e depois tem outros recursos, até chegar na esfera judicial”, diz Del Colle.

Para o policial, sua expulsão foi um ato da PM para “servir como exemplo para outros policiais”. “Nunca fui super bem aceito. No começo, cheguei a ter conversas com superiores, porque eles não gostavam de coisas que eu publiquei. Só que não tinham o que fazer, legalmente. Acabavam fazendo coisas que estavam à beira da ilegalidade, como transferir, mudar de função, coisas desse tipo”, explica.

Del Colle foi aposentado de forma compulsória em 2019, então com 29 anos. Com a aposentadoria, teve o salário cortado em dois terços. Agora, ele diz que não deve perder o salário da aposentadoria, uma vez que é um direito previdenciário, mas, por não estar mais ligado à corporação, também não receberá qualquer reajuste que os funcionários possam ter.


Del Colle respondia a um processo no Conselho de Disciplina por ter publicado textos e vídeos com críticas a Bolsonaro e à PM / Foto: Arquivo

Adestramento

Martel Del Colle entrou na Polícia Militar do Paraná com 18 anos. Hoje com 31, ele conta ter percebido uma mudança, nos últimos anos, no modo como a corporação lida com a posição política de policiais.

“Alguns anos atrás, você era livre para fazer o que quisesse, podia criticar políticos. O pessoal explanava ideias fascistas abertamente e nada acontecia”, diz. Com o surgimento de movimentos organizados contrários aos pensamentos fascistas dentro da corporação, como o Policiais Antifascismo, a ordem mais recente passou a ser proibir qualquer tipo de posicionamento político.

“A grande diferença está na forma com que lidam com um policial de direita e um policial de esquerda. O policial de esquerda, geralmente, já vai para expulsão, afastamento, como aconteceu comigo. O policial de direita tem uma tolerância maior”, completa.

Na análise de Del Colle, a própria formação da PM é feita para que sejam formados profissionais que apenas reproduzem ordens e não pensam criticamente. “Não é uma formação, é um adestramento. A ideia é que o policial só aprenda a repetir as coisas e a maioria segue isso, não aprende a questionar”, pontua.

Negligência da PM com saúde mental

Desde 2015, Martel Del Colle trata um quadro de depressão. Ele conta que a rotina de trabalho da PM favorece o adoecimento mental de policiais. Alguns dos pontos críticos da rotina de um policial militar é a convivência diária com violência e mortes e o sistema militarizado que faz com que superiores sintam-se livres para humilhar subordinados.

Além disso, questões trabalhistas também afetam a saúde mental dos oficiais, como as longas jornadas de trabalho e o desrespeito à expressão individual pessoal dentro da corporação.

Mesmo com o diagnóstico médico da depressão, a Polícia Militar do Paraná, quando da aposentadoria de Del Colle, entendeu que não era possível estabelecer uma relação direta entre seu quadro e sua profissão.

Para o policial, a falta de uma política preventiva de saúde mental é uma falha grave na PM brasileira. “Mesmo que o policial não conte pra ninguém que está em sofrimento, é importante ter acompanhamento psicológico. É preciso que o policial tenha tempo para sua família, possa fazer o serviço direito, consiga expressar sua opinião e seja respeitado”, analisa.

Mesmo depois de todo o processo que vem enfrentando dentro da corporação, Del Colle afirma que não se arrepende de ter expressado sua opinião publicamente. Para ele “era uma luta necessária”, da qual não podia se eximir. “Eu tentei demonstrar o quão equivocada estava a ideia de uma polícia defendendo um cara que tem tendências fascistas claras”, diz.

A reportagem do Brasil de Fato Paraná entrou em contato com a Polícia Militar do Paraná pedindo explicações sobre o caso e as acusações aqui explicitadas. Até o fechamento desta reportagem, não houve resposta.

Fonte: BdF Paraná

Edição: Frédi Vasconcelos