OPINIÃO

Análise | A PEC 5/2021 e o controle externo do Ministério Público

"O Ministério Público é sim uma instituição fundamental, no entanto, não soberana em relação à vida política"

Brasil de Fato | Porto Alegre (RS) |
MPF PGR
Proposta de Emenda à Constituição (PEC) nº 05/2021 trata do Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP) - João Américo/PGR/MPF

Cada vez mais o Ministério Público se torna pauta pública, seja ela no debate político, seja também nos jornais de grande circulação e nas redes sociais. Muitas são as coisas ditas, mas nem sempre bem fundamentadas, ou verídicas.

No campo acadêmico, mais precisamente na Ciência Política, que é onde nos inserimos, estudos sobre essa instituição vêm acontecendo desde o final da década de 1990. À época, os pesquisadores do Instituto de Estudos Econômicos, Sociais e Políticos de São Paulo (IDESP) apresentaram uma série de análises acerca do Ministério Público que transitavam pela sua historiografia, o ativismo judicial, o voluntarismo político e a sua atuação privilegiada naquilo que fora conceituado como judicialização da política.

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Mais tarde, análises sobre o campo jurídico, a partir de uma perspectiva ligada à Sociologia Política, começaram a desvendar questões importantes como o recrutamento das elites dessa instituição e os movimentos “anticorrupção” que, com a mobilização de um discurso moralizador, acaba fortalecendo o processo de politização da justiça.

Além disso, também foram elaborados estudos que tratam do sobre os órgãos de controle público (accountability). Aqui, o Ministério Público é encarado como um dos órgãos de accountability horizontal que tem a responsabilidade de investigar e ajuizar ações contra agentes públicos que são suspeitos de cometerem crime de corrupção.

Em todas essas análises, é possível verificar que o Ministério Público Federal vem conquistando força institucional desde o período do regime autoritário, sobretudo desde 1973 com o Código de Processo Civil que define a instituição como defensora do interesse público. E, mais adiante, em 1981, com a Lei nº 6.938, com a criação do instrumento de “ação civil pública”.

Esse processo vai desembocar na Constituição Federal de 1988. O Legislador Constituinte define o Ministério Público, no artigo 127, como “instituição permanente, essencial à função jurisdicional do Estado, incumbindo-lhe a defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis”. Além disso, não o coloca “sob guarda” de nenhum dos Poderes constituídos. Ou seja, o Ministério Público não é um Poder da República, pari passu, não está sob controle de nenhum dos três Poderes.

Ademais, o Ministério Público é uma instituição que tem o “concurso público” como única porta de acesso dos seus membros. Quanto ao controle externo, o único órgão existente é o Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP), que, conforme disposto no Artigo 130-A da CF 1988, é formado pelo Procurador-Geral da República, por sete membros do MP (quatro do Ministério Público da União e três dos MPs dos Estados), dois juízes indicados pelo STF e STJ, dois advogados indicados pelo Conselho Federal da OAB, e dois cidadãos de notável saber jurídico e reputação ilibada indicados pelo Congresso Nacional. Quer dizer, o Ministério Público é uma instituição com grande autonomia em relação aos Poderes da República, com uma ampla possibilidade de atuação, inclusive persecutória contra agentes públicos, que tem o “concurso público” como porta de entrada dos seus agentes, que possuem garantias constitucionais como vitaliciedade, inamovibilidade e irredutibilidade de subsídios, além de baixo controle externo.


Por falta de 11 votos, proposta que mudaria Conselho Nacional do Ministério Público foi rejeitada no Plenário / Agência Câmara

Por conta disso, temos visto cada vez mais operações conduzidas pelo Ministério Público que têm caráter persecutório em relação a determinados agentes públicos e que têm gerado cada vez mais instabilidade no campo político.

É nesse contexto que surge a Proposta de Emenda à Constituição 5/2021, que tem por objetivo alterar a composição do Conselho Nacional do Ministério Público. Pela proposta, o CNMP deixaria de ser composto por quatorze pessoas e passaria a contar com dezessete membros, quais sejam: o Procurador-Geral da República, sete membros do Ministério Público (quatro do Ministério Público da União e três dos MPs dos Estados), dois Ministros ou juízes indicados pelo STF e STJ, dois advogados indicados pelo Conselho Federal da OAB, quatro cidadãos de notável saber jurídico e reputação ilibada indicados pelo Congresso Nacional e um membro dos MP dos Estados dentre os que ocupam ou ocuparam o cargo de Procurador-Geral de Justiça.

Como é possível verificar, a proposta, por mais barulhos que tenha havido, é bastante modesta. Quer dizer, atualmente o CNMP é composto por oito membros diretamente ligados ao Ministério Público, dois membros indicados por tribunais, dois pela OAB e dois pelo Congresso Nacional. As únicas mudanças seriam que o MP passaria a ter nove membros ligados à instituição e o Congresso Nacional passaria a indicar quatro membros ao invés de dois. Sendo assim, o Ministério Público seguiria tendo mais membros indicados para o Conselho Nacional do Ministério Público do que as demais instituições.

Ou melhor, quanto à representação, a PEC 5/2021 não modifica o estabelecido em relação à hegemonia do Ministério Público no CNMP. O que ela modifica é no sentido de aumentar o peso dos indicados pelo Congresso Nacional.

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Entretanto, as mais variadas vozes se levantaram contra a proposta, desde um certo movimento de artistas, passando pelos agentes do Ministério Público Federal ligados à operação Lava Jato de Curitiba, chegando até políticos profissionais com cargos eletivos, como os deputados Marcelo Freixo, Alessandro Molon e Tabata Amaral. Todas essas vozes gritavam por “autonomia” do Ministério Público, contra a interferência da política.

Importante frisar, em nenhum momento a PEC 5/2021 fala sobre a diminuição da autonomia dos agentes do Ministério Público, bem como da própria instituição. De tal forma, a PEC não coloca o MP sob guarda de nenhuma instituição. O que a PEC 5/2021 faz é aumentar a composição do Conselho Nacional do Ministério Público no sentido de, possivelmente, forçar o Conselho a ter maior rigor quanto as análises das denúncias sobre os procuradores e promotores.

O que chama atenção é que, desde a sua criação, em 2005, o Conselho Nacional do Ministério Público demitiu apenas 22 procuradores (o último foi Diogo Castor de Mattos, que fora membro da força-tarefa da Lava Jato). Além disso, cerca de 90% dos processos instaurados de natureza disciplinar foram arquivados, conforme mostram as mais variadas notícias de jornal. Sem contar os adiamentos, como o caso de Deltan Dallagnol, coordenador da força-tarefa da Lava Jato no âmbito de Curitiba, que fora adiado mais de 40 vezes. Ou seja, o CNMP é um órgão que muito pouco investiga e, menos ainda, pune.

Traçando um paralelo em relação aos demais órgãos de accountability horizontal, o Ministério Público, como tenho dito desde o trabalho denominado “Em nome da moralidade pública: o Ministério Público e a legitimação do ‘combate à corrupção’ no Brasil”, de 2019, é a instituição mais privilegiada por conta do alto grau de autonomia e do baixo controle externo. Por conta disso, sua atuação persecutória contra os agentes públicos, em nome da defesa da ordem democrática e do interesse público em relação aos cidadãos hipossuficientes, tem sido cada vez mais presente.

Diante disso, por fim, penso que cabe perguntar: se cairmos no enredo de que a política não pode regular o Ministério Público, a quem caberia essa ação? O Ministério Público seguirá sendo uma instituição sem controle e sem capacidade de punição dos seus membros faltosos em relação à postura ética e ao que já fora definido como abuso de autoridade? Ademais, a quem interessa afirmar certas instituições como incontroláveis?

São muitas as questões levantadas e todas elas devem nos levar à compreensão de que o Ministério Público é sim uma instituição fundamental, no entanto, não soberana em relação à vida política.

* Paulo dos Santos é cientista social pela UFRGS, mestrando em Ciência Política pela UFRGS e pesquisador do Núcleo de Estudos em Elite, Justiça e Poder Político.

** Este é um artigo de opinião. A visão do autor não necessariamente expressa a linha editorial do jornal Brasil de Fato.

Fonte: BdF Rio Grande do Sul

Edição: Marcelo Ferreira