Rio Grande do Sul

Entrevista

“A CPI escancarou a vergonha da resposta brasileira à pandemia”, afirma Pedro Hallal

Epidemiologista e ex-reitor da UFPel diz que Brasil errou “em praticamente tudo” ao enfrentar a covid-19

Brasil de Fato | Porto Alegre |
O epidemiologista e pesquisador da Universidade Federal de Pelotas (UFPel), Pedro Hallal, depôs na CPI da Pandemia - Foto: Jefferson Rudy/Agência Senado

O epidemiologista Pedro Hallal, da Universidade Federal de Pelotas (UFPel), tornou-se personagem nacional ao coordenar a primeira pesquisa brasileira sobre a pandemia. Converteu-se em questionador implacável das tropelias do governo Bolsonaro ao longo de um ano e nove meses e de quatro ministros da saúde.

Ex-reitor da sua universidade, surgiu como voz incisiva contra a negação da ciência. Hoje professor visitante da Universidade da Califórnia em San Diego, Hallal afirma que o Brasil pouparia mais de 400 mil vidas com uma atuação pelo menos mediana perante a ameaça do vírus.

Confira a entrevista concedida ao Brasil de Fato RS:

Brasil de Fato RS - Qual a sua avaliação da CPI da Covid, seu trabalho, seu relatório e suas consequências?

Pedro Hallal - É muito positiva. A CPI escancarou para o Brasil toda a vergonha que tem sido a resposta brasileira à pandemia. Não é por acaso que um país com a estrutura de saúde do Brasil consegue ter uma mortalidade por covid-19 cinco vezes maior do que a média mundial.

É preciso errar muito para atingir esse patamar. E o Brasil errou em praticamente tudo no enfrentamento da pandemia. A CPI soube expor esses erros para toda a população.

Sem negacionismo, o Brasil não teria 600 mil mortes, mas cerca de 120 mil

BdF RS - Como segundo país com mais mortes no mundo, o Brasil pagou um preço brutal para a covid-19. Se não tivéssemos fake news, produzidas ou disseminadas pelo presidente da República e seus apoiadores, nosso custo – mesmo sem vacinas – seria mais baixo. De quanto seria?

Hallal - Não existe resposta mágica para essa pergunta, mas existem vários cenários que podem ser explorados.

O primeiro seria caso o Brasil tivesse ouvido a ciência desde o princípio e, com isso, tivesse uma mortalidade acumulada parecida com os melhores países do mundo no enfrentamento da pandemia. Nesse cenário, não teria mais do que 20 mil mortes.

Mas acho mais adequado comparar o Brasil com a mortalidade média do resto do mundo. Se tivéssemos um desempenho mediano, melhor do que a metade e pior do que a outra metade dos países. Nesse cenário, nosso número de mortes atual seria próximo de 120 mil.

Como são mais de 600 mil mortes confirmadas, dá para se ter uma ideia do tamanho do estrago causado pela política negacionista de enfrentamento da pandemia.

BdF RS - Sabemos sobre as mortes da covid-19, mas pouco sobre os milhares que não morreram e sobrevivem com sequelas pesadas. O que se poderia dizer a respeito não somente das sequelas deixadas pela infecção, mas também das doenças que se manifestam a partir da covid?

Hallal - Comemorar o número de recuperados é equivalente a comemorar o gol que o Brasil fez na derrota de 7x1 para a Alemanha na Copa de 2014. Uma grande parte das pessoas que tiveram covid-19, e felizmente não morreram, convivem com sequelas de todas as ordens. Isso inclui sintomas de longa duração, sequelas emocionais, além do luto de muitos desses sobreviventes, que muitas vezes são familiares de outras pessoas que, infelizmente, não sobreviveram.

BdF RS - Existem muitas advertências no ar quanto ao advento de futuras pandemias originadas do salto de animais para os humanos a partir do processo de destruição ambiental. Qual o seu temor diante disso?

Hallal - Acho que há um certo exagero. Sinceramente, pandemia é algo que costuma ocorrer em contagem de séculos e não de décadas.

No caso do Brasil, os erros foram tantos que é difícil falar em legado positivo

BdF RS - Existe alguma coisa positiva que a experiência humana com a covid-19 pode ter deixado à humanidade?

Hallal - No caso do Brasil, os erros foram tantos que é difícil falar em legado positivo. Certamente a pandemia mostrou o quanto é importante valorizar a ciência. Mostrou também que aprendizados antigos da saúde pública, como cordão sanitário, testagem e rastreamento de contatos, isolamento, continuam sendo as melhores estratégias para frear uma pandemia.

Não se freia pandemia comprando respiradores e construindo leitos hospitalares, mas sim cessando a transmissão do vírus. Espero que o Brasil aprenda com esses erros.


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Edição: Katia Marko