Paraná

OPERATIVOS VIOLENTOS

Famílias da ocupação Portelinha falam de histórico de violência policial

Em relato, liderança fala da apreensão das famílias com recentes operativos da Polícia Militar em Curitiba

Curitiba (PR) |
É preciso, de acordo com as entidades, uma apuração precisa dos fatos, uma vez que moradores questionam a trajetória das balas, o número de disparos - Giorgia Prates

Mais um episódio de violência policial abalou a periferia de Curitiba. Desta vez, ocorreu na comunidade Portelinha, no bairro Portão, que existe há treze anos, abandonada pelo poder público – a não ser em operativos policiais. Na noite do dia 6 de novembro, o carrinheiro Eduardo Felipe Santos de Oliveira, de 16 anos, foi perseguido e alvejado com, no mínimo, 15 tiros, pela Rondas Ostensivas Tático Móvel (Rotam) quando já se encontrava dentro da casa de uma amiga, para onde teria corrido, assustado, diante do operativo.

O que aconteceu naquela noite foi apenas uma situação única? De acordo com os moradores, longe disso. A tensão e a pressão policial crescem no dia a dia. Um mês antes, outro jovem também morreu na comunidade.

Uma das lideranças da área de ocupação, cujo nome foi preservado, aponta que o jovem assassinado se criou na comunidade, trabalhava recolhendo materiais recicláveis e também como servente de pedreiro. “Era brincalhão e querido pela comunidade”, enfatiza. Sob choro, essa trabalhadora resume a tensão da Portelinha contando que nem as crianças brincam de “polícia e ladrão” mais. "A polícia mata a gente", disse uma criança.

Em 9 de novembro, data do segundo ato de protesto da comunidade contra a violência da PM, estiveram presentes no local representantes da Defensoria Pública do Estado, do mandato do vereador Renato Freitas (PT), advogados e da comissão de Direitos Humanos da Assembleia Legislativa do Paraná (Alep), levantando informações diretamente com os moradores.

É preciso, de acordo com as entidades, uma apuração precisa dos fatos, uma vez que moradores questionam a trajetória das balas, o número de disparos contra o jovem, o fato de ele ter sido morto já dentro da casa de uma vizinha.

Trabalhadora carrinheira, a liderança entrevistada pelo Brasil de Fato Paraná afirma que já não tem coragem de entrar nas ruas estreitas da comunidade por volta de 23h30, por medo da ação policial.

Ela questiona a tese de confronto entre policiais e moradores. “Confronto com o quê? Com o dedo?”, indaga. Na realidade, para a trabalhadora, o que existe de fato é a perseguição de lideranças sociais da comunidade – questão confirmada por outros moradores e por quem acompanha o dia a dia da comunidade. “Acham que nós somos os responsáveis por tudo o que acontece na Portelinha, que a gente explique e saiba de tudo, como se a gente não passasse o dia trabalhando”, diz.

Confronto?

A entrevista foi feita pouco antes do protesto dos moradores. Para a representante da comunidade, é preciso mostrar à opinião pública outra versão sobre quem são as pessoas da Portelinha.

“Queremos limpar a imagem dele, era um menino trabalhador, que não era bandido ou traficante”, afirma, acrescentando que o tráfico poderia ser combatido de outra maneira pela PM que, de acordo com ela, agride a comunidade deliberadamente. “Já houve várias operações. A Polícia Civil vem direto no local suspeito. Mas a PM parece que age com violência com qualquer um”, reclama.

Em 2020, ocorreram, no Paraná, 373 mortes realizadas pela PM em operativos, o que faz do estado o sexto do país em número de mortes. O número aumentou 29% em comparação com 2019, de acordo com dados da Secretaria Estadual de Segurança Pública. Já de acordo com o Grupo de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado (Gaeco), só no primeiro semestre de 2021 houve um aumento de 14,13% em relação ao mesmo período de 2020.

Ainda que o termo usado seja “confronto”, a PM não registrou mortes entre seus quadros nos anos de 2019 e 2020 nesses operativos.

Questões para a Polícia Militar

A PM trabalha com a versão de que o jovem estaria armado e teria atirado (conforme nota enviada ao Brasil de Fato Paraná). A reportagem enviou outras questões à assessoria de imprensa da Polícia Militar. Até o fechamento desta reportagem, não obteve resposta. Abaixo, as questões enviadas. 

  • Moradores relatam operativos constantes no local, com intimidação da população, moradores e trabalhadores, e pouca eficiência no combate ao tráfico e à criminalidade. Como a PM se posiciona sobre isso?

  • Moradores relatam também perseguição a lideranças locais da comunidade.

  • Há previsão sobre quando será apresentado o procedimento para apuração das circunstâncias que envolvem a morte do jovem Eduardo Felipe?

Edição: Frédi Vasconcelos