Rio Grande do Sul

Entrevista Especial

Ambientalista critica "déficit democrático nas questões ambientais" do governo Eduardo Leite

Para o engenheiro ambiental Eduardo Raguse, o discurso “verde" do governador na COP26 é "absolutamente eleitoreiro"

Brasil de Fato | Porto Alegre |
Coordenador do Comitê de Combate à Megamineração no RS entende que o RS deve se afastar de governos que ameaçam a sociobiodiversidade - Foto: Luiza Castro/Sul21

Recentemente o governador do Rio Grande do Sul e concorrente a candidato para presidente da República pelo PSDB, Eduardo Leite, esteve na  26ª Conferência das Nações Unidas sobre Mudança Climática (COP26), em Glasgow, na Escócia. Nas reuniões que participou com ambientalistas e investidores, apostou em um discurso “verde”. Exaltou as mudanças que fez no código ambiental do estado, o que chamou de modernização. Além disso, em setembro, Leite disse em um podcast que o projeto Mina Guaíba, que pretendia instalar uma mina de carvão a céu aberto entre as cidades de Eldorado do Sul e Charqueadas, cerca de 16 quilômetros de Porto Alegre, estava enterrado.

Ao retornar de Glasgow, nesta quinta-feira (11), o governo aprovou a Licença Ambiental por Compromisso (LAC), em sessão do Conselho Estadual do Meio Ambiente (Consema). Criada no novo código ambiental e apelidada de "autolicenciamento ambiental" pelo setor ambientalista, a medida foi permite que 49 atividades produtivas - das quais 31 têm alto e médio potencial poluidor - possam ser autolicenciadas independentemente do tamanho da operação. Na prática, empresários podem obter licenças após enviar laudos técnicos e termo de compromisso pela internet, sem passar por análise inicial da Fundação Estadual de Proteção Ambiental (Fepam).


Governador gaúcho participou de eventos na COP26 / Foto: Maurício Tonetto / Palácio Piratini

Para o engenheiro ambiental, coordenador da Associação Amigos do Meio Ambiente (AMA Guaíba), entidade filiada à Assembleia Permanente de Entidades em Defesa do Meio Ambiente (APEDeMA), e coordenador do Comitê de Combate à Megamineração no RS, Eduardo Raguse, a participação de Leite na COP26 e suas afirmações têm caráter eleitoreiro. "Pura hipocrisia e manipulação, o clássico 'greenwashing' ou marketing verde", avalia.

Ele destaca que a prática enquanto governador do estado não coincide em nada com este discurso. "Um dos exemplos claros disto foi a entrega da direção da Secretaria Estadual de Meio Ambiente para os setores de mineração e energia, através da fusão de secretarias, colocando a pasta ambiental em evidente conflito de interesses, comprometendo o trabalho técnico inclusive da FEPAM, responsável pelo licenciamento ambiental dos empreendimentos que, contraditoriamente, a Secretaria incentiva. Este absurdo tem sido denunciado por diversos movimentos sociais, entidades ambientalistas e associações de funcionários da própria Secretaria e suas Fundações”, afirma.

Raguse, em entrevista ao Brasil de Fato RS, destaca a inexistência de diálogo do Executivo estadual com os movimentos ambientais e sociais e avalia as ações antiambientais colocadas em prática pelo governador durante seu mandato. Para ele, as medidas que precisam ser adotadas quando se fala de um modelo ecológico e ambiental para o estado gaúcho passam por "não mais aceitar governos que ameaçam a sociobiodiversidade".

Abaixo a entrevista completa 

Brasil de Fato RS -  Nesta semana encerrou a COP26. Durante o evento, o governador Eduardo Leite participou de encontros onde adotou uma postura mais “verde”, exaltado as mudanças que fez no código ambiental. Ele diz que fez uma modernização nas leis que garantem mais segurança a novos investimentos. Como você vê este movimento do governador?

Eduardo Raguse - Este movimento do governador, como outros movimentos já feitos por ele, tem caráter absolutamente eleitoreiro, tendo em vista que explicitamente está disputando a dita terceira via para as eleições presidenciais de 2022, tentando ocupar o espaço entre o antipetismo e a extrema direita tosca e abominável do bolsonarismo. Porém, infelizmente, para quem acompanha de perto o debate ambiental no RS, esta postura não é animadora, na verdade ressalta seu perfil mentiroso, que nós enquanto gaúchos temos o dever de denunciar também para fora do estado.

O candidato Eduardo Leite é estelionatário eleitoral, o exemplo mais concreto e grave, classificado por muitos como um dos maiores, senão, o maior estelionato eleitoral do RS, é a tentativa de privatização da Companhia Riograndense de Saneamento, a nossa Corsan, patrimônio público de todas e todos os gaúchos, que garante água potável na torneira dos moradores de 317 municípios do RS. Fora os investimentos em manutenção e ampliação dos Sistemas de Abastecimento de Água, a Companhia investiu nos últimos anos cerca de R$ 2 bilhões em coleta e tratamento de esgoto, e apresenta lucros sucessivos há 17 anos. Nos últimos anos, a média anual de lucro é de R$ 300 milhões, que além de cobrir seus custos e viabilizar investimentos com recursos próprios, deixa nos cofres do estado mais de R$ 75 milhões por ano contribuindo substancialmente com a manutenção de outros serviços públicos básicos como saúde, educação e segurança. Caso a privatização se concretize este lucro, que hoje é revertido em benefícios para toda população, irá para os bolsos de milionários acionistas, sem nenhuma garantia de melhoria dos serviços, e a certeza de que a tarifa ficará mais cara. O fato é que na campanha eleitoral ao governo do estado em 2018, Leite afirmou categoricamente, em TV aberta, que não iria privatizar a Corsan nem o Banrisul, o que pode ter sido decisivo para sua eleição, pois a diferença entre os candidatos do segundo turno foi de apenas 7 pontos percentuais.

Agora Eduardo Leite faz o mesmo tentando emplacar um discurso “verde”. Pura hipocrisia e manipulação, o clássico “greenwashing” ou marketing verde. E podemos afirmar isto pois sua prática enquanto governador do estado não coincide em nada com este discurso. Um dos exemplos claros disto foi a entrega da direção da Secretaria Estadual de Meio Ambiente para os setores de mineração e energia, através da fusão de secretarias, colocando a pasta ambiental em evidente conflito de interesses, comprometendo o trabalho técnico inclusive da FEPAM, responsável pelo licenciamento ambiental dos empreendimentos que, contraditoriamente, a Secretaria incentiva. Este absurdo tem sido denunciado por diversos movimentos sociais, entidades ambientalistas e associações de funcionários da própria Secretaria e suas Fundações.

Infelizmente não há como ter muita expectativa com resultados concretos deste tipo de Conferência das Nações Unidas, quando está claro que não se toca o centro da causa da emergência climática em que nos encontramos: o sistema capitalista vigente.

BdFRS - O que significou a aprovação do código ambiental pelo governador Eduardo Leite para a sociedade gaúcha que antes tinha uma das mais avançadas leis do país, que havia sido construída com participação popular? Que impactos esse novo código pode trazer?

Eduardo - A Lei 11.520/2000, nosso Código de Meio Ambiente original, foi fruto de intensa e profunda discussão na sociedade civil, durante cerca de 9 anos. Todo este processo e acúmulo foram desrespeitados e, em apenas 75 dias, quase 500 alterações foram aprovadas na ALRS, sem passar sequer pela Comissão de Saúde e Meio Ambiente, alterando à reboque também nosso Código Florestal Estadual, retirando, por exemplo, a imunidade ao corte de figueiras e corticeiras.

O chamado Novo Código Ambiental – Lei Estadual 15.434/2020, criou a Licença por Adesão e Compromisso (LAC), que nada mais é do que um licenciamento em que o empreendedor recebe a licença automaticamente, sem qualquer vistoria ou sequer análise técnica do órgão ambiental sobre os impactos socioambientais que a atividade irá causar, para isto o estado confia no compromisso do empresário em atender certos critérios. Para a Associação Brasileira de Membros do Ministério Público de Meio Ambiente (Abrampa) "o Estado do Rio Grande do Sul converte parte do licenciamento ambiental em um procedimento cartorário, verdadeiro simulacro de avaliação ambiental, e renuncia ao exercício do poder de polícia preventivo e precaucional que rege o que deve ser uma boa administração pública". E pior que isto, a nova lei sequer restringe a aplicação da LAC à atividades de pequeno potencial poluidor, remetendo a definição das atividades ao Conselho Estadual de Meio Ambiente (CONSEMA), que apresenta uma correlação de forças que impede qualquer avanço pró-proteção ambiental, e basicamente garante os interesses econômicos de setores como o agronegócio, a indústria e a mineração.

Além disto o Novo Código enfraqueceu a proteção das Unidades de Conservação (UC), retirando o caráter deliberativo de Conselhos Gestores, e diminuindo de 10 km para 3 km o raio no entorno de UCs em que os Conselhos devem autorizar a instalação de empreendimentos. Diminuiu a proteção de dunas costeiras internas (aquelas junto às lagoas) e suprimiu o capítulo que tratava das áreas de uso especial, como aquelas reconhecidas pela UNESCO, bens tombados, lagunas, banhados dentre outros, facilitando o avanço, por exemplo da especulação imobiliária sobre estas áreas.

Ainda, no Código anterior, um projeto só conseguiria a Licença de Instalação (que autoriza o início da implantação do empreendimento) após o reassentamento dos moradores das áreas afetadas. Agora, o reassentamento só passa a ser exigido para obtenção da Licença de Operação, que autoriza o empreendimento a começar a funcionar. Este foi um dos motivos que levou ao apelido de Lei Copelmi, tendo em vista que poderia facilitar a implantação da Mina Guaíba, permitindo que a mina fosse instalada ainda com as famílias do Assentamento da Reforma Agrária Apolônio de Carvalho morando no local.

Por estas e outras questões a Procuradoria-Geral da República (PGR) ajuizou, no Supremo Tribunal Federal, a Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 6618, em que questiona a constitucionalidade de dispositivos das Leis Estaduais 15.434/2020 e 14.961/2016. Segundo o procurador-geral, Augusto Aras, mesmo sem previsão em lei federal, a normas contestadas estabeleceram novos tipos de licenciamento ambiental - a licença única (LU), a licença de operação e regularização (LOR) e a licença ambiental por compromisso (LAC) -, em violação à competência da União para estabelecer normas gerais de proteção e responsabilidade por danos ao meio ambiente. Esperamos que o STF decida a favor da proteção ambiental, e consequentemente da saúde e qualidade de vida da população gaúcha.


Esparramando-se por 4.373 hectares, a Mina Guaíba pretende ser a maior a céu aberto do país, localizada a 1,5 quilômetro do rio Jacuí / Foto: Maia Rubim / Sul 21

BdFRS - Uma das lutas do governo Leite foi a aprovação do projeto Mina Guaíba. Em meio a entraves, e com a China anunciando que vai parar de financiar energia a carvão em outros países, o projeto está naufragando. Leite diz que está arquivado, porém nada comprova.  Qual sua avaliação a respeito deste tema?

Eduardo - Este é outro exemplo de como o candidato Leite tem tentado emplacar um discurso de preocupação ambiental. Levianamente ele anuncia que o projeto Mina Guaíba está arquivado, o que não é verdade. O processo está suspenso devido à decisão judicial para que a empresa Copelmi realize a Consulta Livre, Prévia e Informada às comunidades Mbya Guarani impactadas pelo projeto, etapa do licenciamento que a empresa tentou se eximir de fazer, invisibilizando estas comunidades.

A fala do governador, apesar de conter esta mentira, é também um sinal de que todo o trabalho das mais de uma centena de entidades que compõem o Comitê de Combate à Megamineração no RS (CCM/RS) tem dado resultado além de técnico e jurídico, também político, incidindo no debate público a ponto de ser interessante aos cálculos eleitorais do maior defensor do projeto fazer um desembarque estratégico. Os movimentos agora exigem no mínimo, o arquivamento, de fato, do processo de licenciamento ambiental da Mina Guaíba na FEPAM, a anulação do Protocolo de intenções firmado com a empresa Copelmi, a devolução da autonomia da SEMA em relação ao setor minerário e energético, a proposta de revogação da Política Estadual do Carvão Mineral e Polo Carboquímico na Assembleia Legislativa do RS, e que apresente para discussão com a sociedade um Plano de Descarbonização da economia gaúcha.

Para uma análise mais aprofundada recomendo a leitura na integra da nota lançada pelo CCM (clique aqui para ler a nota).

É preciso pontuar que os países ricos são os principais responsáveis pelas alterações no clima, cujos efeitos são sentidos de maneira muito mais intensa nos países pobres.

BdFRS - Ainda dentro das alterações promovidas pelo atual governo, houve a alteração na Lei Gaúcha dos Agrotóxicos, retirando o dispositivo que proibia o uso no RS de agrotóxicos proibidos em seus países de origem. Que significado e consequências isso traz?

Eduardo - Este foi outro retrocesso histórico em nossa legislação ambiental. A Lei Gaúcha dos Agrotóxicos – Lei Estadual 7.747/82 continha um dispositivo que protegia o agricultor, a população e o ambiente do RS dos efeitos de agrotóxicos não autorizados nos seus países de origem.

Entre 2008 e 2020 foram indeferidas pela FEPAM 38 solicitações de Certificados de Cadastro de Agrotóxico, de diferentes empresas e formulações, e por motivações diferenciadas e específicas, demonstrando a importância do sistema do Cadastro Estadual de Agrotóxicos na proteção da saúde, meio ambiente e da qualidade dos alimentos produzidos no Estado. A manutenção e aperfeiçoamento do Cadastro Estadual de Agrotóxicos, realizado de forma técnica, independente e autônoma, por parte dos servidores de carreira da FEPAM, sem ingerências governamentais, é uma forma de buscar garantir tais proteções, para além do Cadastro promovido pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA), órgão em permanente precarização e extremamente pressionado pelo lobby do setor do agronegócio.

Com a aprovação do PL260, a proteção prevista em lei foi revogada. Na prática significa dizer que agora podem ser aprovados para utilização no RS agrotóxicos que são não autorizados ou proibidos em seus países de origem, por já terem sido comprovados seus efeitos nocivos à saúde humana e/ou ao ambiente. Agora a sociedade gaúcha corre o risco de que agrotóxicos com cadastro já indeferido voltem à ser analisados e reavaliados, sem a proteção legal que até então estava vigente, da mesma forma novos agrotóxicos poderão ser avaliados também sem a tal proteção legal. 

Por exemplo, ingredientes ativos classificados como Extremamente Tóxicos à saúde e Perigosos ao Meio Ambiente, como o Dicloreto de Paraquate, o Nonil Fenol Etoxilado, que tiveram seu cadastro no RS negado, podem ser reavaliados e aprovados. O Paraquate supera o Nível Aceitável de Exposição para o Operador (NAEO), mesmo com o uso de equipamentos de proteção adequados. As próprias bulas dos agrotóxicos, apresentadas pelas empresas, nas Informações Médicas, no item sintomas e sinais clínicos, absorção pela pele, consta: "O produto concentrado é irritante para a pele e, se o contato for prolongado, causa lesões dérmicas. A absorção pela pele alterada, pode levar a um envenenamento sistêmico e resultar em toxicidade grave. A morte se dá por asfixia."

Estudos realizados demonstram que o Paraquate apresenta características que causam danos ao meio ambiente (em mamíferos, leporídeos, e ovos de aves). O Nonil Fenol Etoxilado, é um estrogênio ambiental perigoso, devido sua capacidade de, mesmo em concentrações muito baixas (parte por bilhão - ppb), ligar-se ao receptor hormonal e, consequentemente, mimetizar ou bloquear a ação do próprio hormônio, podendo causar efeitos na glândula pituitária em humanos e animais, de acordo com procedimentos e experiências atualizadas da comunidade científica. 

Outro exemplo concreto deste imenso retrocesso implementado pelo governo Leite é o fato de que com a recente proibição nos EUA do Clorpirifós, este ingrediente ativo seria revisado e proibido aqui no RS, caso nossa lei não tivesse sido alterada. O Clorpirifós compõe a formulação de 18 agrotóxicos liberados no Brasil, só falando da cultura da batata, além de ser autorizado para uso em mais 20 alimentos, como amendoim, aveia, café, cítricos, cevada, ervilha, feijão, lentilha, maçã, grão de bico, milho, pastagem, soja, trigo, banana, e tomate. Este é um ingrediente ativo do grupo químico dos organofosforados, classificado como Extremamente Tóxico e Muito Perigoso ao Meio Ambiente. É neurotóxico, associado ao câncer no cérebro, câncer colorretal, leucemia, sarcoma de tecidos moles, câncer de pulmão, mal de Alzheimer, mal de Parkinson, asma, respiração com ruído, infertilidade, malformação congênita, disfunções sexuais, desordem de déficit de atenção, hiperatividade, autismo e atrasos no desenvolvimento, os danos neurológicos foram observados especialmente em crianças. 

Fica claro que a Lei Estadual nº 7.747/82 era um instrumento legal importante. Sendo mais conservadora que a Lei Federal nº 7.082/89, em termos de proteção ao ambiente e à saúde humana, sua alteração representou um retrocesso legal e ambiental de 38 anos, ferindo o Princípio da Proibição do Retrocesso Ambiental, e fragilizando o controle do uso de agrotóxicos no estado do RS, expondo população e ecossistemas a níveis inaceitáveis de risco à saúde humana e ao meio ambiente.

Em dezembro de 2020, mais de 240 entidades da sociedade civil se organizaram e por meio da carta aberta “Mais vida, menos veneno”, protocolaram um pedido ao governador do estado para retirada do regime de urgência e manutenção da Lei Estadual de Agrotóxicos originária, sem sucesso.

Neste caso também tramita no STF uma ADI, de número 6955, que questiona a constitucionalidade da Lei nº 15.671/21, que alterou a Lei de 1982. O relator da ação é o ministro Dias Toffoli, que esperamos julgue procedente a concessão de medida cautelar urgente contra a nova lei. 


Mais de 240 entidades da sociedade civil pediram a retirada do regime de urgência do projeto que revogou a Lei Gaúcha dos Agrotóxicos, sem sucesso / Creative Commons

BdFRS - Como o movimento ambientalista gaúcho avalia a capacidade de diálogo do governador em relação a temas que mexem profundamente com o meio ambiente?

Eduardo - Conforme fica claro nos temas acima, a capacidade de diálogo é péssima, na verdade inexiste, propositalmente. O governador tem como modus operandi, não só, mas especialmente nas matérias de cunho ambiental, a tramitação de Projetos de Lei em regime de urgência na ALRS, sem sequer passar pelas Comissões pertinentes, pelo CONSEMA, pelos Comitês de Bacia, sem levar em conta evidências científicas e sem a realização de discussões mínimas sobre o tema com adequado espaço para a sociedade civil participar. O déficit democrático nas questões ambientais é o padrão do governo. 

BdFRS - Que medidas precisam ser adotadas quando falamos de um modelo ecológico e ambiental para o estado gaúcho?

Eduardo - Esta é a discussão que temos que fazer enquanto sociedade, pautando as eleições que estão por vir, e indo além delas. Passa pela construção de projetos econômicos desde os territórios, que fomentem as atividades das comunidades locais, que às desenvolvem conservando e recuperando ecossistemas, valorizando nossa sociobiodiversidade. Não mais aceitar governos que ameaçam esta sociobiodiversidade, sempre com propostas de “desenvolvimento” exógenas, de interesse transnacional, concentradoras de renda e capital, exploradoras da natureza e das pessoas, e geradoras de altos impactos socioambientais negativos, e pífios impactos econômicos positivos para o conjunto da sociedade.

Somente a partir desta perspectiva, com organização social, fortalecimento de alianças e territórios autonomamente, conquista de reais espaços de decisão para a sociedade civil organizada nos ambientes institucionais, e fortalecimento dos órgãos de pesquisa, planejamento, licenciamento e fiscalização ambiental poderemos avançar em direção à construção de um modelo ecológico e justo no RS. 

BdFRS - Em nível nacional, retornando ao tema da COP26, o Brasil sob o governo Bolsonaro foi alvo de protestos e recebeu o "antiprêmio" Fóssil da Semana. Não assinou diversos compromissos, mas acabou assinando a Declaração das Florestas. Como você vê a participação do país na conferência?

Eduardo - Infelizmente não há como ter muita expectativa com resultados concretos deste tipo de Conferência das Nações Unidas, quando está claro que não se toca o centro da causa da emergência climática em que nos encontramos: o sistema capitalista vigente.

É preciso pontuar que os países ricos são os principais responsáveis pelas alterações no clima, cujos efeitos são sentidos de maneira muito mais intensa nos países pobres. Entretanto os acordos são construídos a partir de propostas de soluções vindas do próprio capital, e garantindo os interesses econômico dos países causadores do problema em continuar com seus altos níveis de produção e consumo, e por tanto seus altos níveis de emissões de gases de efeito estufa. 

A Declaração das Florestas é apenas mais uma parte deste pacote de falsas soluções, como mais um mecanismo que visa reduzir e remover gases do efeito estufa via compensação florestal, o que na prática avança no sentido da privatização das florestas e no aprofundamento do modelo de monocultivos de árvores, assim como os Mecanismos de Desenvolvimento Limpo (MDL), Redução das Emissões por Desmatamento e Degradação Florestal (REED+), e Pagamento por Serviços Ambientais (PSA). Segue a lógica da financeirização da natureza, que busca criar uma métrica que ajusta os processos da natureza à lógica da mercantilização, da manutenção e criação de novos mercados financeiros, que não resultam em melhorias no cenário de aquecimento global, mas aprofundam o processo de acumulação de capital e desigualdade socioambiental nos territórios.

Quanto à participação do Brasil na Conferência, como tudo vindo deste desgoverno, foi mais uma vergonha. Enquanto em 2020 a média mundial de emissões de CO2 diminuiu 7% em relação à 2019, no Brasil houve um aumento 9,5%. Mesmo com a redução da produção industrial e do tráfego aéreo em função da pandemia. O aumento se deu principalmente pelas atividades agrícolas e mudanças do uso do solo, o que inclui o desmatamento, que tem ligação direta com as políticas de Bolsonaro, de enfraquecimento sistemático das estruturas do Sistema Nacional de Meio Ambiente.


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Edição: Katia Marko