PRIVATIZAÇÃO

Energia elétrica em Minas Gerais: venda da Cemig resulta em conta mais cara e menos qualidade

Lógica de privatização coloca o lucro acima dos interesses da população

Brasil de Fato | Belo Horizonte (MG) |
Desde o ano de 2019, eletricitários denunciam que o governo de Minas Gerais tem preparado o caminho para privatizar a Cemig - Júlia Nascimento

Maria Paula, uma jovem de 20 anos, moradora da região do Barreiro, em Belo Horizonte, descreve a preocupação com a possibilidade de a tarifa de energia sofrer um novo aumento. 

“Se a conta de luz aumentar novamente, eu não sei como vou conseguir me sustentar”, afirma. 

A realidade de Maria é a mesma de uma parte da população que vive no país e não tem condições financeiras de ficar em dia com as tarifas de energia elétrica.

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Desde de 2019, eletricitários denunciam que governo estadual de Minas Gerais tem preparado o caminho para privatizar a Companhia Energética de Minas Gerais (Cemig).

Segundo Emerson Andrada Leite, coordenador geral do Sindicato Intermunicipal dos Trabalhadores na Indústria Energética de Minas Gerais (Sindieletro-MG), se a Cemig for privatizada, provavelmente a conta de luz aumentará ainda mais.

“O comprador acaba investindo muito dinheiro na compra da empresa. E por isso, ele pretende recuperar esse dinheiro da forma mais rápida possível. E essa recuperação é feita exatamente aumentando a conta de luz e precarizando o serviço para que a lucratividade da empresa aumente”, avalia Emerson.

Ainda que não exista uma garantia formal de que, caso a Cemig seja privatizada, a conta de luz irá aumentar. Porém, Emerson resgata um exemplo recente que reforça a teoria de preço mais caro e privatização.

“Um exemplo disso se refere à privatização da usina de São Simão, que pertencia à Cemig e foi privatizada pelo governo Michel Temer. A usina vendia a energia a cerca de R$ 40 por megawatt/hora. Após a privatização, o custo subiu imediatamente para cerca de R$ 150, o que demonstra a gana da empresa privatizada em recuperar rapidamente o investimento realizado”, relata o sindicalista.

Famílias mais pobres podem ser mais afetadas

A lei nº 10.438, criada em 2002, implementou a Tarifa Social de Energia Elétrica que concede descontos na conta de luz para consumidores de baixa renda do Brasil. Em Minas Gerais, são mais de 800 mil beneficiados.

Caso a Cemig seja privatizada, parte dessas famílias podem deixar de receber o benefício.

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“Uma forma que as empresas privatizadas utilizam é diminuir ao máximo a quantidade de beneficiários da Tarifa Social, se apropriando do dinheiro que seria destinado a essa modalidade de consumo e enriquecendo ainda mais acionistas. Com isso, os consumidores podem ficar sem energia elétrica por não terem condição de pagar de a conta”, declara Emerson.

A privatização também traria impactos negativos às famílias das comunidades rurais. já que as subestações da empresa costumam ficar distantes e exigem a construção de uma rede mais longa, com mais postes e cabos, o que depende um maior investimento. 

Para a coordenadora do Movimento dos Atingidos por barragens (MAB) Soniamara Maranho, a privatização da Cemig dificultaria a eletrificação rural.

“Quando se privatiza, o lucro da empresa não é investido a partir dos interesses dos que usufruem do serviço. Então, com certeza, se a Cemig for privatizada, vai haver impacto na eletrificação rural, porque o investimento na manutenção não vai ser da mesma forma”, declarou.

Para Soniamara, a tentativa de privatizar a Cemig está relacionada à ideia do governo de que energia é uma mercadoria e não um direito da população.

“A energia é um bem essencial de desenvolvimento humano. A gente precisa da energia para organizar o nosso trabalho e a nossa vida. Por isso, precisamos defender a Cemig como uma empresa pública, que faça benefício ao povo mineiro e trate a energia é um direito essencial”, aponta.

Pagar mais para ficar sem energia?

Ao priorizar os lucros e investir menos em manutenção, a rede elétrica fica mais frágil e a população corre mais risco de ficar sem energia, como explica Emerson, isso é comum entre as empresas privadas. “A percepção imediata dos consumidores é que a rede elétrica dá mais defeito. O tempo de reparo é muito maior e, consequentemente, o tempo do consumidor sem energia acaba sendo um tempo mais prolongado”, afirma.

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Outro fator que ameaça a qualidade do serviço, segundo o sindicalista, é a prática de empresas privatizadas contratarem trabalhadores menos qualificados para pagarem salários mais baixos.

Processo de privatização

Romeu Zema (Novo) anunciou a privatização da Cemig ainda em sua campanha eleitoral, em 2018. Os trabalhadores da estatal, desde então, denunciam que a privatização já está em curso, e que o processo é feito com pouco debate com a sociedade.

“O governador Zema, além de promover o desmonte da empresa por meio de uma política que tem chamado de antecipação da privatização, tem procurado desqualificar e desmerecer a empresa diante da sociedade mineira”, diz Emerson, que qualifica a ação do governo estadual como desrespeitosa e de desvalorização do patrimônio mineiro.

Para Soniamara, o argumento que sustenta a necessidade da privatização apresentado pelo governo estadual não faz sentido. “O que é colocado é que a empresa não está se auto sustentando. Veja a contradição. Eu não compraria uma empresa falida. Os bancos não investem em empresas falidas”, aponta. 

O que diz o governo

Em nota, o governo estadual informou que estão sendo “realizados estudos para analisar a melhor forma de venda de determinados ativos da Cemig” e que a empresa pretende investir cerca de 22,5 bilhões de reais até 2025 em melhoria da sua estrutura de transmissão, geração e distribuição, com foco em Minas Gerais”. 

Além disso, o governo afirma que “esse processo realizado com estudos técnicos eficientes é defendido pelo governador Romeu Zema como forma de melhorar a qualidade do fornecimento de energia para todos os mineiros, incluindo esforços para a manutenção de uma tarifa justa. Importante reforçar que a política tarifária é de responsabilidade da Cemig”.

A Cemig foi procurada pela reportagem, mas ainda não respondeu.

Fonte: BdF Minas Gerais

Edição: Larissa Costa