Análise

Por que o clima do planeta não está pulando de alegria após a COP26

A COP26 alcançou muito pouco das demandas urgentes para salvar o planeta

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Rio Paraná, na Argentina, sofre a maior seca dos últimos 77 anos, afetando o país vizinho e o sudeste brasileiro - Reprodução

Dois importantes ganhos ocorreram na 26ª Conferência das Nações Unidas sobre as Mudanças Climáticas, em Glasgow, Escócia, que terminou no dia 13 de novembro: o primeiro foi a decisão de que haverá outra COP em 2022, no Egito; e a segunda foi que os líderes mundiais expressaram sua aspiração de manter a temperatura global abaixo de 1,5 °C. Esses foram, no entanto, ganhos conquistados ao final da COP26 para atender à questão urgente da mudança climática.  

Após mais de duas semanas de intensas discussões – e muitas noites de coquetéis pagos por corporações – os países mais poderosos do mundo deixaram o centro de convenções satisfeitos por não terem alterado o status quo. 

O foco das discussões e negociações por líderes mundiais na COP26 pareceu estar na mudança de uma palavra do Pacto Climático de Glasgow, o documento final que será adotado por quase 200 nações. Inicialmente, os países haviam começado a concordar em “parar” de usar carvão; porém, a versão final do documento dizia apenas que os países “reduziriam” o uso de carvão. Durante as últimas horas da COP26, no dia 13 de novembro, a ministra do Meio Ambiente da Suíça, Simonetta Sommaruga, pegou o microfone e expressou seu “profundo desapontamento” com a mudança. “A linguagem que combinamos sobre os subsídios ao carvão e aos combustíveis fósseis foi ainda mais diluída como resultado de um processo pouco transparente”, disse

Sommaruga está certa. O processo tem sido “pouco transparente”. Somente um punhado de líderes mundiais – dos países mais poderosos – tiveram a oportunidade de pensar o documento; a maioria dos líderes mundiais viu apenas um rascunho do Pacto Climático de Glasgow e só depois receberam o texto final. Associações da sociedade civil mal puderam entrar no hall onde ocorria o evento, que dirá ter a oportunidade de se sentar para dar suas sugestões. Como dito sem rodeiros pela Presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen, “nunca antes uma responsabilidade tão grande ficou nas mãos de tão poucos”. O porquê desta “responsabilidade” ter sido confiada às “mãos de tão poucos” não foi mencionado em sua fala. 

Palavras e significados 

Durante a COP26, apareceram milhares de documentos no site da Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudança do Clima (UNFCCC, em inglês), que incluíram relatórios, declarações e propostas relacionadas à COP26. Seria necessário um exército de advogados para vasculhar o texto desses documentos e entendê-los. A maioria deles são apresentações feitas por uma série de governos, corporações e plataformas financiadas por empresas, bem como por organizações da sociedade civil. 

Ficou claro desde o primeiro dia da COP26 que o foco em alcançar a “net-zero” nas emissões de carbono em 2050 estava movendo-se em direção ao carvão, e não para todos os combustíveis fósseis.  Logo no início das negociações, esta era uma linha vermelha com os países ocidentais – que são, em sua maioria, não dependentes do carvão. Colocou-se ênfase justamente no carvão, usada principalmente por países do Sul Global, com a Índia e a China no topo da lista. Tornar a COP26 uma conferência sobre carvão permitiu algum respiro para o uso de combustíveis fósseis em geral (incluindo petróleo e gás natural). Enquanto aumentava a pressão para cortar subsídios para combustíveis fósseis, o Norte Global conseguiu forjar o consenso de que apenas subsídios “ineficientes” seriam cortados, sem nenhum cronograma previsto para esses cortes. Sommaruga, que falou com tanta força contra o termo “redução” em relação ao carvão, não disse nada a respeito da permissão a subsídios “eficientes” para subscrever o uso de combustíveis fósseis. É muito mais fácil culpar a Índia e a China por dependeram do carvão do que concordar em diminuir o consumo de todos os combustíveis fósseis.  

Fundo climático 

No dia 15 de novembro, o porta-voz do Ministério das Relações Exteriores, Zhao Lijan, disse que a China “atribui grande importância à transição energética”. Mas ele especificou que há algumas questões que precisam ser olhadas antes desse processo acontecer. Primeiro, nenhuma transição energética pode ocorrer sem considerar-se que “não são todos que possuem acesso a eletricidade, e o fornecimento energético é inadequado.” Cortar o uso de carvão amanhã condenará milhões de pessoas a uma vida sem eletricidade (cerca de 1 bilhão de pessoas não tem acesso à energia elétrica, sendo a maioria delas do Sul Global).  Segundo, Zhao disse “Nós encorajamos os países desenvolvidos a assumirem a liderança na interrupção do uso do carvão, ao mesmo tempo que fornecemos amplo financiamento, apoio tecnológico e de capacitação para a transição energética dos países em desenvolvimento.” Os países desenvolvidos concordaram em financiar o Fundo Verde para o Clima com o valor de 100 bilhões de dólares por ano até 2020, mas os reais valores desembolsados foram muito menores. Nenhum acordo financeiro foi alcançado na COP26. “Precisamos de ações concretas mais do que de slogans”, completou Zhao. 

A COP26 estava cheia de executivos corporativos. Eles enxameavam os hotéis e restaurantes, organizando encontros privados com lideranças e com o príncipe Charles. A Câmara Internacional do Comércio disse aos governos para “acordarem”, enquanto que o US Business Roundtable (Rodada de Negócios dos EUA, em português) disse que “o setor privado não pode carregar sozinho este fardo”. A implicação aqui é a de que as corporações estão do lado certo da discussão sobre o clima, enquanto os governos estão hesitantes. Mas isto é, em parte, o trabalho de propagandistas. A maioria das empresas que fizeram promessas de “net-zero” o fizeram de forma não vinculativa e sem um cronograma. Ao final da conferência, pareceu que nenhum dos governos poderosos nem suas corporações desejavam apertar suas mãos em um acordo de fato para mitigar a crise climática.  

Cúpula Popular 

Há alguns blocos de distância dos grandes halls da conferência oficial, movimentos populares, organizações indígenas, sindicatos, grupos jovens, organizações ambientais e muitas mais se encontraram como parte da Cúpula Popular para Justiça Climática, de 7 a 10 de novembro. Sua mensagem era simples: corporações e seus governos maleáveis não fariam o trabalho, então as pessoas precisam encontrar uma maneira de definir a agenda “para o sistema mudar”. Os mais de 200 eventos organizados como parte da Cúpula Popular abordaram uma gama de tópicos desde o papel do militarismo nas emissões, a construção de um Novo Acordo Verde global e até mesmo organizaram um Tribunal Popular para julgar o ineficaz UNFCCC. 

As emoções na Cúpula Popular oscilaram entre a empolgação por estarem juntos nas ruas após quase dois anos de confinamento por conta da covid-19, até o medo diante do iminente desaparecimento dos Estados insulares de baixa altitude. Participantes de Tuvalu e Barbados falaram sobre o impacto da inação do Norte Global ao verem suas ilhas desaparecerem, seus lares inundados e seu presente sendo apagado. “Por que vocês estão nos pedindo para comprometer nossas vidas?” perguntou Mitzi Jonelle Tan, ativista das Filipinas e porta-voz da Fridays for Future.  

O Tribunal Popular pediu pela dissolução da UNFCCC e sua reconstrução desde a base como um Fórum do Clima que não permita aos poluidores a tomada de decisões. Este novo Fórum do Clima constituído demandaria financiamento representativo para uma transição verde, bem como um fim para a pilhagem de recursos naturais e guerras de agressão. 

Asad Rehman, da instituição War on Want, conversou com a presidência da COP26 com palavras que ressoaram longe de Glasgow. “Os ricos têm se recusado a fazer sua parte; [ouvimos] mais palavras vazias sobre o fundo climático.  Vocês viraram suas costas para os pobres que enfrentam a crise da covid-19, a crise econômica e o apartheid climático por causa das ações dos mais ricos. É imoral para os ricos falar sobre o futuro de seus filhos e netos quando crianças do Sul Global estão morrendo agora mesmo”.  

*Vijay Prashad é historiador e jornalista indiano. Diretor geral do Instituto Tricontinental de Pesquisa Social. Leia outras colunas. 

*Zoe Alexandra é jornalista no Peoples Dispacth e escreve sobre movimentos populares na América Latina. 

*Este artigo foi produzido pelo Globetrotter