Rio Grande do Sul

OPINIÃO

Artigo | Educação Popular em Direitos Humanos no processo de formação de educadores/as sociais

"Lutamos por processos formativos na perspectiva da Educação Popular freiriana, que na sua raiz tem os Direitos Humanos"

Brasil de Fato | Porto Alegre |
Paulo Freire traz uma questão importante para o trabalho de educadores e educadoras sociais, a “identificação com os interesses das classes populares" - Foto: Arquivo Instituto Paulo Freire

Há algumas décadas a Associação de Educadores Populares de Porto Alegre (AEPPA) tem lutado pelo processo de formação, profissionalização e reconhecimento de educadores/as que atuam, principalmente, nas instituições parceirizadas com a Prefeitura Municipal de Porto Alegre (RS). O primeiro curso destinado aos/às educadores/as sociais começou a ser pensado e desenhado em 2009 através da demanda da AEPPA para o Instituto de Desenvolvimento Social Brava Gente (PAULO, SPEROTTO, 2018). Em 2010 formou-se a primeira turma, tendo continuidade até os dias de hoje (2021). De 2017 em diante, a AEPPA assumiu a coordenação geral dos cursos e estes tornaram-se gratuitos, realizando-se em instituições parceiras. O Instituto de Desenvolvimento Social Brava Gente continua parceiro e presente na coordenação desses cursos. Desde o primeiro curso tomamos como referência as bases da Educação Popular freiriana ( PAULO, 2018; FREIRE, 1987).

Em nossos cursos tomamos como base teórica a Declaração Universal dos Direitos Humanos em 1948 e a Constituição de 1988, além de outras legislações sociais. Um outro documento utilizado é o Plano Nacional de Educação em Direitos Humanos de 2007. Neste documento observamos o apontamento que a “construção do conhecimento em educação popular e o processo de participação em ações coletivas, tendo a cidadania democrática como foco central.” (BRASIL, 2007, p.43). Os cursos de Educação Popular da AEPPA têm como intenção a formação ético-política em consonância com o poder popular revolucionário (FREIRE, 1987).

A Educação Popular em Direitos Humanos pressupõem compreender que a “formação técnico-científica não é antagônica à formação humanista dos homens, desde que ciência e tecnologia, na sociedade revolucionária, devem estar a serviço de sua libertação permanente, de sua humanização.” (FREIRE, 1987, p.98).

A associação entre Educação Popular e Direitos Humanos é perceptível desde Paulo Freire, mas seu uso explícito, segundo Paulo (2018), na sexta fase da Educação Popular no Brasil, entre 2010 a 2020, denominada como “Desafios EP para século XXI [...] EP para cidadania (políticas públicas, reforma educacional, direitos humanos, movimento feminista, ecologia, multiculturalismo, Interculturalidade, etc.)” (PAULO, 2018, p. 92. Grifos nossos).

Freire (1982, p. 13) traz uma questão importante para o trabalho de educadores e educadoras sociais, a “identificação com os interesses das classes populares”. Na perspectiva da Educação Popular Freiriana e dos Direitos Humanos, “a organização curricular do curso de educadores/as sociais foi modificando conforme a
necessidade temática conjuntural, mas os eixos temáticos estruturantes permaneceram os mesmos: Educação Popular, educação não escolar, movimentos sociais e políticas sociais.” (PAULO, SPEROTTO, 2018, p.8).

Do primeiro curso de educadores e educadoras sociais de 2010 até hoje, mais evidente fica a necessidade de trabalharmos temas relacionados aos Direitos Humanos, acompanhados de uma base teórica crítica e libertadora. Também, observamos que os Programas de Pós-Graduação em Educação (mestrado e doutorado) não têm realizado e ou fomentado pesquisas com o foco na Educação Popular em Direitos Humanos. Realizamos uma breve busca no banco de Dados da Biblioteca Digital de Teses e Dissertações (BDTD) e localizamos dois estudos , a saber:

1 - “Vozes de uma história interditada: a educação popular e os direitos humanos na práxis da CEPLAR 1960-1964”, por David Glasiel de Azevedo Marinho, realizado na UFPB, no Programa de Pós-Graduação em Educação;

2 - “A educação em direitos humanos das mulheres e a formação de promotoras legais populares: a experiência da Casa 8 de março no Tocantins”, por Bernardete Aparecida Ferreira, na Universidade Federal Do Tocantins, no Programa de Pós-Graduação em Prestação Jurisdicional e Direitos Humanos.

Encontramos, na dissertação de Ferreira, a “pedagogia pautada na Educação em Direitos Humanos das mulheres e na Educação Popular Feminista (PPF) a partir de uma reflexão sobre as pedagogias feministas, especialmente aquelas que veem a educação como prática da liberdade (FREIRE, 1967) e sua aproximação com a pedagogia popular feminista.” (2018, p.15). O tema da Educação Popular Feminista foi caracterizado na tese de Paulo (2018) como assunto recorrente na década entre 2000 a 2010.

Marinho ( 2018) rememora experiências da Campanha de Educação Popular da Paraíba (CEPLAR), entre 1960 a 1964, e a contribuição epistemológica de Paulo Freire. Os Direitos Humanos no campo da Educação, presente na prática pedagógica capaz de elevar a Educação Popular à condição de movimento de busca das transformações estruturais e superestruturais (FREIRE, 1987).

Para Paulo (2018, p.131) “Na obra Pedagogia da Esperança: um reencontro com a pedagogia do oprimido (1997) é possível identificar o termo popular numa aproximação epistemológica de cunho crítico dialógico (saber popular em diálogo com o científico) e político-pedagógico, enquanto projeto de sociedade que inclui compromisso, engajamento e empoderamento popular na luta contra a realidade social opressora”. Esse pressuposto teórico-prático é a base da Educação Popular em Direitos Humanos.

Com relação aos educadores e educadoras sociais, Fernanda Paulo (2020, p.109) acentua que:

“As instituições nas quais os educadores sociais trabalham são as de defesa e garantia de direitos. Elas prestam serviços, executam programas e projetos voltados para a defesa e efetivação dos direitos sociais, a construção de novos direitos, a promoção da cidadania, o enfrentamento das desigualdades sociais e a articulação com órgãos públicos de defesa de direitos dirigidos ao público da política de assistência social em especial. Outro aspecto pertinente é o da rede de atendimento a crianças e adolescentes. Muitos educadores sociais relatam a dificuldade na articulação intersetorial entre secretarias.”

Em conformidade com as análises, a identidade profissional do educador social e da educadora social vem se constituindo pelo processo de trabalho com garantia de diretos. Então a construção de identidade do/a educador/a social não está separada da luta pela efetivação dos Direitos Humanos, este deveria ser a base da sua prática político-pedagógica. Se articulada a Educação Popular freiriana (PAULO, 2018) teremos aí trabalhadores/as sociais “transgressores das regras autoritárias e
burocratizantes” (PAULO, 2018, p. 231) pois os educadores e educadoras sociais, são contrários (ou deveriam ser) a todo tipo de prática educativa e política, seja na escola ou fora dela, desumanizadora. Por isso, enfatizamos que “não há outro caminho senão o da prática de uma pedagogia humanizadora” (FREIRE, 1987, p. 35). Nesse sentido, lutamos por processos formativos na perspectiva da Educação Popular freiriana, que na sua raiz tem os Direitos Humanos como bandeira de luta.

* Fernanda dos Santos Paulo é militante da AEPPA/MEP, FEJARS, tem pós-doutorado, doutorado e mestrado em Educação e é especialista em Educação Popular e Movimentos Sociais. Graduada em Pedagogia e Filosofia.

* Acir Luis Paloschi é militante do Conselho Popular, AEPPA/MEP. É liderança comunitária, professor, assessor da bancada do PT, filósofo, pós graduado em violência doméstica e estudante pedagogia,

* Andreyna Soares Vieira é educadora social ( AEPPA/MEP). Experiência com educação de pessoas adultas em situação de rua.

** Este é um artigo de opinião. A visão do autor não necessariamente expressa a linha editorial do jornal Brasil de Fato.

Referências

BRASIL. Brasil. Comitê Nacional de Educação em Direitos Humanos. Plano Nacional de Educação em Direitos Humanos. Brasília: Secretaria Especial dos Direitos Humanos, Ministério da Educação, Ministério da Justiça, UNESCO, 2007.

FERREIRA, Bernadete Aparecida. A Educação em Direitos Humanos das mulheres e a formação de promotoras legais populares: a experiência da Casa 8 de Março no Tocantins, 2018. Dissertação (Mestrado) - Universidade Federal Do Tocantins, Programa de Mestrado Profissional e Interdisciplinar Em Prestação Jurisdicional E Direitos Humanos. Palmas, Tocantins.

FREIRE, Paulo. Pedagogia do Oprimido. 17a Ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1987.

FREIRE, Paulo. Educadores de Rua: Uma abordagem crítica - Alternativas de atendimento aos meninos de rua. Editorial Gente Nueva: UNICEF, Julho, 1989.

MARINHO, David Glasiel de Azevedo. Vozes de uma história interditada: a educação popular e os direitos humanos na práxis da CEPLAR 1960-1964, 2018. Dissertação ( Mestrado)- Universidade Federal da Paraíba: Programa de Pós-Graduação em Educação,João Pessoa, Paraíba. 

PAULO, Fernanda dos Santos; SPEROTTO, Neila. Trajetória do curso de formação de educadores sociais em Porto Alegre: Educação Popular e pedagogia freiriana. Revista: Gestão Universitária, 2018. Disponível em: http://www.gestaouniversitaria.com.br/system/scientific_articles/files/000/000/481/original/1._TRAJET%C3%93RIA_DO_CURSO_DE_FORMA%C3%87%C3%83O_DE_EDUCADORES_SOCIAIS.pdf?1544203249

PAULO, Fernanda dos Santos. Pioneiros e pioneiras da educação popular freiriana e a universidade. 2018. Tese (Doutorado em educação) — Universidade do Vale do Rio dos Sinos, São Leopoldo, RS.

PAULO, Fernanda dos Santos. Concepções de educação: espaços, práticas, metodologias e trabalhadores da educação não escolar.Curitiba: interSaberes, 2020.

Edição: Marcelo Ferreira