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Seis vezes mais doses de reforço são inoculadas globalmente do que 1ª dose em países pobres

Há hoje menos novos casos diários de covid na África do que na Europa, mas especialistas temem que tendência se inverta

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apenas cerca de 7% dos 1,3 bilhão de moradores de países africanos estão totalmente vacinados - ©André Carvalho/Smed/Fotos Públicas

Embora a África esteja registrando menos novos casos de covid-19 do que a Europa no momento, especialistas receiam que novas ondas da pandemia atinjam o continente, pois apenas cerca de 7% dos 1,3 bilhão de moradores de países africanos estão totalmente vacinados.

A maioria das nações do continente depende de doses de vacina provenientes do exterior, mesmo que haja iniciativas para construir centros de produção locais. Mas, enquanto o número de casos seguir aumentando na Europa, o envio de vacinas para a África provavelmente será reduzido.

A Alemanha, por exemplo, já tomou a decisão de reter doses de vacinas que se destinavam aos países mais pobres. "Nós até adiamos algumas de nossas doações ao Covax, doações internacionais da [vacina da Pfizer-]BioNTech, de dezembro a janeiro e fevereiro, para que haja doses suficientes na Alemanha", disse o ministro da Saúde alemão, Jens Spahn, nesta semana.

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Sua declaração foi dada poucos dias depois de o diretor da Organização Mundial da Saúde (OMS), Tedros Adhanom Ghebreyesus, ter criticado alguns países por estarem estocando vacinas. "Todos os dias, há seis vezes mais doses de reforço sendo administradas globalmente do que primeiras doses em países de baixa renda", disse. "Isso é um escândalo que deve cessar agora".

A organização sem fins lucrativos ONE Campaign pediu que o governo alemão reveja sua decisão e continue a doar doses à Covax conforme prometido. "Se não agirmos rapidamente para garantir que pessoas em todo o mundo tenham acesso às vacinas, iremos prolongar a pandemia", disse o diretor da ONE na Alemanha, Stephan Exo-Kreischer à DW, antes de descrever a decisão de Spahn como "um enorme erro e um sinal devastador para o mundo". Ele também disse que a Alemanha havia comprado mais doses do que precisava.

"Há mais pessoas nos países ricos que agora receberam uma terceira dose do que pessoas nos países mais pobres que receberam a primeira dose", afirmou. "Isso é o resultado de má política."

O Ministério da Saúde da Alemanha disse à DW que o país está fornecendo um total de 100 milhões de doses gratuitas a serem distribuídas principalmente via Covax.

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Subnotificação de casos e mortes

Apesar das baixas taxas de vacinação, há atualmente uma tendência de queda no número de novos casos diários de covid-19 na África. Os Centros de Controle de Prevenção de Doenças da África registraram ao todo 8,5 milhões de casos até o momento, dos quais mais de 222 mil resultaram em morte. 

Mas Exo-Kreischer acredita que esses números provavelmente estejam errados: "Temos que assumir que menos de 15% dos casos no continente são de fato detectados. Mesmo que os números pareçam baixos no papel, a OMS estima que eles sejam sete vezes mais altos."

Ele considera um peoblema a falta de dados de qualidade, apontando que a África do Sul tinha taxas baixas, enquanto as infecções na Tanzânia não foram registradas de forma sistemática.

"O bom registro das taxas de infecção na verdade está relacionado ao fato de que há muito poucos testes e comunicação de casos", disse Wolfgang Preiser, da Universidade Stellenbosch, da África do Sul. Mas ele afirmou ser possível fazer estimativas a partir dos dados de mortalidade em excesso. "Na África do Sul, três vezes mais pessoas morreram de covid-19 do que foi relatado oficialmente."

Ele citou que outras doenças também estariam sendo negligenciadas por causa da pandemia. Somente 23% dos 59 milhões de habitantes da África do Sul estão vacinados.

Existem doses suficientes na África do Sul, ao contrário do cenário da maioria dos países africanos, onde há escassez, mas "o maior desafio é na verdade vacinar as pessoas. Há mais doses do que que podem ser usadas, como nos países desenvolvidos", afirmou. Segundo ele, também há grupos antivacina na África do Sul, que tendem a ser brancos, ricos e educados, mas céticos em relação ao governo.

Zimbábue e Botsuana têm desempenho razoável

No país vizinho Zimbábue, o governo local disse que a pandemia está sob controle e que poucos novos casos e mortes foram relatados recentemente.

Botsuana também está indo razoavelmente bem. No pico da pandemia, o país comprou grande quantidade de vacinas e lançou um amplo programa de imunização.

De acordo com a força-tarefa sobre covid-19 do país, cerca de 56% da população já recebeu uma primeira dose e 29% já receberam a segunda. Os números mais recentes mostram 31 novos casos por dia para cada 100 mil habitantes. Além disso, há poucas pessoas contrárias à vacina, o que os especialistas atribuem a uma confiança geral no governo e no sistema de saúde.

A Mauritânia, que foi chamada de "campeã" pela OMS, também está fazendo grande esforço para vacinar a população. "Sabíamos que não seríamos capazes de lidar com as consequências sociais e econômicas de um confinamento duro", disse recentemente o ministro da Saúde, Sidi Ould Zahaf, ao jornal alemão Süddeutsche Zeitung. Mas, no momento, apenas 13% da população recebeu duas doses, portanto ainda há um longo caminho a percorrer.

No resto do continente, a situação é muito pior. Em 30 países da África, menos de 10% da população está vacinada.