Coluna

É burro na cabeça

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O general Heleno, mentor intelectual de Bolsonaro, se é que isso é possível, compartilhou suas ideias com um power point infantil, onde defendia uma educação “sem cunho ideológico” - Sérgio Lima
O touro da Bovespa foi expulso do Brasil, mas o bode continua na sala

Olá! As elites sonharam com marrecos e tucanos, mas na hora da aposta, vão jogar no burro. Desde que ele sobreviva à crise econômica e às chantagens do centrão.

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.Deu bode. O touro da Bovespa foi expulso do Brasil, mas o bode continua na sala. A insatisfação do mercado com o ex-Chicago Boy Paulo Guedes é crescente, alerta a porta-voz Miriam Leitão, pelo abandono da vaca sagrada da austeridade e a recente conversão ao estilo de vida ostentação. Guedes virou o mágico do orçamento, cuja missão é fazer um estica e puxa para tirar da cartola R$ 150 bilhões que garantirão a reeleição de seu chefe ano que vem. E ele nem esconde seus esforços para fugir das tributações no Brasil e nos Estados Unidos e engordar as próprias contas em paraísos fiscais. Além do incômodo com a flexibilidade fiscal e o saldo negativo da Bolsa de Valores de São Paulo este ano, o mercado sabe que não há luz no fim do túnel para a crise econômica. As projeções apontam que o Brasil deve ter o pior desempenho dentre os países emergentes em 2022. Mas ainda assim, a Faria Lima prefere tolerar Guedes a arriscar uma mudança. O problema é que este modelo econômico é uma tragédia para os mais pobres. O Brasil tem a quarta maior taxa de desemprego do mundo em comparação a 40 países analisados pela consultoria Austin Rating e o presente de Natal de pelo menos 123 mil famílias pode ser o despejo da própria casa. O semiárido sofre com falta d’água enquanto o Programa Federal Cisternas é desmontado, com seu pior desempenho desde 2003. Sem contar aqueles que vivem em territórios considerados fora do Estado democrático e que ficam à mercê de forças policiais e milicianas que nem mesmo o STF é capaz de controlar, como é o caso do Complexo do Salgueiro, em São Gonçalo (RJ). Com isso, entende-se porque o Brasil é a democracia do mundo que sofreu os maiores retrocessos nos últimos cinco anos. Afinal, o bode está na sala e não tem pretensões de ir embora. 

 

.As emendas e o soneto.  A Medida Provisória que institui o Auxílio Brasil foi aprovada no Congresso, mas a fonte de recursos ainda é incerta e a aprovação da PEC dos Precatórios está virando uma típica novela brasileira. O risco agora é que as forças centrífugas sejam tão intensas que acabem inviabilizando o acordo para que a proposta saia do papel. A matéria ainda não foi aprovada pela Comissão de Constituição de Justiça do Senado (CCJ) por falta de consenso, mesmo depois que o líder do governo Fernando Bezerra (MDB-PE) mudou sete pontos do texto. Alguns dos impasses são a definição das fontes de financiamento, se incluirá a taxação de lucros e dividendos, e a destinação dos recursos, autorizando ou não seu uso para despesas obrigatórias e para reajustes de servidores públicos. Além disso, discute-se a proposta de consolidar o Auxílio Brasil como política de Estado, conforme sugeriu o STF, o que por um lado atenuaria seu caráter meramente eleitoreiro, mas por outro tornaria permanente o arremedo de política social rabiscado por Paulo Guedes. Mas isso não é problema para Arthur Lira. A senha de que agora é cada um por si foi dada claramente pelo presidente da Câmara, demonstrando que não depende de Bolsonaro porque pode garantir seu poder com a distribuição de emendas parlamentares para seus aliados nos municípios, e que são operadas por profissionais que atuam no segundo escalão do Congresso, como revela a matéria do Intercept. Ou seja, o único consenso do centrão é que o orçamento secreto não apenas deve continuar, mas também vai aumentar no ano que vem, contrariando a decisão do STF de tornar público o destino final das emendas.

 

.A culpa é do App. O PSDB conseguiu produzir uma prévia histórica, um festival de vergonha alheia do início ao fim, que justamente pela cobertura desproporcional da mídia durante o ano só serviu para amplificar o fiasco. Seja qual for o resultado, dali não sairá um candidato competitivo para a eleição. E talvez seja justamente isso que o partido queria, como avalia Arthur Virgílio, acusando Aécio Neves de tumultuar as prévias para apoiar Bolsonaro lá na frente. O que não seria uma surpresa, já que os tucanos são o terceiro partido com maior fidelidade ao governo no Congresso, com 13 deputados que podem trocar de legenda para apoiar diretamente Bolsonaro em 2022. Teoricamente, o fracasso tucano também deveria fortalecer Sérgio Moro. A candidatura do ex-ministro de Bolsonaro tem sido incensada ininterruptamente pelos grandes veículos de comunicação e, de fato, tem agregado ex-bolsonaristas como o general Santos Cruz, e até implodiu a bolha da candidatura Mandetta, que de volta à realidade, deve concorrer à deputado federal. Porém, Moro tem três problemas. O primeiro é ele próprio. Cantor de uma música só, Moro tentou escamotear o fato que não tem proposta para o maior problema nacional, a economia, apostando num novo posto Ipiranga. Saída que o eleitor já sabe que não funciona. Os outros dois problemas são Lula e Bolsonaro. Nas três primeiras pesquisas após a sua filiação partidária, apesar de todo tempo de exposição, Moro não ultrapassou os 10% em nenhuma delas, mesmo patamar em que se encontrava antes do anúncio. 

 

.Todo dia um 7 de setembro. Não é só Moro que conta com a ajuda dos veículos de comunicação. Apesar de todos os ataques de Bolsonaro à imprensa, o Estadão censurou as críticas do liberal Pérsio Arida, ex-presidente do BC, ao governo. Não se sabe se foi uma escolha difícil para o jornal a exclusão de frases como “O governo cavou seu próprio buraco. Uma péssima gestão econômica, já contratou um panorama recessivo para o ano que vem”. E no fim das contas, a soma da terceira via, com Moro e com tudo, não dá “um Bolsonaro”. Como lembra o ex-ministro Almir Pazzianotto, Bolsonaro não deve ser subestimado, pois conta com a máquina para a reeleição e com o apoio do agronegócio e dos militares. E nem o ingresso de Santos Cruz no Podemos deve alterar a fidelidade militar ao seu ex-capitão. A turma da caserna, aliás, pode estar quieta, mas certamente não está fora do governo. O general Heleno, mentor intelectual de Bolsonaro, se é que isso é possível, compartilhou suas ideias com um power point infantil, onde defendia uma educação “sem cunho ideológico” e “com valores corretos da cidadania”, lembrando que além de cerveja e picanha, essa turma também está no governo pela “guerra cultural”. O que explica o empenho dos militares em intensificar o negacionismo climático. Mesmo não sabendo se as acusações de Sara Winter de que foi Heleno quem incentivou a invasão do STF são verdadeiras, é certo que as Forças Armadas não participaram dos testes das urnas eletrônicas do TSE, assim como outros partidos bolsonaristas, corroborando a tese de fragilidade do sistema e deixando uma brecha para não reconhecer o resultado democrático em 2022. Sem nada a apresentar na economia e sem ameaça pela via da direita, o capitão e seus generais devem apostar na fórmula consagrada de tensionar a política, atacar para todos os lados, sem compromisso com a realidade, e trazer sua base para as ruas para chegar ao segundo turno.

 

.Todo mundo quer um pedacinho das instituições. O casamento de interesses entre o capitão e o PL pode ser benéfico para os dois. Bolsonaro ganha um grande partido, com dinheiro e tempo de TV suficientes para levá-lo ao segundo turno, e o PL ganha um puxador de votos para eleger seus deputados. Mas como todo casamento arranjado, a traição está à espreita, com o infiel Valdemar Costa Neto, dono do PL, sonhando em ter uma bancada de 60 deputados sob um governo Lula. Em compensação, Bolsonaro sempre pode contar com outra instituição, a PGR, onde seu fiel escudeiro Augusto Aras não moveu até agora uma palha para apurar as denúncias feitas pela CPI da Covid e, por isso, terá que dar explicações ao Senado. Outra instituição em que Bolsonaro está de olho é o STF. Neste caso, André Mendonça será sabatinado pelo Senado, depois de ter sido cozinhado em banho maria por meses por Davi Alcolumbre, mas sem ter certeza que será aprovado. Ainda em relação ao Supremo, há outro embate em curso. A proposta feita pela deputada Bia Kicis (PSL-DF) pretende alterar a chamada PEC da Bengala, reduzindo a idade de aposentadoria compulsória dos ministros do STF de 75 para 70 anos. Isto daria a Bolsonaro a oportunidade de indicar mais dois membros à Corte até o final de seu mandato, garantindo maioria na instituição que tem sido uma pedrinha no seu sapato. No entanto, a proposta dificilmente terá andamento no Congresso.

 

.Ponto Final: nossas recomendações.

.O Chile expõe a encruzilhada da América Latina. O jornalista Gunther Aleksander explica porquê depois das manifestações populares é a extrema-direita quem lidera as eleições chilenas.

 

.Nos bastidores de Glasgow. O professor José Luís Fiori revela o comportamento das potências mundiais durante a COP26 e a irrelevância brasileira na conferência.

 

.Desmatamento, fogo e trabalho escravo. O Repórter Brasil demonstra o rastro de sujeira ambiental e desmatamento na cadeia das maiores redes de fast food no Brasil.

 

.A doce vida de um sonegador brasileiro nos EUA. A Carta Capital mostra como vive (bem) em Miami o empresário que sonegou R$ 5 bilhões.

 

.'Ou ia pra aula ou comia': como insegurança alimentar está prejudicando universitários brasileiros. Veja como a pandemia e a crise econômica está afetando o estômago e o cérebro dos estudantes universitários. Por Mariana Alvim, na BBC Brasil.

 

.10 anos da Lei de Cotas para estudantes negros: 'Era um ambiente hostil, havia um silenciamento'. O Sul21 ouviu o testemunho de cinco dos primeiros cotistas e que hoje são lideranças negras.

 

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Ponto é editado por Lauro Allan Almeida Duvoisin e Miguel Enrique Stédile.

Edição: Vivian Virissimo