Paraná

SEGURANÇA PRA QUEM?

Entrevista | Renato Freitas: “Na prática, quem condena é o policial no momento da prisão”

Em entrevista, vereador condena método de PM e guardas municipais nas periferias

Curitiba (PR) |
Ato contra a tentativa de cassação do mandato de Renato Freitas (PT) - Gibran Mendes

O vereador Renato Freitas (PT), advogado e especialista em segurança pública, está em seu primeiro mandato na Câmara de Curitiba, para onde levou as lutas antirracistas e dos movimentos populares.

Em entrevista ao Brasil de Fato Paraná, ele fala da mobilização e organização de seu mandato, voltado “para fora” do espaço institucional. Freitas também denuncia a estrutura da Polícia Militar e da Guarda Municipal, que, em sua análise, deve ser modificada profundamente.

Brasil de Fato Paraná: Seu mandato reúne a juventude negra, participa de lutas. Como você vê a sua inserção no espaço da Câmara, quais os limites do espaço institucional?

Renato Freitas: A oportunidade de estar vereador de Curitiba possibilita reunir diversos setores da sociedade em torno de pautas comuns como moradia, segurança pública, saúde e educação, mas não de forma abstrata e retórica como fazem os políticos tradicionais, que falam desses temas mas utilizam apenas serviços privados, pois vivem em bolhas de privilégios. Diferente desses “herdeiros do poder”, eu e toda minha família vivemos de aluguel, moramos em área de ocupação irregular, usamos o transporte público, o SUS… Ou seja, passamos pelas mesmas dificuldades, o que nos conecta à realidade das periferias.

A população pobre e trabalhadora compreende que os nossos problemas não serão resolvidos pelos ricos. Nesse sentido, vejo um grande potencial de organização e mobilização popular a ser realizado através do mandato, para de fato mudar as estruturas do poder. Porém, a via institucional é limitada, as regras do jogo são viciadas, os jogadores tradicionalmente corruptos e o dinheiro é o fim último da imensa maioria dos políticos.

É um cenário terrível e desanimador, por isso a luta deve ser travada de fora para dentro, dos movimentos sociais, da periferia, do povo para a Câmara, e não o contrário, pois aqueles que acreditam que podem fazer tudo “internamente” acabam sucumbindo ao “toma lá, da cá”, à troca de interesses mesquinhos que corrompe o espírito revolucionário. Eu vi muita gente entrando e dizendo que mudaria o sistema por dentro, mas nunca vi ninguém sair, viraram associados do sistema e esse é sempre o risco de quem “pula o muro” e se afasta do povo.

Como você analisa a violência da Polícia Militar nas comunidades neste momento? A criminalização dos trabalhadores/as nas periferias têm aumentado?

A Polícia Militar hoje, infelizmente, é a grande protagonista do teatro da justiça burguesa, essa justiça que pune rigorosamente os pobres, até com pena de morte, e libera os ricos para no máximo cumprirem pena domiciliar em suas mansões. O policial aborda, prende, e é a única testemunha em juízo e mesmo assim os juízes sentem-se seguros de condenar os réus tendo como única prova a palavra do policial.

Então, na prática, quem condena é o policial no momento da prisão, e esse poder não pode ser delegado por pura covardia aos policiais, como fazem hoje os juízes.

O bolsonarismo é também epifenômeno da covardia judicial, dos heróis de plantão, como [Sergio] Moro e Deltan Dallagnol, que veem o problema da segurança pública pelo viés mais simplista – e fascista – dos apresentadores dos programas policiais sensacionalistas, que veem na periferia, na população pobre e negra sempre um bandido em potencial.

Você tem apontado limites na relação entre as organizações de esquerda e a luta antirracista. Quais são os desafios nesse sentido?

A luta pelo socialismo se dará quando houver dentro das organizações de esquerda um compromisso radical de igualdade, o que pressupõe a luta antirracista.

E a prática é o critério da verdade. A retórica da igualdade deve dar vez à prática, o que obriga – por coerência - os partidos e organizações a terem em seus quadros de direção pessoas negras que de fato representem a comunidade negra que está em sua maioria nas periferias da cidade. Mas infelizmente o que ocorre é um aparelhamento do movimento pelos partidos e das lideranças negras pelos parlamentares.

O desafio é promover essa integração de forma natural, sem perder o caráter socialista que define e orienta as ações dos partidos e movimentos de esquerda, pois o perigo que nos espreita é o da recepção do debate racial a partir de olhares imperialistas e "liberais-capitalistas."

Você foi vítima de racismo e violência por parte da guarda municipal. Quais medidas devem ser tomadas para mudar o caráter das ações da guarda?

A desmilitarização é a medida mais urgente, a Guarda Municipal tem que se readequar ao seu objetivo constitucional de salvaguarda do patrimônio público dos municípios e da vida das pessoas. Não pode ser um arremedo da polícia militar, como é hoje em dia, com grupos táticos de ronda ostensiva.

E como medidas subsidiárias, acreditamos que a fiscalização da atuação dos agentes de segurança coíbem os abusos e a violência policial, por isso protocolamos na Câmara dos Vereadores um projeto prevendo o uso de câmeras corporais e GPS nas viaturas.

Edição: Frédi Vasconcelos